Acórdão nº 01075/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“A………, Lda.”, melhor identificada nos autos, intentou no então Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/L], contra a “CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA [«CML»], “B………, SA” e “C………..”, a presente ação de condenação, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando a condenação da 1.ª R. a pagar-lhe a quantia de 139.347,63 € e as 2.ª e 3.ª RR. condenadas solidariamente com aquela, respetivamente, no pagamento de 19.736,02 € e de 104.362,42 €, acrescidos de juros moratórios à taxa legal.

1.2.

Foi proferido despacho saneador [cfr. fls. 177 e segs.

] no qual se julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria com consequente absolvição da instância das 2.ª e 3.ª RR., bem como fixou-se factualidade assente e elaborou-se base instrutória.

1.3.

No decurso dos ulteriores termos veio a ser proferida, em 30.12.2011, sentença [cfr. fls. 807 e segs.

] a julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, (i) condenou a R. «CML» a pagar à A. “uma indemnização no valor de 79.933,30 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento” e “uma indemnização pela perda de mercadoria com o 2.º sinistro e gastos com a remodelação elétrica com o 3.º sinistro, em quantia a liquidar ...

”; e no mais (ii) absolveu a R. do mais pedido.

1.4.

Aquela R., inconformada, interpôs recurso jurisdicional [cfr. fls. 842 e segs.

], formulando o quadro conclusivo que se reproduz: “...

I. As cassetes cedidas à Recorrente não integram o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

II. Os mencionados suportes evidenciam que os depoimentos que aí se encontram parcialmente gravados correspondem a uma fase processual distinta da do reinício do julgamento, uma vez que a audiência de julgamento foi repetida junto do Tribunal a quo depois de se ter comprovado que a gravação realizada se encontrava com deficiências.

III. Não existem gravações do julgamento reiniciado, pelo que a Recorrente se encontra impedida de impugnar, como pretende, a matéria de facto que sustenta a decisão recorrida.

IV. A falta total de gravação da prova produzida em audiência inquina fatalmente todo o processado desde a retoma do início do julgamento por vicissitude similar à que agora se suscita e argui, na medida em que se trata de formalidade obrigatória em face do requerimento e deferimento da gravação da audiência e porque impede a Recorrente de colocar em crise, como é/era seu propósito, a factualidade julgada provada, tendo por escopo a sua alteração perante o Tribunal ad quem.

V. A omissão de gravação é uma irregularidade processual que in casu influi diretamente no exame e na decisão da causa, prejudicando de forma irremediável o processado.

VI. É inequívoca a nulidade processual decorrente da não gravação da prova, o que se argui e se requer seja declarado, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), contagiando de nulidade a própria sentença por a mesma depender da matéria de facto considerada provada, devendo ser repetido o julgamento.

VII. A Recorrente foi surpreendida com a existência do parecer final do Digno Magistrado do Ministério Público, não tendo do mesmo sido notificada e, por isso, não lhe foi facultado o exercício do contraditório que legalmente lhe assiste, nos termos previstos pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

VIII. Tratando-se de uma formalidade obrigatória ao longo de todo o processado afigura-se insofismável que a mesma não foi observada e é apta a influir no exame e decisão da causa, constituindo uma nulidade insanável emergente da sonegação do direito de contraditório à Recorrente, ao abrigo do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o respetivo artigo 3.º, n.ºs 1 e 3.

IX. Em resultado dessa nulidade, será de anular todo o processado posterior à emissão de parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público, concedendo-se às partes o direito de sobre ele se pronunciarem, aduzindo as razões de direito e de facto que reputarem pertinentes à alteração do sentido opinativo nele inserto.

X. A sentença recorrida tem por fundamentação o resultado da resposta à matéria de facto inserta em douto despacho datado de 16 de dezembro de 2009, onde não se alinha fundamentação séria para o efeito, pois que não resulta minimamente indiciada a identificação das testemunhas e dos documentos que constam dos autos e que servem de âncora para a decisão sobre a matéria subsumida à base instrutória, o que inviabiliza a contradição, em sede de recurso, de cada um dos depoimentos e de cada um dos documentos e os segmentos que cada um deles comporta e que poderá estar na base do decidido.

