Acórdão nº 01371/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O Ministério Público intentou no TAF de Braga acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos contra o Município de Felgueiras, indicando como contra-interessado A………………. Visava com esta acção, em concreto, a impugnação dos despachos do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, de 05.05.08, que autorizaram o pagamento ao contra-interessado de € 24.200,00 relativo a despesas judiciais efectuadas no âmbito do Proc. n.º 49/00.3JABRG (Ordem de Pagamento n.º 1817), a correr termos no Tribunal Judicial de Felgueiras.

O TAF de Braga, por sentença de 15.11.13 (fls. 373-78), julgou a acção totalmente procedente (fls. 373-78).

Inconformados, o R. Município de Felgueiras e o contra-interessado A…………… recorreram para o TCAN que, por acórdão de 29.05.14 (fls. 475-97), negou provimento ao recurso, mantendo o decidido na primeira instância.

  1. Inconformado com a decisão proferida pelo TCAN, o contra-interessado interpôs recurso para este STA, nos termos do art. 150.º do CPTA. No referido recurso apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls. 527-38): “1) O presente recurso vem interposto do douto acórdão do TCAN, que confirmou a decisão da 1ª instância, julgando procedente a acção administrativa especial intentada pelo MP por via da qual este veio impugnar, pedindo a anulação, os despachos (?!...

    ) do então Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, datados (?!...

    ) de 05/05/2008, proferidos ao abrigo da alínea o) do nº 1 do artigo 5º e do artigo 21º da Lei nº 29/87, de 30 de Junho, na versão introduzida pela Lei nº 53F/2006, de 29 de Dezembro, que autorizaram o pagamento ao aqui contra-interessado do valor da despesa de 24.200,00€ que o mesmo teve de suportar com a sua defesa no Proc. nº 349/00.3JABRG, em que respondeu por factos praticados no exercício das funções que desempenhou como Vereador da Câmara Municipal de Felgueiras.

    2) De acordo com a causa de pedir da acção esta era justificada por entender, o MP, que o pagamento deveria ter efectuado no final do processo – caso se demonstrasse nele a ausência de dolo ou negligência sendo para isso relevante o desfecho do mesmo para avaliar da ilegalidade ou não do acto impugnado.

    Subjacente à posição assumida pelo MP na acção estava o facto de, apenas em caso de absolvição do contra-interessado ali arguido, deixar de ter fundamento a pretensão de anulação do acto impugnado.

    3) Acontece que, à data em que o aqui recorrente apresentou a sua contestação, já o mesmo havia sido absolvido pelas instâncias (1ª instância e relação de Guimarães pelo crime de que vinha acusado naquele dito processo do "saco azul").

    4) Em 28/05/2012 foi proferido novo acórdão da Relação de Guimarães, no âmbito do famigerado processo do "saco azul", o qual foi amplamente noticiado e difundido pelos mais variados meios da comunicação social, em face de cujo acórdão ficou definitivamente resolvida e decidida a questão das absolvições dos arguidos, como, no caso concreto, do aqui recorrente.

    5) Em face desse novo acórdão da Relação, ficou definitivamente resolvida e decidida a questão das absolvições dos arguidos, como, no caso concreto, do aqui recorrente.

    6) No acórdão recorrido defendeu-se, a respeito da aplicação do artº 21º do EEL – tal como veio sustentado do proferido e 1ª instância, nos termos do qual se afirmou que as referidas despesas relacionadas com a defesa em tal processo só poderiam ser pagas pelo Município de Felgueiras, depois de haver uma sentença transitada em julgado, com o fundamento de que é com este que «se cristaliza a matéria de facto atinente ao elemento subjectivo do tipo de ilícito, que ditará, no processo penal, a prática do crime a título doloso ou negligente» – que o eleito local apenas poderá exigir o pagamento das despesas após a decisão final do processo, porquanto só nessa fase estarão preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do apoio.

    7) Ainda de acordo com a posição defendida na sentença recorrida, «tal factualidade servirá para apreciar, no procedimento administrativo, o dolo ou negligência dos eleitos». Por isso entende que estando em causa um crime doloso, sempre haverá (no tal, subsequente, procedimento administrativo) que colher da decisão os factos necessários ao preenchimento do pressuposto legal (inexistência de dolo ou negligência na actuação do eleito) para a concessão do apoio.

    8) Por fim, no acórdão recorrido exclui-se a possibilidade do aproveitamento do acto com base na circunstância de o Município actuar no processo em termos concordantes com a defesa da manutenção do acto, «por imposição da defesa da legalidade em abdicação do exercício da competência».

