Acórdão nº 0860/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1.1.

MUNICÍPIO DA MOITA, devidamente identificado nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial contra o CONSELHO DE MINISTROS [doravante «CM»] e os contrainteressados “MUNICÍPIO DE ALCOCHETE”, “MUNICÍPIO DE ALMADA”, “MUNICÍPIO DO BARREIRO”, “MUNICÍPIO DO MONTIJO”, “MUNICÍPIO DE PALMELA”, “MUNICÍPIO DE SEIXAL”, “MUNICÍPIO DE SESIMBRA”, “MUNICÍPIO DE SETÚBAL” e “ A……………, SA” [«A……»], impugnando e pedindo, pelos fundamentos aduzidos na petição inicial [cfr. fls. 02/27 dos autos] que fossem anulados os atos “contidos nos n.ºs 1, 2 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014”, bem como os “atos materialmente administrativos constantes do Decreto-Lei n.º 45/2014” e os “atos materialmente administrativos constantes dos arts. 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 104/2014”.

1.2.

Citados R. e contrainteressados devida e regularmente apenas o R. e a «A……» apresentaram contestações nas quais se opuseram à pretensão contra si deduzida [cfr., respetivamente, fls. 125/196 e fls. 323/356], defendendo-se por exceção [incompetência do tribunal] e por impugnação, pugnando pela procedência da exceção e improcedência do pedido, com consequente absolvição.

1.3.

Notificado o Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal para efeitos do disposto no art. 85.º do CPTA pelo mesmo foi apresentada pronúncia na qual sustenta a improcedência da ação [cfr. fls. 364/366].

1.4.

Notificado o A. para se pronunciar sobre as exceções invocadas nos articulados pelos Demandados veio o mesmo sustentar a sua improcedência [cfr. fls. 377/390].

1.5.

Foi proferido despacho saneador, sem qualquer impugnação, no qual se julgou procedente, em parte, a exceção de incompetência material, determinando-se, em conformidade, a prossecução dos autos “apenas para a apreciação e julgamento … no segmento que tem como o objeto/pretensão a anulação dos atos consubstanciados/contidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014” [cfr. fls. 392 e segs.

].

1.6.

Notificadas as partes para produzirem alegações escritas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 91.º, n.º 4, do CPTA, vieram fazê-lo: - o A. [cfr. fls. 412/438], culminando-as com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz: “… 1.ª B……………, S.A., de que o A. é acionista desde a sua criação pelo Decreto-Lei n.º 53/97, de 4/3, rege-se, nos termos desse seu diploma constitutivo, pela lei comercial e pelos seus estatutos.

  1. Não só o diploma fundador, mas também os estatutos a ele anexos asseguram a maioria do capital púbico, impondo, sob cominação de nulidade, que as ações da classe A, apenas suscetíveis de serem detidas por entes públicos, representassem sempre e pelo menos 51% do capital social.

  2. Das disposições dos estatutos e também do clausulado do acordo parassocial (junto à p.i. como doc. 4), celebrado com a A………….. (titular de ações da classe A, representativas de 51% do capital social), emerge a garantia da manutenção dessa maioria do capital público, quer por via das regras de subscrição do capital social, quer por via do exercício do direito de preferência, reservado a acionistas titulares de ações da mesma classe, quer ainda por força da exigência de uma maioria representativa de 2/3 do capital social para transformar as ações da classe A em classe B e para alterar os estatutos.

  3. Foi neste quadro relacional que o municípios da Península de Setúbal, titulares, no seu conjunto, de 49% do capital social, se tornaram acionistas, e, à exceção do Município de Setúbal, que aderiu mais tarde, acionistas fundadores da B…………., concessionária, em regime de exclusivo, da exploração e gestão do sistema multimunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da margem sul do Tejo - sobre as conclusões 1.ª a 4.ª, supra 1 a 9.

  4. Pelos atos aqui sindicados, consubstanciados nos ps. 1 a 3 da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º30/2014, de 08/4, o R. determinou a alienação de 100% das ações da A……….. (p.1) mediante concurso público, aprovou o caderno de encargos que estabelece as condições dessa oferta pública que abriu (p. 2) e aprovou ainda os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais, nas quais a A……….é acionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da entidade gestora de um mesmo sistema, relativamente a essa alienação.

  5. Tais atos tem por efeito: a) a alienação da maioria do capital social a privados, conferindo-lhes uma posição dominante na B…………, enquanto sociedade gestoras de um dos sistemas multimunicipais em referência; b) uma substancial e gravosa restrição da faculdade de alienação de ações de que são titulares os municípios; uma compressão não menos substancial e gravosa da esfera jurídica dos municípios quanto ao exercício do direito de preferência quanto a ações eventualmente alienadas por outros municípios integrantes do mesmo sistema multimunicipal - sobre as conclusões 5.ª e 6.ª, supra, 10 a 13.

