Acórdão nº 0581/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A…………….., identificada nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão proferido nestes autos pela Secção Administrativa deste Supremo Tribunal [STA], a 12.01.2012, pois que em seu entender ele estará em oposição com o acórdão, dessa mesma Secção, proferido a 18.11.2009, no processo nº0434/09, onde foi decidida, e no mesmo quadro jurídico-factual, idêntica questão fundamental de direito.

    Conclui assim as suas alegações: A- Quanto à admissibilidade do recurso: 1- O presente recurso tem por objecto o acórdão recorrido, visto que este entendeu que a aplicação do RD [aprovado pelo Despacho Normativo nº104/93, de 11.08, do CA da CGD] à ora recorrente, o qual, procedimental e materialmente aplicou, por remissão, o Direito Laboral, quer o emergente do Acordo de Empresa, quer o decorrente do Código de Trabalho, não inquina a deliberação disciplinar de «despedimento», pois configurando um erro de direito, e feita uma análise comparativa entre o regime aplicado e as regras devidas pelo RD aplicável - o Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto de 22.02.1913, enquanto regime especial - os efeitos e consequências são os mesmos, pelo que, tal erro, sendo irrelevante, logo, não afecta o acto administrativo de anulabilidade, valendo o respectivo aproveitamento, pelo que se manteve a deliberação sancionatória na ordem jurídica; 2- Já no acórdão fundamento, num recurso também da CGD, em que esta instituição invocou a aplicação daquele Despacho Normativo como inócuo, comparado com os efeitos do regime material e procedimental disciplinar devido em termos de consequências invalidantes, entendeu-se diversamente. Aqui, disse-se, que tal apelo «ao princípio do aproveitamento do acto sem paralelo na Doutrina e na Jurisprudência» não permitiria que, num quadro de erro grave, tal ocorresse, pelo que, manteve a decisão anulatória, entre outros motivos, por falta de lei habilitante; 3- Ambos os arestos se pronunciaram num quadro de facto substancialmente idêntico, os regimes jurídicos em causa são os mesmos, não tendo sido alterados entretanto, e não há Jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal sobre esta questão.