XI. A apontada deficiência na fundamentação equivale, salvo o devido respeito, a falta de fundamentação da sentença recorrida. Com a falta de fundamentação o Tribunal a quo amputou severamente o direito de contraditório e de impugnação recursória por parte da ora Recorrente, pelo que não poderá deixar de se considerar nula e de nenhum efeito a sentença proferida pelo Tribunal a quo, o que se requer seja declarado nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

XII. Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente, algumas delas comuns à Recorrida, permitiram esclarecer que a responsabilidade pelos danos alegadamente sofridos pela Recorrida decorreu de ato do proprietário, em primeira linha, e por eventual concorrência de causas, por ato do empreiteiro (no caso do primeiro sinistro, decorrente da queda do entulho, e nos demais pela putativa não reparação do tubo de queda de água que seria a alegada causa das infiltrações - no que, note-se, não se concede).

XIII. Tais testemunhas alinharam factos bastantes para concluir que os incêndios se sucederam porque houve um reforço ilegal do disjuntor por parte da própria Recorrida, não confundível com a mera sobrecarga, e que foi esse reforço dos fusíveis que fez eclodir os dois incêndios, em vez de fazer disparar nessas duas situações, como é normal em casos de sobrecarga e de infiltrações de água, o disjuntor. Igualmente provaram, ao contrário do que resulta da sentença sob recurso, que a inundação se deveu a facto não imputável à Recorrente e que, relativamente a todos os sinistros, não se verificou a omissão de qualquer dever que incumbisse sobre a Câmara Municipal de Lisboa, aqui Recorrente.

XIV. O depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente demonstrou, com suficiente clareza, que o princípio da livre apreciação da prova não pode desvirtuar, que no caso da queda de entulho, bem como no caso dos incêndios e das infiltrações, o fator de imprevisibilidade não permitia à Recorrente atuar de forma diferente, competindo, ao proprietário e ao empreiteiro a eventual responsabilidade pelo sucedido.

XV. Relativamente aos montantes dos danos considerados provados por se sustentarem na prova pericial realizada, será de censurar o decidido na medida em que as conclusões ínsitas na sentença em crise não encontram substância no relatório da perita, nem nos esclarecimentos prestados.

XVI. Numa outra vertente, sublinha-se que o Tribunal a quo não valorizou grande parte da prova produzida por não ter integrado no cômputo da base instrutória factos suscetíveis de consubstanciar o alegado dever funcional que pretensamente impendia sobre a Recorrente e o correspondente bloco de factualidade que permitiria aferir a culpa da Recorrente de molde a apurar a inversão, ou não, do ónus da prova vertido no artigo 493.º, n.º 1, do CC.

XVII. Por isso, e para habilitar o Tribunal a quo a pronunciar-se sobre a questão controvertida nos autos e sobre as soluções de direito ao caso cabíveis, não podia deixar de ser levado à base instrutória, entre outra pertinente para a boa decisão da causa, a matéria constante dos artigos 46.º, 57.º, 58.º e 82.º da contestação oferecida pela aqui Recorrente. Do mesmo modo, não podia deixar de ter sido aditada à matéria assente, porque não sofreu impugnação e consta de documento não contraditado, a matéria vertida nos artigos 5.º (com referência ao Doc. 1), 7.º (com referência ao Doc. 2), 15.º (com referência também ao Doc. 1), 16.º (com referência ao Doc. 3), 17.º (com referência ao Doc. 4), 18.º (com referência ao Doc. 5) e 37.º, todos da contestação da Câmara Municipal de Lisboa, aqui Recorrente.

XVIII. A omissão de tal matéria, acoplada com o incorreto juízo formulado sobre o depoimento prestado pelas testemunhas e sobre os documentos juntos aos autos, determina um inequívoco erro de julgamento que inquina definitivamente a fundamentação da sentença e, por consequência, o sentido dispositivo da sentença.

XIX. A sentença recorrida incorre numa incorreta interpretação dos pressupostos, taxativos e cumulativos, de que depende a imputação de responsabilidade civil extracontratual à ora Recorrente Câmara Municipal de Lisboa. E, porque o faz, a sentença sob recurso viola o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48051, de 21.11.1967, por errada interpretação e aplicação.

XX. Não se consegue descortinar a que dever funcional se refere o Tribunal a quo e muito menos qual a sede legal para esse dever culposamente preterido, sendo certo que em nenhuma parte da sentença em crise se identifica o dever violado e a regra legal que impunha atuação diversa.

XXI. Para além do mais, e sem prescindir, também é certo que a fundamentação apresentada para a existência de culpa não comporta qualquer cabimento legal e sonega a verdadeira responsabilidade do proprietário e/ou da sociedade empreiteira.

XXII. Referindo que a Recorrente não logrou provar a inexistência de culpa, por referência à inversão do ónus da prova plasmado no referido artigo 493.º, n.º 1, do CC, em face do que se deixa exposto, surge claramente violada tal disposição legal.

XXIII. De igual forma, não se pode...

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