Acórdão nº 0509/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do TAF do Porto, que julgou procedente a reclamação apresentada por “A…………, Lda.”, identificada nos autos, contra o acto de penhora dos bens e determinou a sua anulação.

  1. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta nos termos do disposto no art.° 276° do CPPT, contra os atos de penhora com remoção de bens efetuados em 25-06-2015, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3190201201012258 (adiante designado PEF), contra si instaurado no serviço de finanças do Porto 5.

    1. O Meritíssimo Juiz a quo pela procedência da reclamação com fundamento na violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da justiça e da imparcialidade, em face da obrigação estabelecida para a AT no art. 221º, nºs 2 a 4, do CPPT.

    2. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de direito, porquanto, o regime estabelecido no art. 221º, nºs 2 a 4, do CPPT não consubstancia qualquer obrigação para a AT.

    3. Importa aferir se esse regime de penhora de bens móveis que façam parte do ativo de sujeitos passivos de IVA é de aplicação obrigatória para a AT, ou se, ao invés, estamos perante a atribuição de um poder discricionário à AT.

    4. É por a penhora consistir numa apreensão judicial de bens que importa a transferência da posse dos mesmos para o tribunal, através de um depositário, que, tal qual na execução comum, as normas da execução fiscal determinam que, na penhora de bens móveis, os bens penhorados são efetivamente apreendidos e entregues a um depositário (art. 221º, n.º 1, al. a), do CPPT e art. 764°, n.º 1, do CPC).

    5. Subjacente à intenção de privar o executado do gozo dos bens penhorados, entregando-os a um depositário, não pode deixar de estar o fim a que a penhora se destina — a transmissão posterior dos direitos do executado sobre os bens penhorados, com cujo produto será paga a dívida exequenda.

    6. Ao determinar que a penhora pode ser feita mediante notificação que discrimine os bens penhorados, no caso de bens móveis que integrem o ativo de sujeitos passivos de IVA, o art. 221°, n.º 2, do CPPT, parece estabelecer uma exceção à regra geral da exigência da efetiva apreensão dos bens penhorados, para além de prescindir da elaboração de um auto de penhora.

    7. Proporcionalidade e discricionariedade não são dois polos antagónicos, incompatíveis, na atuação da Administração. Ao invés, o princípio da proporcionalidade impõe-se sempre na atuação da Administração, mesmo quando ela atua no exercício de um poder discricionário.

      I. Quer a estatuição quer a previsão da norma do art. 221°, n.º 2, do CPPT, estão perfeitamente determinadas pelo legislador, não carecendo de qualquer preenchimento valorativo por parte do aplicador. E foi no contexto desta precisão que o legislador intermediou a estatuição e a previsão com a expressão “pode”, em vez de utilizar o “deve”.

    8. Com a utilização do “pode” em vez do “deve” o legislador atribuiu à AT a competência para avaliar no concreto se será de aplicar a consequência prevista na norma, uma vez verificados os respetivos pressupostos, em respeito aos princípios da efetividade da tutela judicial do crédito tributário, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade.

    9. A letra da lei é o ponto de partida do intérprete, o seu limite negativo — no sentido de afastar o sentido interpretativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência. Por outro lado, das duas presunções estabelecidas no n.º 3 do art. 9° do CC resulta que é a interpretação segundo o significado mais natural do texto da lei que corresponde à solução mais acertada para o caso a regular pela norma.

      L. A atribuição do poder discricionário à AT deriva, desde logo, da utilização da expressão “pode”, ao invés da expressão “deve” — caso em que se imporia uma obrigação à AT.

    10. Por outro lado, a interpretação do art. 221°, n.º 2, do CPPT, no sentido de atribuir um poder discricionário à AT, para a realização da penhora de bens de sujeitos passivos de IVA segundo o regime aí fixado, é também a que resulta se nos socorrermos do elemento interpretativo mais importante — a unidade do sistema jurídico.

    11. Com a penhora realizada fica a AT habilitada a iniciar as diligências conducentes à venda dos bens penhorados, para dessa forma satisfazer o pagamento da dívida exequenda, quer esteja em causa um executado sujeito passivo de IVA, quer esteja em causa um não sujeito passivo de IVA — inclusivamente para cumprimento do princípio da igualdade, que seria posto em causa caso os trâmites de execução dependessem da qualidade do executado, sujeito passivo de IVA ou não sujeito passivo de IVA.

    12. Subjacentes à alteração legislativa aqui em causa estarão aquelas situações em que a penhora não é efetuada com vista à venda imediata dos bens. Por exemplo, quando a penhora é efetuada para a constituição de uma garantia, tendo em vista a suspensão da execução fiscal, por estar pendente processo em que se discute a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda.

    13. Esta possibilidade de desvio ao decurso normal do processo, com a realização da penhora segundo o regime do art. 221°, n.º 2, do CPPT, de que decorre a manutenção dos poderes de gozo sobre os bens penhorados na esfera do executado, terá que ser avaliada caso a caso, mediante as particularidades do caso concreto.

      Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento de direito.

  2. Não houve contra-alegações.

  3. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso ser procedente, de acordo com o parecer que se segue: 1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto, que julgou procedente a reclamação apresentada contra o ato de penhora dos bens e determinou a sua anulação.

    Invoca a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do artigo 221°, n° 2, do CPPT.

    Para tanto alega que com a apreensão dos bens e a sua confiança a fiel depositário, o que se visa é a facilidade na sua venda e o pagamento da quantia exequenda.

    E termina pugnando pela revogação da decisão recorrida.

  4. Na sentença recorrida foi dado como assente que na execução fiscal instaurada para cobrança da quantia de € 225.644,78 euros, foi determinada a penhora dos bens existentes em diversas lojas da executada, a qual foi executada com a apreensão de diversos artigos de calçado, aos quais foi atribuído o valor de € 18.168,00 euros, e feita a sua remoção e entrega a fiel depositário.

    O Mmo. juiz “a quo” conheceu de vício de violação de lei por alegada violação do princípio da proporcionalidade, que a executada assaca ao ato de penhora, por ter sido determinada a remoção da mercadoria, o que no seu entendimento obsta à sua venda e prosseguimento da sua atividade comercial, e causa a sua desvalorização comercial, por entretanto ficarem forma de moda e passar a “estação” a que se destinam.

    E apreciando o referido vício, considerou o Mmo. juiz “a quo” que estando previsto no artigo 221° do CPPT uma medida de apreensão menos gravosa, a opção por outra, como a que ocorreu no caso concreto, deve ser fundamentada, sob pena de “uma arbitrariedade inaceitável”. De modo que não tendo a AT aplicado o referido regime, considerou o ato de penhora inquinado de vício de violação de lei e determinou a sua anulação.

  5. A questão que se coloca consiste em saber se a penhora realizada no processo de execução fiscal padece do vício de violação de lei por não ter respeitado o disposto no artigo 221° do CPPT ao ter sido efetuada a...

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