Acórdão nº 0897/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A…………. e OUTROS vêm «reclamar para a conferência» da Secção de Contencioso Administrativa deste Supremo Tribunal [STA] da decisão, proferida em sede de saneador, que «absolveu da instância os réus» com fundamento na «ilegitimidade dos autores».

    Concluem assim as suas alegações: 1- Os Recorrentes são titulares dos interesses difusos em questão na presente acção, à luz dos artigos 52º, nº3, alínea a), da CRP, 2º, nº1, da LAP, 31º do CPC, 9º, nº2, e 73º, nº2, do CPTA, uma vez que está em causa a defesa, a promoção e a preservação do património cultural que é a língua portuguesa, bem como a defesa de direitos fundamentais conexos, como a liberdade de expressão escrita, a liberdade de aprender e de ensinar e o direito ao ensino; 2- Os referidos titulares dos interesses difusos são também parte legítima na presente acção, através da interpretação combinada dos artigos 52º, nº3, alínea a), da CRP, 2º, nº1, da LAP, 31º, do CPC, 9º, nº2, e 73º, nº2, do CPTA; 3- As afirmações contidas no douto despacho de que ora se reclama, segundo as quais só seriam partes legítimas na presente acção os «lesado [s]» [sic], são desprovidas de qualquer fundamento e arrimo legal, tanto mais que do despacho saneador consta a transcrição da versão original e desactualizada do artigo 73º, nº2, do CPTA, da qual só constavam os «lesado [s]» como partes legítimas na respectiva acção; 4- O douto despacho reclamado aplicou incorrectamente o Direito, neste particular. Não é correcto afirmar-se que tenha de se ser «lesado» para, nos termos do artigo 73º, nº2, do CPTA, se ter legitimidade activa para intentar uma acção de impugnação de normas, porque o mesmo, após a revisão de 2003, remete para as pessoas e entidades do artigo 9º, nº2, do próprio CPTA; 5- De resto, também, ainda que, por hipótese académica, não militasse nesse sentido a redacção dada ao artigo 73º, nº2, do CPTA, pela Lei nº4-A/2003, de 19 de Fevereiro [aditando ao mencionado preceito «ou qualquer das entidades referidas no nº2 do artigo 9º»], a inserção da conjunção coordenativa alternativa «ou» no enunciado linguístico do texto legal é por si só elucidativa de que são partes legítimas tanto o «lesado», como «qualquer das [pessoas ou] entidades referidas no nº2 do artigo 9º»; 6- Os autores são também partes legítimas em face do requisito adicional dos «efeitos circunscritos ao caso concreto», a que o artigo 73º, nº2, in fine, do CPTA faz alusão, interpretado no sentido normativo que o conforma ao sistema jurídico; 7- Uma leitura exegética e literal da expressão «caso concreto» constante do artigo 73º, nº2, do CPTA, encerraria em si insanáveis contradições lógico-normativas e valorativas, quer com o conceito de acção popular, quer com o regime da acção popular, quer mesmo com o próprio regime do processo administrativo, as quais devem ser evitadas de acordo com as coordenadas resultantes do sistema jurídico, no seu todo; 8- Verificar-se-ia uma patente falta de congruência lógica, quando se alude a «caso concreto», numa acção popular, cujos interesses tutelados são, por natureza, difusos [!], e numa acção popular administrativa de impugnação de normas regulamentares [e do próprio regulamento], em que, a acrescer ao carácter difuso dos interesses, estamos perante a impugnação de regulamentos, cujas normas neles contidas, por definição, são dotadas de generalidade e abstracção; 9- De facto, numa acção popular para tutela de interesses difusos, intentada contra normas regulamentares gerais e abstractas, e, ademais, imediatamente operativas, não há, por definição, um «caso concreto»; 10- O que significa, pura e simplesmente, que «conceber uma declaração com efeitos circunscritos ao caso concreto no caso de a acção se destinar a defender interesses indivisíveis» é verdadeiramente «um contra-senso»; 11- A contradição valorativa e normativa seria, portanto, manifesta. Com efeito, exigir um «caso concreto» no seu sentido literal equivaleria a fazer tábua rasa do direito de acção popular, da inerente extensão de legitimidade activa prevista pelo artigo 9º, nº2, do CPTA, para a qual remete o artigo 73º, nº2, do CPTA. Ora, um autor popular encontra-se dispensado de invocar a lesividade para se constituir como parte legítima; 12- A contradição normativa não pode ser ultrapassada, considerando que o artigo 73º, nº2, do CPTA, teria revogado qualquer dos preceitos da LAP, uma vez que não houve revogação nem expressa nem tácita do artigo 2º, nº1, da LAP; 13.