    9) No douto acórdão, no segmento que mais releva para a compreensão do dispositivo, refere-se que eleito local apenas poderá exigir o pagamento das despesas após a decisão final do processo, porquanto só nessa fase estarão preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do apoio, não se demarcando, antes deixando implicitamente admitido que para efeitos de determinação do momento a partir do qual venha a ser aberto procedimento administrativo para aquilatar da existência ou não de dolo ou negligência e de lhe serem pagas as despesas.

    10) A questão que se colocava às instâncias, e que continua a ser a nuclear e primeira para a decisão deste recurso é aquela que em termos simples se pode equacionar da seguinte maneira: a de saber, Se, à luz do disposto na alínea o) do nº l do artº 5º, conjugado com o disposto no artº 21º da Lei nº 29/87, podem ou não os Municípios pagar as despesas com processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, cujos factos neles discutidos estejam relacionados com o exercício das suas funções e por causa delas, antes mesmo de haver decisão transitada em julgado? 11) No douto acórdão, no segmento que mais releva para a compreensão do dispositivo, refere-se que o eleito local apenas poderá exigir o pagamento das despesas após a decisão final do processo, porquanto só nessa fase estarão preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do apoio, não se demarcando, antes deixando implicitamente admitido que para efeitos de determinação do momento a partir do qual venha a ser aberto procedimento administrativo para aquilatar da existência ou não de dolo ou negligência e de lhe serem pagas as despesas. 12) Ao dar enfoque de que apenas com o trânsito da sentença penal se abre a possibilidade a averiguação, em sede de procedimento administrativo para aferir do dolo ou negligência do eleito, continua a parecer-nos que a decisão recorrida está a fazer tábua rasa da presunção de inocência do arguido, nos termos do artº 32º/2 da C Rep Portuguesa, ainda mais que – no caso de existir uma sentença transitada absolutória – a sua inocência já atestada pelo tribunal.

    13) Nos termos do artº 32º, nº 2 da C Rep Portuguesa todo o cidadão se presume inocente até ao trânsito da sentença condenatória.

    14) A presunção de inocência constitui, já nos termos em que vem fundamentado o conhecido Parecer da Procuradoria da República, um argumento caro ao MP, e ao que se vê, também ao tribunal da 1ª instância, já que devendo presumir-se a inocência do arguido, no caso, o eleito local, em processo-crime por ilícito criminal imputado supostamente cometido no exercício e por causa das funções de autarca sem que tenha ainda sido demonstrado o dolo ou culpa grave, não existe fundamento para que lhe não seja prestado o apoio no âmbito desse processo.

    15) Questão, evidentemente, diferente, é o que acontecerá depois, se uma vez demonstrado, através de decisão definitiva, que o arguido (eleito local) cometeu o ilícito, actuando com dolo ou com culpa grave, ou seja, fora de um daqueles pressupostos de que a lei faz depender para o tal apoio, consistente no pagamento da despesa proveniente do processo, que lhe deve ser concedido.

    Em tais casos um só remédio existe: o da obrigação do arguido devolver as importâncias que recebeu a título de apoio no âmbito do tal processo.

    16) Diversamente do afirmado naquele segmento do douto acórdão recorrido, o preceito não encerra a resposta a dar à questão do momento a partir do qual se abre as portas ao procedimento para que as despesas em causa possam ser pagas.

    17) Se tivesse sido esse o ensejo do legislador outra, bem diferente teria sido a redacção dada ao artigo 21º do Estatuto dos Eleitos Locais, em termos que deixasse bem claro que o pagamento só teria lugar após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo judicial em que o eleito local tenha sido parte – e assim não decorre da lei.

    18) O artº 21º ao referir que «Constituem encargos a suportar pelos autarquias respectivas as despesas de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte (...)» – e não em que tenham sido parte – é cristalino no sentido de que esses pagamentos podem ter lugar durante o desenrolar do processo, nomeadamente quando se trata, como acontece no presente caso, de processos de grande complexidade que perduram durante anos. 19) Com a expressão «Constituem encargos a suportar pelas autarquias locais respectivas as despesas provenientes de processos judicias em que os eleitos locais sejam parte», o artigo 21º em conjugação com a alínea o) do nº l do artº 5º da Lei nº 29/87 no qual é reconhecido aos eleitos locais o direito «a apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções» torna claro que, em princípio, esses encargos são das respectivas autarquias locais e que só deixam de sê-lo, quando se provar que houve dolo ou negligência do eleito local.

    20) A dimensão interpretativa da alínea o) do nº 1 do artigo 5º e do artigo 21º do Estatuto dos Eleitos Locais, de acordo com o excurso da douta sentença recorrida, sequer encontra suporte no elemento racional ou teleológico da interpretação de tais normativos.

    21) Tanto mais que o fim...

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