Acórdão nº 01665/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução02 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam (na formação a que se refere o nº 1 do art. 150º do CPTA) na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

Clínica A………….., Lda., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso excepcional de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 22/10/2015, no processo que aí correu termos sob o nº 08878/15.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes, ora submetidas a alíneas: a) - O que a norma do artigo 2º, § 1º, nº 2 do revogado Código da Sisa ficciona como transmissões de propriedade imobiliária são as promessas de compra e venda, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador (no mesmo sentido, o art. 2º, nº 2, al. a), em vigor); b) - Por isso, o Tribunal de 1ª instância entendeu, e bem, que na falta de contrato promessa onde tivesse intervindo a impugnante, não houvera transmissão, mandando anular o ato tributário; c) - Já o Tribunal agora recorrido, desprezando a inexistência de contrato promessa, concluiu que a mera posse do imóvel era fundamento suficiente para ficcionar a transmissão, revogando assim a primeira decisão; d) - Mas o tratamento dado pelo Tribunal recorrido à inexistência de contrato-promessa - não dando por provada a sua existência, ignorando as alegações da recorrente, e omitindo do acórdão a fundamentação da sentença revogada que nela se baseava, e que assim não teve de enfrentar e rebater, o que se traduz na falta de fundamentação do acórdão - obriga a concluir que o fim procurado era precisamente o de afastar da decisão a proferir o contrato promessa como primeira premissa da existência da transmissão; e) - O acórdão recorrido enferma, assim, de “error in iudicando” - ao aplicar erroneamente uma norma de direito substantivo; e de “error in procedendo” - ao infringir normas processuais que o obrigavam a ter em conta toda a matéria de facto, provada e não provada, e toda a matéria de direito; e conforma uma decisão injusta - decorrente da inapropriada valoração da prova, da omissão da referência dos factos ao direito, e utilização de um poder discricionário legalmente inexistente; f) - Mas o acórdão ofende o próprio Estado de Direito, ao subtrair o Estado ao cumprimento duma norma legal, ao respeito pela legalidade; g) - E a aplicação que o acórdão faz da norma do artigo 2º § 1º, nº 2 do CIMSISSD ofende princípios constitucionais como o do direito ao processo equitativo, o da legalidade e o da igualdade; h) - Como contraria a Constituição a aplicação das normas processuais cuja interpretação permitiu ao Tribunal recorrido o uso dum poder discricionário inexistente, por ofensa àqueles mesmos princípios, mas também ao dever que aos Tribunais incumbe de assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

Termos em que: Tendo presente o seu caráter excecional, se afigura justificada a admissão do presente recurso, não só por ter fundamento a violação de lei substantiva e processual, mas ainda por a sua interpretação e aplicação se revestir de indiscutível relevância jurídica, e até social - por o desrespeito grosseiro e acintoso da legalidade ser sempre motivo de justo alarme social -, e da mesma depender claramente a melhor aplicação do direito.

E com os fundamentos aduzidos, e outros que o douto Tribunal saberá suprir, se requer a revogação do Acórdão recorrido, e a anulação do ato tributário impugnado.

1.3.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4.

O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes: «1. A intervenção do Ministério Público nos recursos jurisdicionais interpostos no âmbito do CPTA é subsequente à sua notificação (art. 146º nº 1 CPTA).

  1. O Ministério Público suscita expressamente questão de inconstitucionalidade, nos seguintes termos: O recurso de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos é característico da jurisdição administrativa, como claramente resulta de: a) inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do art. 24º nº 2 ETAF 2002 (cf. art. 26º ETAF 2002); b) impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma citada, recusada pelos princípios hermenêuticos; c) composição da formação incumbida da apreciação preliminar sumária dos pressupostos substantivos do recurso: três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (art. 150º nº 5 CPTA); d) inexistência no Contencioso Tributário de espécie paralela à 7ª espécie da Secção de Contencioso Administrativo (recursos de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos; cfr. deliberação do CSTAF nº 1313/2004, 26 janeiro 2004).

    e) persistência da inexistência da citada espécie após a recente reformulação de critérios de classificação pela deliberação do CSTAF nº 2186/2015, 24 novembro 2015 (Diário da República, 2ª série - nº 235 - 1 dezembro 2015).

    No sentido da inaplicabilidade do recurso de revista no contencioso tributário pronuncia-se doutrina qualificada (José Casalta Nabais - Considerações sobre o Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário Cadernos de Justiça Administrativa nº 61 Janeiro/Fevereiro 2007 p. 13; Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV anotação 37 ao art. 279º CPPT p. 390).

    Neste contexto deve ser recusado o conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na inconstitucionalidade das seguintes normas: - norma constante do art. 150º nº 1 CPTA, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165º nº 1 al. p) CRP numeração RC/97).

    - norma constante do art. 26º al. h) ETAF 2004 (aprovado pela Lei nº 13/2002, 19 fevereiro), na interpretação segundo a qual a competência para o conhecimento do recurso de revista é deferida pela norma constante do art. 150º nº 1 CPTA, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165º nº 1 al. p) CRP numeração RC/97).

  2. Sem prescindir A intervenção processual do Ministério Público, circunscrevendo-se à apreciação do mérito do recurso, é posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso, por formação constituída pelos três juízes mais antigos da secção (arts. 146º nº 1 e 150º nº 5 CPTA)».

    1.5.

    Corridos os vistos legais, cabe decidir.

    FUNDAMENTOS 2.1.

    Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes [os factos constantes dos n.ºs 20 a 22 foram aditados pelo TCAS, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 1, do CPC]: 1 - Em 11/04/1988 foi celebrado o contrato de sociedade "Clínica A…………., Lda.", com o n.i.p.c. …………, ora impugnante, com o capital social de 400.000$00, repartido pelos sócios, B………….., detentor de uma quota de 320.000$00, e C………….., detentor de uma quota de 80.000$00, tendo por objecto o exercício de medicina, estomatologia, paramedicina e exames complementares de diagnóstico, sendo a gerência exercida pelos dois sócios e necessária uma assinatura para obrigar a sociedade (cfr. documento junto a fls. 36 e 37 dos presentes autos; documento junto a fls. 39 a 43 dos presentes autos); 2 - Em 27/12/1993, foi assinado um "Contrato de Promessa de Compra e Venda" entre a "D…………., Lda.", primeira outorgante, e B………….., segundo outorgante, e do qual consta, designadamente, o seguinte teor (cfr. documento junto a fls. 35 e verso dos presentes autos): "(...)

    1. A primeira outorgante é dona e legítima proprietária de um prédio sob propriedade horizontal, situado na Rua …………, ainda em construção, o qual é composto por fracções autónomas.

    2. Pelo presente contrato, a primeira outorgante promete vender ao segundo a fracção autónoma identificada no projecto, cuja área é de cerca de 200 m2, para mais ou menos, fracção esta que ocupa a parte Sul-Poente do último piso e confronta do poente com Dr...

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