ª Mas, mesmo que se admita - o que se faz sem conceder, por mera hipótese de raciocínio - a derrogação tácita do artigo 2º, nº1, da LAP, pelo artigo 73º, nº2, do CPTA, o problema manter-se-ia. Ou seja, mesmo pondo de parte o artigo 2º, nº1, da LAP [e até o 52º, nº3, alínea a), da CRP] - o que se faz sem conceder - a contradição normativa e valorativa continua a existir no «interior» do próprio artigo 73º, nº2, do CPTA; 14- O sentido normativo, a extrair do artigo 73º, nº2, do CPTA, tem de ser objecto de uma interpretação restritiva, de acordo com ponderosos argumentos lógicos e de acordo com o conceito de sistema, em estrita articulação com os artigos 52º, nº3, alínea a), da CRP, 9º, nº2, do CPTA, e 2º, nº1, da LAP, em articulação [elemento histórico] com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e em articulação com a ratio [elemento teleológico] da inserção no mesmo da remissão expressa para as entidades do artigo 9º, nº2, do CPTA, que, por sua vez, remete para a LAP; 15- Propugnando-se uma interpretação segundo a qual a expressão «caso concreto» seja diferentemente valorada e interpretada consoante estejamos perante as acções de impugnação de normas intentadas pelo lesado ou perante as acções [populares] de impugnação de normas intentadas pelas pessoas ou entidades do artigo 9º, nº2, do CPTA; 16- Atento o acima exposto, não pode o intérprete concluir senão no sentido de que o artigo 73º, nº2, é um reforço confirmativo da regra geral do 9º, nº2, do CPTA, ao remeter claramente para os «termos gerais», isto é, para as normas da LAP [in casu, artigo 2º, nº1]. A expressão «nos termos da lei», constante do artigo 9º, nº2, do CPTA, para que remete o artigo 73º, nº2, do mesmo diploma, implica inequivocamente uma remissão directa para a LAP; 17- Por outro lado, o artigo 73º, nº2, da LAP, na redacção dada pela Lei nº4-A/2003, de 19 de Fevereiro, visou claramente alargar o âmbito do referido preceito, para conformá-lo à Constituição [artigo 52º, nº3]. A ratio da alteração foi precisamente o alargamento da legitimidade para intentar a acção de impugnação de normas. Por isso, a expressão «caso concreto» aí constante, quando referida à acção de impugnação de normas intentada pelas pessoas e entidades referidas no artigo 9º, nº2, ex 73º, nº2, do CPTA, deve ser entendida - em termos hábeis e devidamente conformes ao Direito - num sentido lato, sob pena de a realidades diametralmente distintas aplicarmos, cega e indiscriminadamente, o mesmo conceito normativo, em violação do princípio da igualdade; 18- Em conclusão, atentas as considerações antecedentes, deve o artigo 73º, nº2, do CPTA, ser restritivamente interpretado, de acordo com os elementos da interpretação sistemático, histórico e teleológico, no sentido de que confere legitimidade activa aos autores, entendendo-se «caso concreto» em sentido lato quando referido às entidades do artigo 9º, nº2, ex 73º, nº2, do CPTA, como abrangendo potencialmente quaisquer situações em que estejam em causa os interesses difusos que, nos termos da CRP e da LAP, permitem o recurso à acção popular; 19- Ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda - o que se faz por mera hipótese de raciocínio - deve o artigo 73º, nº2, do CPTA, «na parte que se reporta aos sujeitos e entidades referidos no artigo 9º, nº2, o nº2 do artigo 73º [...] ter-se por não escrito, aplicando-se as regras gerais de legitimidade [...] às acções desencadeadas por autores populares»; 20- Interpretada nos termos acima expostos a expressão «caso concreto» constante do artigo 73º, nº2, do CPTA, quando referida à acção popular administrativa de impugnação de normas promovida pelas entidades do artigo 9º, nº2, do CPTA, é manifesto que, na presente situação, nos encontramos perante casos concretos: [i] na leccionação e avaliação interna do 1º ao 4º ano de escolaridade; [ii] na avaliação externa [exames nacionais] do 4º ano de escolaridade; [iii] na leccionação e avaliação interna do 5º ao 9º ano de escolaridade; [iv] na avaliação externa [exames] do 6º e 9º anos de escolaridade; [v] na leccionação e avaliação interna do 10º ao 12º anos de escolaridade; [vi] na avaliação externa [exames] do 11º e 12º anos de escolaridade; 21- Sendo este o sentido normativo correcto da expressão «caso concreto» constante do artigo 73º, nº2, do CPTA, e verificando-se que a presente acção é restringida nos seus efeitos a esses «casos concretos» entendidos em termos latos, no despacho saneador de que se reclama aplicou mal o Direito; 22- Por último, tal interpretação defendida no douto despacho saneador padece de manifesta inconstitucionalidade material, pelo que não poderia ter sido, sem mais, exposta nos termos em que o foi; 23- Com efeito, e como é evidente, «A remissão do legislador constitucional para legislação ordinária não pode ser entendida no sentido de permitir que esta adopte uma concepção restritiva, contrária às finalidades de protecção de valores e interesses referidos pela norma constitucional». Por isso, o artigo 52º, nº3, alínea a), da CRP, opera um reenvio limitado, condicionado, nos seus pressupostos; 24- A garantia institucional da acção popular não permite a eliminação dos elementos já caracterizadores de tal instituto; 25- A remissão para a lei ordinária não é, por isso mesmo, um «cheque em branco», devendo manter-se os traços típicos do instituto da acção popular [artigo 52º, nº3, da CRP], tal como garantido pela Constituição. Elementos típicos que seriam assim intoleravelmente restringidos e...

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