Acórdão nº 01285/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO C………., S.A.

e, A…….. E.I.M., inconformadas com a decisão proferida no TCA Norte, em 02 de Julho de 2015 que não conheceu do objecto dos recursos jurisdicionais, por entender que a decisão de 1ª instância apenas era susceptível de reclamação para a conferência nos termos definidos no nº 2 do artº 27º do CPTA, que não foi oportunamente apresentada, e não de recurso jurisdicional, interpõem, cada uma de per si, recurso jurisdicional.

Apresenta a recorrente A……., E.I.M, S.A., para o efeito, as seguintes conclusões que aqui se reproduzem: A. «Com o devido respeito por posição contrária, entende a Recorrente que a situação dos presentes, porque diversa das que ali foram apreciadas, não está abrangida pela Jurisprudência fixada pelos doutos Acórdãos do Pleno do STA nºs 3/2012 e 1/2014; B. Nos termos do artigo 27º, nº 2, do CPTA, reclama-se para a conferência dos despachos, não das sentenças; C. A sentença de que foi interposto recurso jurisdicional foi proferida no saneador, pelo juiz singular, com competência para a proferir (nos termos do artigo 87º, nº 1, alínea b), do CPTA, aplicável ex vi do artigo 101º, nº 1, do mesmo código), não fazendo no caso qualquer sentido, que devesse ter sido suscitada a intervenção dos adjuntos, que nenhuma intervenção tiveram no processo, através de reclamação para a conferência; D. Tanto mais que não houve audiência, nem produção de prova; E. A decisão de que foi interposto recurso jurisdicional, não é uma decisão sumária a que alude o citado artigo 27º, nº 1, alínea i), do CPTA; F. Nem está em causa um mero despacho, a que se refere o citado artigo 27º, nº 2, do CPTA, mas uma verdadeira sentença, proferida no saneador, com conhecimento integral do mérito da causa; G. Por isso, ao contrário do decidido, não havia lugar a reclamação para a conferência, mas sim a recurso para o Tribunal Superior; H. Com efeito, dispõe o artigo 142º, nº 1, do CPTA (que em nada é afastado pelo referido artigo 27º, nº 2, aplicável apenas a despachos e não a sentenças) que as decisões que em 1ª instância conheçam do mérito da causa são impugnáveis mediante recurso jurisdicional para o Tribunal Superior; I. O recurso jurisdicional, meio utilizado pela Recorrente, para impugnar a sentença, proferida no saneador, pelo juiz titular do processo (relator), nos termos e no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 87º, nº 1, alínea b), do CPTA, que conheceu na totalidade do mérito da causa, foi o adequado; J. Interpretação diversa, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2 º e 20º, nº 4, da CRP; K. Com o devido respeito, entende a Recorrente que o Acórdão do TCA Norte, violou, entre outras, as disposições legais constantes dos artigos 27º, nº 1, alínea i) e nº 2; 87º nº 1, alínea b); 140º e 142º, nº 1, do CPTA; 40º e 46º do ETAF, bem como o disposto nos artigos 2º e 20º, nº 4, da CRP.

L. Deve, pois, ser mantida a decisão da 1ª instância que admitiu o recurso, julgando-se adequado o meio utilizado para impugnar a decisão recorrida, prosseguindo os autos com o conhecimento do mérito do recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Mirandela».

*Igualmente a contra interessada C…………, S.A., interpôs recurso jurisdicional que terminou com a apresentação das seguintes conclusões: 1. «O Acórdão do qual se interpõe o presente recurso apenas apreciou o requerido pela B……… e pelo Ministério Público relativamente à não admissibilidade dos recursos jurisdicionais em segunda instância, tendo em consideração a interpretação do art. 27º, nº 2 do CPTA.

  1. Toda a decisão foi portanto alicerçada num artigo que levanta controvérsia jurisprudencial, o que não pode deixar de ser colocado em causa.

  2. A isto acresce que o acórdão do qual agora se recorre, se encontra ferido de nulidade, tendo em consideração que à Requerente não foi em momento algum notificado o conteúdo das contra-alegações apresentadas pela B………., ao contrário do que é afirmado no douto acórdão.

  3. A não notificação do conteúdo das contra-alegações apresentadas representa desde logo uma violação do princípio basilar do processo administrativo português representado pelo direito ao contraditório, o qual foi preterido e afecta a decisão proferida nos autos de recurso para o TCAN.

  4. Apenas ao analisar o acórdão proferido teve a recorrente conhecimento de que a B…….. também utilizou nas suas contra-alegações a opinião vertida no Acórdão Uniformizador nº 3/2012, do Pleno da 1.ª secção do STA, proferido em 5 de Junho de 2012, tendo as mesmas sido acolhidas pelo TCAN.

