Acórdão nº 01049/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

Município do Seixal, devidamente identificado nos autos, recorreu para o Pleno deste Supremo Tribunal do Acórdão da Secção, de 30.04.15, nos termos dos artigos 25.º, n.º 1, al. a), do ETAF, e 140.º e ss do CPTA.

  1. Termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 614 e ss): “1. A presente acção administrativa especial visou impugnar os actos administrativos praticados sob a forma de lei, no citado Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, devidamente discriminados na petição inicial, que se reconduzem à conformação individual e concreta da situação jurídica da sociedade comercial A…………, SA.

  2. É conhecido o entendimento desse Venerando Supremo Tribunal relativamente à questão em apreciação neste e nos múltiplos processos em matéria em tudo semelhante, no sentido do carácter legislativo das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, e pelos que versaram sobre os demais sistemas multimunicipais de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos.

  3. O Município ora recorrente não concorda com semelhante interpretação e aplicação do direito.

  4. Sem prejuízo da discordância em relação a tal aplicação do direito perfilhada no acórdão recorrido, o Município recorrente não se conforma com o facto de o Tribunal ter considerado como actos legislativos as concretas alterações aos Estatutos da A………..introduzidas nos arts. 4º, 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, em particular na parte relativa aos actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei, quando procedeu à revogação dos citados artigos 6º e 10º, nº 3, dos Estatutos da A…………… 5. Assim, de harmonia com o disposto no art. 635º do CPC, aplicável por força do art. 140º do CPTA, o presente recurso visa impugnar a D. decisão recorrida que confirmou a decisão proferida no despacho saneador que declarou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção e absolveu os Réus da instância, na parte relativa à impugnação dos actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, quando procedeu à revogação do artigo 6º e do n.º 3 do art. 10º dos Estatutos da A…………..

  5. Como bem se refere no D. acórdão recorrido, a questão de maior importância e relevo da alteração aos Estatutos da A……….. é a possibilidade, antes excluída, do capital da sociedade poder ser maioritariamente detido por entidades privadas; acontece que, ao contrário do entendimento perfilhado nessa parte do D. acórdão recorrido, o Município recorrente quando impugnou os actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, que procederam à revogação dos citados artigos 6º e 10º, n.º 3, dos Estatutos da A………., não pretendia sindicar aquela possibilidade do capital social da A……….. ser maioritariamente detido por entidades privadas; o que verdadeiramente está em causa na impugnação daqueles actos administrativos praticados sob a forma de lei é a concreta alteração dos Estatutos da A………. perpetrada pela revogação daqueles artigos do pacto social, que jamais podem considerar-se como tendo natureza legislativa.

  6. A impugnação dos actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, que procederam à revogação dos artigos 6º e 10º, n.º 3, dos Estatutos da A…………, não se reporta à possibilidade de abertura da maioria do capital social da A……….. a entidades privadas; se a revogação do art. 4º do Decreto-Lei n.º 53/97, de 4 de Março, o veio permitir a sua concretização teria de realizar-se nos termos da lei, mediante uma deliberação da assembleia geral da A………… que revogasse os artigos 6º e 10º, n.º 3, dos Estatutos da sociedade, consentâneos com aquele art. 4º do Decreto-Lei n.º 53/97 de 4 de Março.

  7. Salvo o devido respeito, não pode aceitar-se que a revogação destes artigos dos Estatutos da A………… pela alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, tenha consubstanciado a prática de um acto legislativo realizado pelo Governo no exercício das suas competências legislativas, ao contrário do perfilhado no D. acórdão recorrido.

  8. A revogação do art. 4º do Decreto-Lei n.º 53/97 de 4 de Março, pela alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, conferiu a possibilidade da abertura da maioria do capital social da A………. a entidades privadas, mas, esta situação não afectou o quadro legal e estatutário vigente e que se mantém plenamente em vigor; conforme invocado na petição inicial, as alterações aos Estatutos da sociedade A……….. realizam-se nos termos dos artigos 383º, n.º 2 e 386º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais e do disposto no art. 18º dos Estatutos da Sociedade, que impõem que as deliberações sobre as alteração dos estatutos devem ser tomadas com voto favorável representativo de, pelo menos, dois terços do capital social.

