Acórdão nº 0331/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Vem a Fazenda Pública recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação deduzida pelo Banco A………., S.A., melhor identificada nos autos, contra o indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IVA de 2008, e respectivos juros compensatórios.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões, já sintetizadas na sequência de despacho proferido nesse sentido, ao abrigo do disposto no artº 282º, nº 6 e 7 do CPPT: I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença a quo, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, a qual considerou que nas operações de locação financeira e ALD financeira, o IVA incide sobre o valor da contrapartida recebida ou a receber do locatário, ou seja, a renda, pelo que no cálculo da percentagem ou pro rata aplicável, quando estão em causa, simultaneamente, operações que conferem e outras que não conferem direito à dedução - operações mistas - o valor total das operações, devem constar do numerador e do denominador da fracção que constitui aquela percentagem e não apenas o valor da parcela juro de que é composta a renda recebida ou a receber do locatário.

II — Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se o procedimento preconizado pela AT, nos termos do art.º 23.º do CIVA, não violou as normas comunitárias e as normas internas ao considerar que para o apuramento da percentagem de dedução segundo o método do pro rata não concorre a parcela de capital constante das rendas pagas pelos clientes da impugnante no que respeita ao desenvolvimento da sua actividade de locação financeira e, se a interpretação dada pela AT fere a legislação comunitária, designadamente a Sexta Directiva e a Directiva IVA.

III — Tal como ficou provado nos autos, a impugnante no exercício da sua actividade realiza operações que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, sendo considerado um sujeito passivo misto. Assim, considerou o Tribunal a quo que os custos comuns não poderiam ser deduzidos pelo método da afectação real pelo que deveriam ser integrados no denominador da fracção para o cálculo do pro rata, uma vez que o art.º 16.º n.º 1 al. h) do CIVA consagra como valor tributável o valor das rendas na locação financeira, olvidando que esse montante já havia sido deduzido no método de afectação real.

IV - A actividade exercida na banca, no caso em apreço, consiste no financiamento ou concessão de crédito, pagando ao fornecedor do bem aquando da aquisição do veículo automóvel, (IVA suportado é dedutível) e celebrando um contrato de locação financeira com o seu cliente, pelo que existem duas operações distintas: uma que não confere direito à dedução e outra que confere direito à dedução.

V - Assim, a concessão de crédito não é a única actividade da banca, logo para poder concorrer em condições de igualdade com as demais empresas relativamente a essas outras actividades não isentas que também leva a cabo, deve poder exonerar-se do IVA suportado por causa dessas mesmas actividades. Só assim se consegue que seja verdadeiramente neutral o IVA suportado para produzir ou vender bens sujeitos mas não isentos.

VI - O balcão bancário por meio do qual se procede à concessão de empréstimos e à recepção de depósitos tem custos de IVA, custos que não podem ser deduzidos, logo as receitas desta actividade vão para o denominador no cálculo do pro rata.

VII - No caso da banca, o legislador do IVA isentou a actividade de prestação de serviços, ou seja, deu aos bancos (e, directamente, a todos aqueles que recorrem ao crédito) a vantagem de fornecer um serviço por um preço mais baixo do que aquele que cobrariam aos seus clientes se a actividade fosse tributada.

VIII - Mas, como as isenções são distorções ao sistema do IVA, a isenção limita-se ao valor acrescentado por essa actividade. Quando uma empresa compra bens ou adquire serviços no exterior do perímetro formado pela empresa, suporta IVA, mas não tem aqui o direito à dedução se essas despesas estiverem em conexão com o produto ou serviço isento que vai colocar no mercado.

IX - Existem duas hipóteses de actuação, para determinar os limites de dedução, a empresa pode proceder a uma separação ex ante ou a uma separação ex post entre actividades sujeitas ao regime geral e actividades isentas de IVA.

X - Na separação ex post, efectua-se um pro rata, ou seja, um cálculo de proporcionalidade, entre as diversas receitas da empresa. Como não podemos separar com rigor a área isenta da área tributada, recorre-se à presunção de que a relação entre ambas vai corresponder à proporção das receitas geradas por cada uma das actividades.

XI — E, na esteira do art.º 19.º da Sexta Directiva e do art.º 23.º n.º 1 do CIVA, o fim da norma é claro: encontrar um modo de afastar da dedução os custos de IVA respeitantes a actividades isentas, de forma a limitar o alcance da dedução e a adequá-la ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

XII - Já vimos que no caso em apreço, onde estão em causa operações de leasing e de ALD, os rendimentos provenientes destes contratos são rendimentos de mera fruição financeira, pelo que se coloca a questão de saber se devem ou não ser colocados no denominador da fracção a que se referem aqueles preceitos.

XIII - No caso em apreço, pretende-se saber se o valor da amortização financeira, das rendas, da locação financeira se incluem ou não no cálculo do pro rata.

XIV - À questão formulada, entende a Fazenda Pública que a resposta deve ser negativa, porquanto: a) - Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor tributável consiste no valor da renda recebida ou a receber do locatário; b) - Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será totalmente dedutível; c) - Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações; d) - No entanto, no cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afectação real aqueles custos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível: e) - A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

XV - Nestes termos, pode-se concluir que no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, desde que a utilização do método de afectação real não se mostre exequível.

XVI — Tratando-se do cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, cuja afectação real não se mostrou viável, teremos de concordar com a interpretação dada, no sentido de ser determinada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

XVII - Porém, ter-se-á de ressalvar a questão que não estamos no âmbito de aplicação do art.º 23.º n.º 4 do CIVA, mas sim no apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado foi o da afectação real.

XVIII - Assim, a solução não poderia ser outra senão a de apenas incluir no cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos às actividades em causa já que, em relação a esses custos, a afectação real não se mostrava viável.

Se a solução fosse outra, a impugnante obteria uma vantagem injustificada ao deduzir indevidamente uma parte do IVA que anteriormente tinha deduzido aquando da aplicação do método da afectação real.

Esta solução é a que mais se aproxima da neutralidade e a que melhor se ajusta à redacção do art.º 23.º do CIVA que, como se constatou, não fere o art.º 174.º da Directiva IVA.

XIX - O entendimento mencionado no ponto anterior, não fere quer a legislação nacional, quer a comunitária, pois o rácio, a percentagem e o coeficiente apresentado é baseado num pro rata geral mas antes específico para a realidade a que vai ser aplicado”, daí que seja de extrair a amortização financeira para seja apurado com base nos juros, os quais constituem o lucro que a actividade financeira do banco obtém nos contratos de ALD ou leasing.

XX — Acresce que os contratos de locação financeira são distintos entre si, pois os de ALD configuram-se como contratos de locação venda, em que o locatário adquire a propriedade do bem na última prestação paga, operando-se uma transferência da propriedade, ao passo que no contrato de locação financeira o locador-proprietário não tem a intenção de usar o bem, de correr os riscos próprios do proprietário, nomeadamente o risco económico de não rentabilidade de coisa e do seu perecimento. Neste caso, o locador proprietário quer que o bem seja usado, com a assunção integral do risco, pelo utente.

XXI - Na verdade, o locatário/utente não pretende obter o simples uso de um bem disponível no mercado de locação. Realiza verdadeiramente um investimento, traduzido em parte ou na totalidade do valor do bem, correndo o risco equivalente do seu perecimento ou da sua não rentabilidade.

XXII - Pelo exposto, podemos concluir que enquanto no ALD existe uma transferência de propriedade e não de uso, no contrato de locação financeira existe o uso pelo locatário do bem...

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