Acórdão nº 0726/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução20 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Decisão recorrida – decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal em 12 de Maio de 2014, no proc. 202/2013-T.

Acórdão fundamento – acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01774/02 de 19-03-2003 disponível em www.dgsi.pt Data de interposição do presente recurso – 17 de Junho de 20141.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da decisão proferida no processo nº 202/2013-T, em que é entidade requerente A………………, S.A.

, relativa à legalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa solicitando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA e o reconhecimento do direito a efectuar regularizações de IVA a seu favor, veio deduzir recurso por oposição de acórdãos invocando oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01774/02, de 19 de Março de 2003, pelos fundamentos que se mostram expressos nas seguintes conclusões: A - Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no processo n.° 202/2013-T, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral.

B - A questão em apreço no presente recurso prende-se com a interpretação da alínea a) do n.° 3 da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março que estabelece os termos em que a Administração Tributária se vinculou à jurisdição arbitral.

Dos factos C - Em 11 de Março de 2011 a ora Recorrida apresentou nos termos do artigo 78.° da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 98.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) um pedido de revisão oficiosa relativo a IVA alegadamente liquidado em excesso, pelas entregas a clientes de artigos para oferta, relativo aos períodos compreendidos entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2009, no montante de €202.942,02, pedido esse que foi indeferido.

D - A ora recorrida não apresentou reclamação graciosa e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado após o prazo legal para apresentação de reclamação graciosa.

E - A 28.08.2013 apresentou junto do Tribunal Arbitral um pedido de pronúncia sobre a legalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa solicitando a declaração de ilegalidade dos actos de auto liquidação de IVA e o reconhecimento do direito a efectuar as necessárias regularizações de IVA a seu favor.

F - A Autoridade Tributária suscitou a incompetência do Tribunal Arbitral uma vez que nos termos da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março - que regula a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais ao abrigo do n.° 1 do artigo 4.° do RJAT-, os Tribunais Arbitrais não têm competência para apreciar os actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.° a 133.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

G - Por Acórdão de 12.05.2014 o Tribunal Arbitral decidiu julgar improcedentes as excepções de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IVA do período entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2009, condenando a Requerida a reconhecer o direito de efectuar as regularizações de IVA a favor da requerente.

H - O Acórdão recorrido considerou a redacção da alínea a) do artigo 2.° da referida Portaria como “manifestamente defeituosa”, como de seguida se passa a transcrever: 87. Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.° do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.° que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.

  1. Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.° 112- A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do ato tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código e Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se as «pretensões relativas às declarações de ilegalidade de atos», que obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

  2. Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo da Portaria 112-A/2011, há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto da redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.

  3. Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n° 3-B/2010, de 25 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

  4. E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.°, n.º 3, do Código Civil).

  5. Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n° 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.° 3 artigo 9.° para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

  6. É de concluir, assim, que o artigo 1° alínea a) da Portaria n.° 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.° do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.°, n° 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

    I - O referido Acórdão teve voto de vencido cuja fundamentação se transcreve para melhor elucidação: No caso da Portaria de vinculação, podemos falar de uma declaração de vinculação unilateral com caráter restritivo a interpretar nos seus estritos termos. Isto porque a Portaria de vinculação introduz, expressamente, uma condição prévia (consistente na reclamação graciosa relativa ao ato tributário sindicado), nos termos das disposições legais taxativamente indicadas para acesso à arbitragem arbitrária.

    Concordo, por isso com a orientação arbitral proferida no Processo n.° 51/2012—T, de 2012-11-09.

    Quanto à pretensa redação “deficiente” do artigo 2.º, al. a) da Portaria: (a) há, com efeito, um erro de concordância ao utilizar o particípio passivo “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está efetivamente em causa: (b) a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer aos tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa; (e) temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.° a 133.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

    Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.° 3 do artigo 9.º do Código Civil: (d) pretender o intérprete interpolar ainda neste membro da frase a expressão “.. e do artigo 78.° da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos.

    Tenha-se presente, a este propósito, a Anotação 1 ao artigo 11.° da Lei Geral Tributária onde se escreveu: “Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático - formal) para afirmar um significado que não resulte expresso.

    Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objeto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objeto deve considerar-se não significado”.

    Concluindo, não se reconhece como passível de ser submetido arbitragem de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º, alínea a) (objeto da vinculação) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que não haja sido precedido de reclamação graciosa, por esta já não ser viável pelo que se afigura inquestionável a incompetência em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral Tributário.

    Tratando-se, neste caso, de uma vinculação unilateral que implica uma renúncia ao foro comum — os Tribunais Tributários a declaração seria sempre de interpretar literalmente, ou seja, estritamente, por ser um ato de...

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