  5. Todavia, e como ficou demonstrado, o TCAN não conseguiu demonstrar, porque não corresponde à verdade, que a decisão proferida em primeira instância tenha decorrido da aplicação implícita do art. 27.º CPTA, não podendo igualmente pretender manter esta interpretação invocando o princípio da igualdade, pois tal significaria que o presente tribunal se encontra disposto a manter uma solução julgada inconstitucional.

  6. Mesmo que se invoque uma sucessão de acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos sobre esta matéria, o Acórdão recentemente proferido pelo Tribunal Constitucional tem obrigatoriamente que se sobrepor, pois analisa esta questão com o respeito pelos direitos constitucionais e jurisdicionais das partes processuais.

  7. Pelo que, foi o recurso, o meio jurisdicional adequado para recorrer da decisão proferida em 1ª instância, devendo aplicar-se de forma cabal o vertido no acórdão nº 124/2015, de 12 de Fevereiro do Tribunal Constitucional.

  8. Assim, a interpretação de que as decisões proferidas ao abrigo do art. 27º, nº 2 do CPTA por um juiz singular apenas podem ser impugnadas mediante a apresentação de reclamação para a conferência do Tribunal de 1.ª instância, não podendo ser objecto de recurso, não corresponde mais à interpretação correcta da letra da lei.

  9. Na realidade, e não obstante a existência de jurisprudência a sufragar a opinião vertida nos autos de recurso, a doutrina já tinha pugnando por uma diversa interpretação do preceito legal em causa, como resulta aliás do supra exposto.

  10. A isto acresce que nos presentes autos foi proferida uma sentença e não mero despacho, ao contrário do que é alegado, sendo que o documento foi aliás identificado claramente como sendo uma “sentença”, o que não deixa margem para dúvidas quanto à verdadeira natureza da decisão proferida.

  11. Sem prescindir, os artigos 140º e seguintes do CPTA são bastante claros ao estabelecer que as decisões que em primeira instância decidam e apreciem sobre questões de mérito são sempre impugnações através de recurso jurisdicional para o Tribunal Superior, sendo que esta regra deve ser respeitada sobre pena de se preterir o direito a ver a questão decidida por um tribunal superior.

  12. No mesmo sentido, o artigo 27º, nº 2 do CPTA terá sempre que ser entendido e analisado numa vertente de assegurar aos interesses um outro meio de ver a mesma decisão apreciada pelo colectivo dos juízes e não apenas por um relator, funcionando assim como uma alternativo ao recurso, mas não como mecanismo que prejudique o direito de recorrer de decisão proferida em primeira instância.

  13. Pelo que qualquer interpretação do artigo como impedindo o exercício do recurso de uma decisão de mérito é inconstitucional, como ficou sufragado em definitivo pelo acórdão do Tribunal Constitucional que ora se invoca.

  14. Como se não bastasse o exposto, convém ainda ressalvar, novamente, que o juiz nem sequer demonstrou o cumprimento dos requisitos do art. 27º do CPTA, isto é, não demonstrou que a questão a decidir era simples e que tinha já sido anteriormente apreciada judicialmente de modo uniforme e reiterado, nem que a pretensão é manifestamente infundada.

  15. Como se não bastasse, a pretensão de classificar uma sentença em despacho por mera classificação formal que vai contra o próprio teor do acto jurisdicional em causa e sua identificação não faz qualquer sentido, resultando na prática num bloqueio ao exercício dos direitos processuais das partes.

  16. Qualquer posição contrária à vertida no presente recurso inquina aliás de inconstitucionalidade, a qual não poderá deixar de ser reconhecida, especialmente quando o órgão supremo do cumprimento da constituição da república portuguesa se pronunciou de forma expressa pela inconstitucionalidade de tal entendimento.

  17. Não restam dúvidas de que o entendimento que motiva o acórdão do Tribunal Constitucional é o de que tal interpretação de que o artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA no sentido de que a “sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos, não é susceptível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência”, viola “o princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2º e 20º, nº 4 da Constituição” 19. Não pode assim, e após conhecido o teor da posição do Tribunal Constitucional, fundar-se o entendimento inverso em decisões anteriormente fundadas, ou no facto de várias decisões terem sido anteriormente proferidas no sentido sufragado nos autos de recurso, pois tal argumentação não colhe qualquer tipo de acolhimento legal, sendo absurda.

  18. Novamente cabendo salientar que não estavam reunidos no presente caso os requisitos do art. 27º, nº 1 do CPTA, pelo que o as partes pretendiam era efectivamente prejudicar os direitos processuais da C……….., tendo afastar qualquer possibilidade de obter decisão que lhe fosse judicialmente favorável.

  19. Assim, a interpretação de que ora se recorre embate directamente no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, colocando em perigo o direito de acesso aos Tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT