Acórdão nº 0754/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução06 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso JurisdicionalDecisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu .

20 de Abril de 2016.

Julgou procedente a reclamação, por falta de notificação ao mandatário do Reclamante dos atos praticados no dia 1 de Junho de 2012 e no dia 15 de Junho de 2012, referidos nos pontos 23 e 26 do probatório, e, em consequência, anulou o despacho de 17 de Julho de 2012, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de São Pedro do Sul.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública, veio interpôr recurso da sentença supra referida, proferida no processo n.º130/16.7BEVIS de reclamação do acto do órgão de execução fiscal, que A………., deduziu contra o despacho datado de 17 de Julho de 2012, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de São Pedro do Sul, que indeferiu o pedido de anulação do processado desde o dia 30 de Abril de 2012, por incumprimento do dever de notificação ao mandatário nomeado, nos termos do artigo 253.º, n.º 1 do C.P.C., ex vi do artigo 2.º do C.P.P.T., tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2640201101005570, com a consequente anulação do despacho reclamado, no qual se indeferiu o pedido de anulação do processado desde 30.04.2012 com fundamento em falta de suporte legal.

B. O fundamento da procedência da reclamação em referência assenta, em essência, no facto de o decisor ter considerado “…que o representante do reclamante [advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário] foi validamente nomeado para o processo de execução fiscal, independentemente da forma como o pedido [de concessão de apoio judiciário] foi formulado, entendendo o Tribunal “…que o processo de execução fiscal, atenta a sua natureza judicial, é efetivamente o processo principal de onde podem derivar os incidentes previstos nos artigos 151º e 203º e seguintes do CPPT”.

C. Consta, ainda, da decisão recorrida que “…no caso da execução fiscal, estando o patrono nomeado para o processo principal, deve considerar-se também nomeado para os incidentes que daí advenham (cfr. artigo 18º, n.º 4 da Lei de Apoio Judiciário) ”.

D. Em face do que, afirma-se na douta sentença, “…tendo sido nomeado patrono para o processo de execução fiscal, considera-se validamente constituído o mandato”, pelo que, o despacho que recaiu sobre o pedido de dação em pagamento “...deveria ter sido notificado ao mandatário nos termos do art. 253º do CPC”.

E. Conclui a decisão ora sindicada que “…tendo sido omitida esta formalidade legal, considera-se que se verifica a invocada nulidade por falta de notificação do patrono nomeado devendo, nessa conformidade, ser “… anulados os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, nos termos do art. 201º do CPC...”.

F. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do n.º 2 do art. 6º e do n.º 4 do art. 18º e viola também o disposto no art. 17º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29.07.

G. O julgador considerou que a concessão de apoio judiciário para certa finalidade (no caso, a interposição de recurso — oposição à venda de um imóvel - no processo de execução fiscal) é condição adequada e suficiente para se considere que o patrono nomeado nestes termos e para estes efeitos se encontra também nomeado para a totalidade da tramitação processual, devendo, todos os atos nele praticados ser notificados na pessoa do patrono.

H. O objeto do presente recurso consiste em saber se, nas situações em que o executado obtém apoio judiciário para determinado efeito, se deverá considerar que o patrono nomeado nesses termos detém um estatuto equiparável, em âmbito e extensão, ao de um mandatário pleno, ao ponto de se poder considerar que todas as notificações realizadas ou a realizar no PEF tenham de ser feitas na sua pessoa (cfr. art. 247º, anterior art. 254º CPC).

I. A sentença em crise entendeu que sim, o que não se nos afigura normativamente acertado, desde logo porque a lei (n.º 2 do art. 6º, n.º 4 do art. 18º e art. 17º da Lei n.º 34/2004, de 29.07) não admite uma tão abrangente extensão dos efeitos da nomeação do patrono, pelo que, se bem interpretamos os aludidos preceitos na sua aplicação ao PEF, essa concreta e limitada nomeação não é nem condição adequada nem suficiente para que se possa concluir que estamos perante um mandato pleno e amplo, em termos de ser obrigatório que as notificações de todos os atos praticados no decurso da marcha do processo devam ser notificados ao patrono nomeado para interpor, apenas, uma concreta ação judicial.

J. A ideia vertida na sentença de que, no âmbito do PEF, a concessão de apoio judiciário para a interposição de determinada ação deve ignorar e considerar-se desligada do fim para que aquele foi concedido e tem uma abrangência e um âmbito de aplicação total e global, não tem correspondência normativa nas disposições que regulamentam a matéria.

