Acórdão nº 0458/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

O Município de Pombal recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação da Taxa de Recursos Hídricos do ano de 2008 operada pela Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P., no valor de € 75.615,76.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: I. No caso em apreço, como melhor resulta dos factos dados como provados, é o Município de Pombal que procede à captação, distribuição e fornecimento público de água em toda a área do Concelho de Pombal, fiscalizando e garantindo a qualidade da água e gerindo a rede de abastecimento público, não prestando a ARH qualquer serviço.

  1. No caso concreto dos autos, não estão verificados os pressupostos de bilateralidade da taxa não se verificam porquanto não existe qualquer contrapartida resultante da prestação de um serviço pela entidade que liquida a TRH.

  2. Face a tal enquadramento, a Taxa de Recursos Hídricos revela-se inquinada de inconstitucionalidade dado que visa compensar custos administrativos - manifestando uma função retributiva, bem como promover objectivos de índole ambiental - revelando uma função extrafiscal.

  3. Pelo exposto, guardado o devido respeito pela Merit.ª Juiz do Tribunal a quo, no caso em apreço, a cobrança do TRH terá de ser considerada inconstitucional, por violação inequívoca do princípio da legalidade tributária, consagrado no nº. 2, do art. 103º, da C.R.P. Igualmente por violação do princípio da igualdade previsto nos art.ºs 13º, e nº. 2 do 266º, da C.R.P. Ainda por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no nº. 2, do art. 266º da C.R.P verificando-se assim um, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

  4. No caso concreto do Município de Pombal, não existem dúvidas na inexistência de natureza sinalagmática do pagamento da taxa, logo, o pagamento de qualquer taxa é sempre desproporcional, não carecendo sequer de alegação por imediatamente apreensível pelo cidadão médio.

  5. Com efeito, o Município de Pombal apenas capta e utiliza os recursos hídricos para satisfação de uma necessidade pública das suas populações e no prosseguimento de uma competência que lhe é legalmente cometida, quer pela revogada Lei 169/99, quer pela atual 75/2013.

  6. Logo, não existe qualquer utilização privativa do domínio público hídrico por parte do Município de Pombal, mas sim uma utilização pública de um bem do domínio público hídrico.

  7. Por todo o exposto, deveria a Merit.º Juiz do Tribunal a quo ter considerada verificada a inconstitucionalidade orgânica e material da taxa cobrada ao Município de Pombal, assim como a violação do princípio da proporcionalidade e da legalidade tributária.

  8. Donde, deveria o Merit.º Juiz do Tribunal a quo ter julgado que os artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º e 8.º do DL 97/2008 e a sua aplicação ao Município de Pombal no caso concreto são inconstitucionais por violação do artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP.

Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e julgada procedente a impugnação.

1.3.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4.

O MP emite Parecer nos termos seguintes: «1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 128 e seguintes do TAF de Coimbra, que julgou improcedente a acção de impugnação judicial proposta contra o acto de liquidação, por parte da “Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P.”, de taxa de recursos hídricos (TRH).

Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao apreciar as questões de inconstitucionalidade orgânica e material da taxa, assim como de violação do princípio da proporcionalidade e legalidade tributária.

Para o efeito alega que não se verificam os pressupostos de bilateralidade da taxa, uma vez que não existe qualquer contrapartida resultante da prestação de um serviço por parte da entidade que a liquida e é o Recorrente que procede à captação, distribuição e fornecimento público de água em toda a área do concelho de Pombal, fiscalizando e garantindo a sua qualidade. Motivo pelo qual conclui que “não existe qualquer utilização privativa do domínio público hídrico por parte do município de Pombal, mas sim uma utilização pública de um bem do domínio público hídrico”.

Entende, assim, que a taxa padece do vício de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da legalidade tributária, princípio da igualdade e princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 103º, nº 2, 13º e nº 2 do artigo 266º, da Constituição da República, já que visa “compensar custos administrativos -manifestando uma função retributiva, bem como promover objectivos de índole ambiental -revelando uma função extrafiscal”.

Mais considera que o Mmo. juiz “a quo” devia ter julgado os artigos 3º a 6º e 8º do Dec.-Lei nº 97/2008, inconstitucionais, por violação do artigo 165º, nº 1, alínea i) da CRP.

E termina pedindo a revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue a acção de impugnação judicial procedente.