  6. Da análise dos estatutos e do acordo de acionista resulta inequívoco que a vontade conjetural dos municípios, nomeadamente do ora A., foi a de participar numa empresa de capitais maioritariamente públicos, o que, envolve a rejeição do escopo lucrativo, objetivo nuclear das sociedades privadas, mas que não participa das atribuições municipais, constitucionalmente convocadas para a estrita defesa dos interesses das populações que representam.

  7. Foi nesse evidenciado propósito que desde a constituição da B…………., já há mais de 18 anos, que o Município da Moita vem intervindo na vida societária, mas a questionada promoção da alienação das ações detidas pela A…………., em rutura com o relacionamento societário existente, compele os municípios e nomeadamente o A. a suportar a imposição de uma maioria de capital privado e sequentemente a comparticipar numa sociedade em que o propósito de maximização do lucro passa a ser determinante.

  8. A conduta unilateral e autoritária do Conselho de Ministros consubstanciada nos atos sub judice viola de forma grosseira o princípio da proteção da confiança, ínsito no art. 2.º da CRP e o princípio da boa-fé plasmado no art. 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental, com refração no art. 6.º-A do CPA vigente à data da criação da B…………- sobre as conclusões 7.ª a 9.ª, supra, 14 a 23.

  9. Até aos atos sindicados, houve uma atuação do Estado geradora de confiança, uma atuação de confiança e um investimento de confiança duradouros (18 anos) na B………………. por parte do A., sendo manifesto o nexo causal entre a situação de confiança e o investimento de confiança.

  10. Não é admissível que, passados todos estes anos, o A. seja compelido a suportar uma alteração estatutária que altera radicalmente as condições da sua participação na mesma sociedade, com subversão das normas fundadoras desta, em prejuízo e em absoluto desrespeito pela sua posição acionista.

  11. Os atos sindicados ofendem de forma grosseira o princípio da proteção da confiança, nuclear num Estado de direito democrático, como evidencia a doutrina e jurisprudência acima convocadas, pelo que, em reforço do já referido na conclusão 9.ª, se torna manifesto que enfermam do vício de violação da lei, sendo, deste ângulo, anuláveis (art. 135.º do CPA então vigente e atual art. 163.º, n.º 1, do novo CPA) - sobre as conclusões 10.ª a 12.ª, supra, 24 a 31.

  12. No diploma fundador da B………, o legislador, podendo ter tomado outras opções, autolimitou-se, tendo o Estado acionista (através da A…………..) se comprometido juridicamente com os demais acionistas a observar o regime societário que criou, esgotando aí (no diploma criador) o seu poder jurisgénico sobre a sociedade, que passou a exercer (por interposta A……….) como um acionista, competindo pois à própria sociedade o poder de modificação dos respetivos estatutos, mediante os mecanismos específicos de alteração estatutária previstos no CSC - supra, 32 a 35.

  13. Face ao Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3/10, que, sob credencial parlamentar, aprovou, com valor reforçado, o novo Regime Jurídico do Setor Público Empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas, a B…………. continua a ser hoje, como no antecedente, uma sociedade anónima, uma “SA”, com capital social (e não capital estatutário), com competência para alterar os seus estatutos nos termos da lei comercial - supra, 36 a 48.

  14. Tendo sido adotado o modelo de sociedade anónima, um dos tipo de sociedade previstos no art. 1.º, n.º 2, do CSC, a alteração dos estatutos da B…………… ficaram sujeitos aos modos do direito comercial, com consequente rejeição de modificações por via unilateral e autoritária, nomeadamente por atos como os constantes da RCM n.º 30/2014, que manifestamente não podiam subverter, como subverteram o escopo estatutário - supra, 49 a 53.

  15. A alteração dos estatutos da B…………., como se colhe do seu art 18.º, é regulada pelo CSC, cujo art. 85.º determina os procedimentos essenciais a adotar para o efeito em qualquer sociedade comercial do indicado tipo, ou seja, a deliberação dos acionistas em assembleia geral, nos termos dos arts. 85.º, n.º1, e 373.º, n.º 2, todos do CSC, necessariamente que com observância das regras sobre convocatórias, validade e eficácia das deliberações, previstas nos arts. 377.º e segs. do mesmo Código - supra, 54 a 56.

  16. Acresce que, como prescreve o art 24.º, n.º 4, do CSC, nas sociedades anónimas, os direitos especiais só podem ser atribuídos a categorias de ações e não a categorias de acionistas, pelo que o Estado (através da A………..), detentor da mesma classe de ações de que são titulares o A. e os demais municípios, dispõe apenas dos direitos que a sua posição acionista lhe confere, não se podendo pois arrogar, nas relações societárias, ao exercício de poderes de autoridade, nomeadamente pela imposição aos demais acionistas de alterações estatutárias fora...

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