K. A despeito do apoio judiciário não pode deixar de se sublinhar que, nos termos do art. 6º n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29.07, “a proteção jurídica é concedida para questões ou causas judiciais concretas suscetíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados de lesão”.

L. Dispõe, ainda, o n.º 4 do art. 18º do mesmo diploma que “o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”.

M. Arrimando-se nestes preceitos, entendeu o douto Tribunal a quo que o processo de execução fiscal é, todo ele e em si mesmo, uma questão ou causa judicial concreta suscetível de concretização e que o apoio judiciário (concedido para efeitos de ser interposta uma ação concreta conexa com a marcha do PEF) é extensivo a todos os processos que sigam por apenso em que essa concessão se verificar.

N. O desacerto jurídico da decisão decorre, desde logo, da conflitualidade entre este douto entendimento e o preceituado no art. 17º da aludida Lei que estabelece que o apoio judiciário tem um âmbito de aplicação normativamente bem definido, em termos de não se aplicar à entidade administrativa AT, mas sim, para o que aqui releva, em todos os tribunais, qualquer que seja a forma de processo.

O. É apenas em processos judiciais em sentido estrito, tramitados e decididos pelos tribunais, que se coloca a questão do pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, justamente a modalidade de proteção jurídica que foi deferida ao executado.

P. O referido art. 17º encontra-se em absoluta coerência com o disposto no art. 6º n.º 2 e com o art. 18º n.º 4 da mesma Lei e, da sua interpretação conjugada, resulta evidente que o legislador quis efetivamente proteger os economicamente carenciados, em termos de estes não ficarem impedidos ou privados da realização da Justiça (art. 20.º CRP), isto é, de fazer valer os seus direitos junto dos tribunais, justamente os órgãos a quem, nos termos da Lei Fundamental, cabe a realização da Justiça.

Q. Com efeito, afirma a Lei Fundamental - e também o diz a lei ordinária - que o acesso à justiça se realiza através do acesso aos tribunais, ou seja, na possibilidade de, quando certos direitos são lesados ou ameaçados de lesão, ser a situação submetida à apreciação de um Juiz.

R. É essa, e não qualquer outra, a matriz nuclear de proteção judiciária aos mais desfavorecidos.

S. Ao contrário do entendimento sufragado na decisão sob recurso, considerada a Fazenda Pública que, no processo de execução fiscal, esse dever fundamental de proteção aos que não têm recursos se assegura e cumpre na justa medida em que essa proteção estiver em causa, ou seja, sempre e quando o lesado entender dela carecer.

T. Por outras palavras, sempre — e quando — o lesado desfavorecido entender que a regular tramitação do PEF lesa ou está em risco de lesar a sua esfera jurídica, a Lei assegura-lhe a correspondente tutela, designadamente em termos de reagir contra determinado ato processual executivo.

U. Como sabido é, o processo de execução fiscal é um processo judicial, nele se praticando um conjunto de atos subjacentes à sua marcha e tendentes à realização da sua finalidade, atos esses que, na sua globalidade, são hoje praticados pela Autoridade Tributária, sendo que, nas situações em que os visados se não conformam com determinado ato, estão onerados com o dever de os sindicar judicialmente em determinado prazo.

V. Não teria - e a nosso ver não tem - qualquer sentido estar a requerer e a usufruir de apoio judiciário apenas para “acompanhar” o desenvolvimento puramente administrativo da tramitação do PEF, isto é, quando não existe um qualquer ato que se pretenda ver judicialmente apreciado.

W. No âmbito do PEF sentido tem, isso sim, requerer e beneficiar de apoio judiciário para questionar junto do Tribunal a legalidade da atuação da AT ou solicitar a pronúncia do Juiz acerca de todas as questões processualmente pertinentes, sendo precisamente a existência dessa possibilidade que constitui o direito de acesso à Justiça.

X. Discordamos, com efeito, da sentença, na medida em que considerarmos que o PEF não é, todo ele e em si mesmo, uma questão ou causa judicial concreta suscetível de concretização, antes pugnamos a ideia de que, no seu desenvolvimento podem em abstrato colocar-se situações (traduzidas sobretudo na prática de atos, como a instauração, a citação, a penhora, a venda, o indeferimento de pretensões, entre outros) passíveis de poder constituir, elas próprias de per si, questões ou causas judiciais, para as quais pode e deve o apoio...

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