  9. Estando em causa matéria respeitante à vida interna da A…………, sujeita à manifestação de vontade dos seus accionistas, não pode aceitar-se o entendimento perfilhado no acórdão recorrido no sentido da revogação dos artigos 6º e 10º, n.º 3 dos Estatutos da A…………, realizada na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, consubstanciar um acto do Governo no exercício das suas competências legislativas; a manifestação de vontade dos sócios de uma sociedade comercial não é, por natureza, passível de ser exercida através de um acto legislativo, como, salvo o devido respeito, resulta indevidamente da D. decisão recorrida.

  10. Tratou-se, ao invés, como o Município recorrente tem reiteradamente invocado nos autos, da prática de um acto administrativo do Governo, sob a forma de lei, com o qual pretendeu substituir-se à deliberação societária que deveria ser tomada, com vista à desejada revogação dos artigos 6º e 10º, n.º 3 dos Estatutos da A………… 12. E, tal acto administrativo é ilegal por violar precisamente, o disposto nos arts. 383º, n.º 2 e 386º, n.º 3 do Cód. das Sociedades Comerciais, impondo-se a sua revogação, por padecer de vício gerador da sua invalidade, como se invocou na petição inicial.

  11. A mera revogação do art. 4º do Decreto-Lei n.º 53/97, de 4 de Março, pela alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, na linha das anteriores alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 35/2013, de 11 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de Julho, que vieram conferir a possibilidade da abertura da maioria do capital social da A…….. a entidades privadas, não dispensa a necessidade de alterar os Estatutos da sociedade que expressamente vedam tal possibilidade e que não são abalados por aquelas alterações.

  12. Nada obrigava a que a alteração dos Estatutos da A……….. fosse feita em simultâneo e no mesmo acto em que o Governo procedeu às alterações ao DL n.º 53/97, de 4 de Março, como sucedeu, na tentativa de aparentar o exercício de uma actividade legislativa em relação àquela alteração estatutária; ao julgar improcedente a reclamação e ao confirmar a decisão proferida no despacho saneador que declarou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção e absolveu os Réus da instância, com fundamento no facto de estarem em causa actos legislativos não sindicáveis pelos Tribunais Administrativos, o D. acórdão recorrido padece, salvo o devido respeito, de erro na aplicação do direito, no caso concreto da impugnação dos actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, quando procedeu à revogação do artigo 6º e do n.º 3 do art. 10º dos Estatutos da A…………, pois tratando-se, inequivocamente, de actos administrativos, cujo conteúdo não é sequer susceptível de consubstanciar um acto legislativo, não pode deixar de ser apreciada a impugnação apresentada pelo Município recorrente em relação àqueles actos administrativos praticados sob a forma de lei.

  13. O acórdão recorrido não atendeu a reclamação do Município recorrente no sentido de que o Despacho saneador-sentença deveria ter-se pronunciado individualmente sobre cada um dos actos impugnados nos presentes autos, devidamente discriminados na petição inicial, e caracterizar a sua natureza de acto administrativo ou legislativo, nomeadamente os actos administrativos praticados na alínea b) do art. 6º do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, quando procedeu à revogação do artigo 6º e do n.º 3 do art. 10º dos Estatutos da A……….., ora em apreço no presente recurso, com o argumento de que o Município A. não procedeu à caracterização das disposições do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, como actos administrativos, dizendo em que medida o são, e "era ao autor que cabia discriminar quais os concretos preceitos que em seu entender eram susceptíveis de ser qualificados como actos administrativos." 16. Salvo o devido respeito, não pode concordar-se com semelhante argumento utilizado para o Tribunal não conhecer individualmente de cada um dos actos administrativos impugnados nos presentes autos, porquanto, como expressamente se reconhece no D. acórdão recorrido, o Município A., nomeadamente nos arts. 41º a 48º da p.i., discriminou individualmente cada um dos actos administrativos impugnados e que foram praticados no Decreto-lei n.º 104/2014, de 2 de Julho.

  14. Discorda-se de semelhante imputação de deficiência à petição inicial que consubstancia uma contradição nos fundamentos do D. acórdão recorrido, pois, primeiro refere que o Município A. não procedeu à caracterização das disposições do Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de Julho, como actos administrativos, dizendo em que medida o são, e, logo de seguida, acrescenta, em sentido oposto, que o Autor alegou que aquelas disposições consubstanciam a prática de actos administrativos contidos em diploma legislativo, porquanto versam exclusivamente e produzem efeitos jurídicos sobre...

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