    B- Quanto ao mérito: 1- Num enquadramento prévio jurídico-disciplinar, diremos que os artigos 31º e 36º nº1 do DL nº48 953, de 05.04.1969 [Lei Orgânica da CGD], na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do DL nº461/77, de 07.11, não foram respeitados pelo CA da CGD ao aprovar e aplicar um novo Estatuto Disciplinar, decorrente daquele Despacho Normativo nº104/93, publicado na O.S. nº19/93, de 17.08, entrada em vigor em 31.08.1993, por pura e simplesmente não ter habilitação regulamentar, como é jurisprudência deste Supremo. E fê-lo em colisão directa, quer com o respeito pelo princípio histórico do Estado de Direito Moderno - o princípio da legalidade e das competências, quer quanto aos limites dos actos normativos, que decorrem dos artigos 2º, 3º nº2, 6º, 8º, 266º nº2 e 112º nº6 e 1º da nossa Lei Fundamental. Na verdade, aquele Despacho, não é «secundum legem» ou sequer «praeter legem», inovou, aplicando num quadro jurídico-administrativo de uma funcionária entrada ao serviço muito antes de 1993, em regime do antigo contrato de provimento, que nunca optara pelo regime laboral comum, como lhe era permitido pelo artigo 7º nº2 do DL nº287/93, de 20.08 [diploma que converteu a entidade em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, ressalvando no seu artigo 7º nº2 o regime destes funcionários administrativos], aplicando, dizia-se, as cláusulas 22ª alíneas b), d), e e), 104ª e 106ª nº1 alínea e) do Acordo de Empresa assinado entre a CGD e os Sindicatos Bancários e as alíneas a), d), e f) do nº1 do Código de Trabalho e, ainda, conjugado com as alíneas a), d) e e) do artigo 396º deste diploma [na altura vigorava o aprovado pela Lei nº99/2003, de 27.08], foi totalmente ilegal, em colisão directa com o artigo 3º do CPA; 2- Isto posto, e quanto às divergências destes acórdãos, diremos que, enquanto o acórdão fundamento ao decidir a questão [fulcral em ambos os processos] - ou seja, a relevância invalidante da deliberação expulsiva do CA da CGD quando aplicada sob a capa do regime, substantivo e processual de Direito de Trabalho, de acordo com o Despacho Normativo nº104/93, do CA da CGD - a um funcionário sujeito ao regime administrativo e disciplinar do RD de 1913, como a recorrente, considerando tal erro de aplicação do Direito essencial, pelo que, não reconhecendo a validade do acto, negou provimento ao recurso da CGD. Neste caso, a ora recorrida, que, em suma, invocava a respectivo efeito não invalidante, sustentada exactamente nas mesmas razões do acórdão recorrido; 3- Pelo contrário afirmou-se no dito acórdão fundamento, a irrelevância não pode ocorrer, quando, como no caso apreciado, «todo o direito material convocado e todo o procedimento sejam errados», pois, ali, deveria ter-se seguido o regime substantivo e adjectivo de Direito Público. Ora, se seguiu e aplicou o de Direito Privado, tal implica a relevância invalidante. Como se viu, o acórdão recorrido decidiu, com base de que aquela «decisão de despedimento deve ser havida como um genuíno acto administrativo», pelo que, através «dum exercício comparativo» entre o que se fez no procedimento e no acto e o que se deveria ter feito, como no caso ocorreu, este erro de direito na aplicação da sanção, é irrelevante, porquanto a «filiação do acto punitivo a normas de direito privado poder ter-se por irrelevante se aí divisarmos meros erros de nomenclatura que não tenham afectado as formalidades exigíveis e o sentido da decisão». Reconhecendo o «error juris» relativo aos pressupostos de direito do procedimento e do acto, mas tendo sido seguidos «[...] todos os passos previstos nos artigos 30º e seguintes do Decreto de 1913 e, em particular, a improcedência dos vícios arguidos pela autora - toma o erro juridicamente irrelevante; daí advindo a legalidade bastante do acto punitivo, que deve ser encarado como um acto administrativo de demissão»; 4- Nesta sequência, apesar de a recorrida CGD não ter lei habilitante para emitir um novo RD, como o de 1993, como se disse preambularmente, o douto acórdão recorrido entendeu que no contexto, o decidir-se «despedimento» em vez de «demissão», como sendo um mero lapso «in dictionem», logo merecedor de desvalorização, pelo que, concedendo a revista, sustentada na tese da legalidade do «despedimento» pela recorrente, considerou válido o acto expulsivo; 5- Assim, e relativamente ao mesmo fundamento de Direito, e na ausência de alteração substancial de regimes jurídicos, o acórdão impugnado e o acórdão fundamento perfilharam soluções jurídicas opostas; 6- Na verdade, e em suma, o acórdão recorrido entendeu que, apesar do «error juris» decorrente de a CGD ter aplicado, por remissão do seu Despacho Normativo nº104/93, o regime material e procedimental de Direito Comum Laboral, e «embora haja unanimidade nos autos quanto à presença duma anomalia no processo disciplinar» por filiação naquele ramo de Direito comum e não no Direito Público, «máxime» o artigo 6º nº10 daquele RD de 1913, que refere a pena expulsiva de «demissão», não tem eficácia invalidante, pois o acto expulsivo é «um genuíno acto administrativo», e portanto, não releva; 7- O acórdão fundamento, ao contrário, entendeu que [e cita-se o sumário, item II] «não pode considerar-se irrelevante e, portanto, sem efeitos invalidantes, a decisão de despedimento com justa causa, proferida no âmbito de um processo disciplinar a que foi aplicada a lei laboral [substantiva e processual] a um trabalhador sujeito ao regime disciplinar previsto no Decreto de 22.02.1913»; 8- Ora, este entendimento está coincidente, na óptica quer do artigo 3º do CPA, quer dos preceitos do diploma de 1969 e 1977, com a Constituição da República - artigos 3º nº2, 13º, 17º, 20º nº4, 32º nº10 e 269º nº3, pelo que, quanto ao poder regulamentar [e sob a capa da norma dirigente do artigo 112º nºs 6 e 8, não se poderá dizer que o vício que afectou o acto expulsivo é «menor»] -, ou seja, um mero erro de direito, superável pela comparação das aplicações, invocando identidade substancial, quer material, quer procedimental, num processo de natureza disciplinar. Daí a violação destes preceitos, pelo acórdão recorrido; 9- Na verdade, sendo o Direito Sancionatório [matéria reservada à Assembleia da República - artigo 165º nº1 alínea d) da CRP e que, já há cem anos, o Congresso da República, autorizara o Governo, pela Lei de 11.07.1912, a emitir tal Regulamento Disciplinar], tem a protecção de um qualquer Direito Fundamental. Assim sendo, tal ilegalidade, não poderá considerar-se um erro suprível, antes um erro grave, afectando o acto de forma definitiva e total. Portanto o acórdão recorrido atingiu o cerne do princípio da legalidade, como diz «infra» 13º; 10- Além do mais, tal acto foi violador do princípio sobre a tutela da confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, sobretudo, num quadro estatutário e sancionatório, conforme aos preditos preceitos, nesta óptica, em directa colisão com o artigo 133º, nº2 alínea d), do CPA, e artigos 3º deste Código e 2º da CRP; 11- Acresce, ainda, que não poderá, de modo algum, para tentar «salvar» «aquele Despacho Normativo [que foi declarado ilegal com força obrigatória geral, por acórdão do TAF do Porto, junto aos autos] dizer-se que o RD de 1913 é «supletivo», não podendo a CGD, como entidade detentora do poder punitivo, num Estado de Direito [citado artigo 2º CRP], «escolher livremente a forma do procedimento, nem o direito material aplicável», sob a invocação da semelhança das normas e dos efeitos delas, por meros erros de nomenclatura, para manter ileso o acto impugnado, como se invoca no acórdão recorrido; 12- Como atrás dissemos, tal acto deliberativo, por ofensa ao direito fundamental ao Estatuto Profissional, na vertente disciplinar, é nulo - artigo 165º nº1 alínea d) do CPA - pois se nem sequer o...

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