  1. Na sentença recorrida deu-se como provado que por ofício remetido em 03/03/2009, a “Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P.” notificou a Recorrente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 16º do Dec.-Lei nº 97/2008, de 11 de Junho, para efectuar o pagamento da quantia de € 75.615,76 euros, a título de taxa de recursos hídricos (TRH) relativa ao ano de 2008, a qual foi paga através de cheque.

    Mais resulta da sentença recorrida que da notificação em causa consta que “...o valor apurado relativo à Taxa de Recursos Hídricos (TRH) para o ano de 2008 deverá ser pago até ao último dia do mês de Fevereiro de 2009, conforme dispõe o nº 1 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 97/2008, de 11 de Junho”, e que a taxa incidiu sobre “utilizações dos recursos hídricos realizadas por um período igual ou superior a 1 ano” e respeitantes a “captação de água” (componente “A” e “U”) e rejeição de águas residuais (componente “E”).

    Para se decidir pela improcedência da acção o Mmo. juiz “a quo” considerou que “a taxa em causa foi aprovada pela Assembleia da República e não pelo Governo, ao contrário do argumentado pela impugnante no artigo 15º da sua petição inicial. É a Lei nº 58/2005 que constitui a lei habilitante da visada taxa, definindo a sua base de incidência objectiva e subjectiva, o destino da sua receita e o modo de cobrança, limitando-se o Decreto- Lei nº 97/2008 a regular, entre o mais e em concreto, as bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, conforme previsto no artigo 102º, nº 2, da Lei nº 58/2005”. E invocando a doutrina dos acórdãos do TCA Sul de 11/04/2013 e 06/06/2013 (proferidos nos processos nºs 08574/12 e 08573/12), concluiu-se na sentença recorrida que não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica.

    E no que respeita ao sinalagma ou bilateralidade que caracteriza o tributo “taxa” invocou o Mmo. juiz “a quo” que «a taxa de recursos hídricos não é mais que a contraprestação pela utilização de um bem de domínio público - a água. Por outro lado, a cobrança de um valor pela utilização deste bem escasso proporciona ao Estado os meios financeiros indispensáveis ao funcionamento de todo um sistema de protecção desse mesmo recurso, objectivo a que o mesmo se encontra obrigado a atingir pela Directiva Água». E como indicador legal da natureza bilateral refere-se na sentença recorrida “a manutenção e recuperação da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos resultantes da sua utilização e das demais actividades susceptíveis de lhe causarem um impacte negativo significativo”.

    O Mmo. juiz “a quo” afastou igualmente a invocada violação do princípio da proporcionalidade, pois no seu entendimento «o impugnante não alega existir tal desproporção, limitando-se a argumentar que a taxa financia um serviço público, nem convoca factualidade que consubstancie a existência de tal desproporção».

    E desse modo concluiu-se na sentença recorrida pela não verificação do vício de inconstitucionalidade material da taxa.

  2. A questão que a Recorrente coloca consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento na apreciação que fez das questões que lhe foram colocadas pela Recorrente, tendo em vista a sua pretensão de anulação da taxa que lhe foi liquidada pela “Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P.”, no valor de € 75.615,76 euros, a título de taxa de recursos hídricos (TRH) relativa ao ano de 2008.

    E considerando as conclusões do recurso, há que aferir se a referida taxa padece dos vícios de inconstitucionalidade orgânica, por falta de lei habilitante, e de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade e proporcionalidade.

    3.1. A Recorrente tinha invocado junto do tribunal “a quo” que o diploma que prevê a taxa ao abrigo da qual foi emitida a liquidação impugnada padece do vício de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que não existe lei prévia habilitante, o que viola o princípio da reserva legal absoluta, e a TRH assume a estrutura típica de uma contribuição especial de financiamento de um serviço público.

    Como se deixou exarado na sentença recorrida, o regime da TRH consagrado no Dec.-Lei nº 97/2008, de 11 de Junho, tem como lei habilitante a Lei nº 58/2005, chamada Lei da Água, a qual constitui uma transposição da Directiva nº 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro. Com efeito, resulta do nº4 do artigo 78º da Lei nº 58/2005 que as «bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, bem como as correspondentes competências administrativas, as isenções referidas no n.º 3 do artigo 80.º e as matérias versadas no n.º 2 do artigo 79.º e no n.º 2 do artigo 81.º são reguladas por normas a aprovar nos termos do n.º 2 do artigo 102.º», o qual por sua vez dispõe que «O Governo deve aprovar no prazo de...

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