Acórdão nº 0682/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…………….., SA pediu e obteve junto do tribunal arbitral a condenação do Município de Marco de Canaveses a pagar 16 milhões de Euros por utilização de água que lhe tinha fornecido.

O Município de Marco de Canaveses interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) e este Tribunal, por acórdão datado de 31.01.2014, decidiu não admitir o recurso mantendo, assim, a decisão do Presidente do Tribunal Arbitral, de fls. 844 a 850 dos autos (IV volume).

O Município de Marco de Canaveses não concordando com o acórdão proferido pelo TCAN, recorreu desta decisão para a Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando para o efeito alegações com as seguintes conclusões:

  1. No decorrer do julgamento arbitral, e por via de uma prova pericial requerida, veio a lume e ficou provado que, afinal, o Contrato de concessão tinha (para além das muitas cláusulas diferentes do disposto no Caderno de Encargos, com benefício para a adjudicatária), contida num dos múltiplos anexos, a previsão de receitas da concessionária incrementada em mais 112 Milhões de euros (+37%) relativamente à proposta do concurso e adjudicada, e de mais 50% dos lucros líquidos previstos da adjudicatária, e um aumento da TIR acionista em mais 13,7 %, etc., etc. (aumentos de evolução da população quanto ao estimado, aumentos de consumos, etc); B) E que tal Anexo, o XV (“caso base”), ficou convertido em parte integrante do contrato de concessão, e por isso esses dados, que trazia, arvorados depois em critério para aferir (nomeadamente, o nível de receitas, os “lucros líquidos” e a TIR acionista) da necessidade e medida de futuros “processos de reequilíbrio financeiro” do contrato, pedidos pela concessionária e a suportar pelo concedente; C) E ainda que, tal anexo, e tais números, foram preparados pela então adjudicatária, e enviados por esta e pela sua consultora ………… diretamente para os serviços da câmara (tendo a “notária da câmara” apenas o 12° ano), para serem juntos à escritura, sendo certo que ninguém por parte da câmara analisou esse documento intitulado Caso Base, aliás com inúmeros quadros reduzidos em 125 páginas A4, de nem sempre fácil leitura, em letra muito minúscula; e sendo certo também que nunca, nem a Comissão de Concurso, nem o IRAR, nem juristas da câmara analisaram ou tiveram conhecimento daquelas alterações acima referidas. (factos todos estes dados por provados).

  2. Em Parecer que analisou esta questão, o Professor SÉRVULO CORREIA concluiu ser o contrato inapelavelmente nulo, e com invalidade insanada - por violação absoluta do princípio do concurso público, imposto, sob pena de nulidade, nos art.s 10º/1 e 17° do DL 379/93, e por falta objetiva do fim público nas alterações efetuadas (art.133°/1 ex vi de 185°/3 do CPA); da mesma forma, o Professor VIEIRA DE ANDRADE, analisando somente a questões a partir do prisma de uma “falta de conhecimento efetivo”, e da “falta de preparação técnica”, por parte dos titulares e serviços da câmara, de tais profundas alterações introduzidas no contrato/anexos do contrato, e suas implicações económicas, concluiu também dever-se aplicar ao caso a doutrina do art.287.° n° 1 do Código Civil (invalidade, invocável no prazo de um ano a contar da cessação do vício que lhe serve de fundamento) e do n° 2 do mesmo artigo (invalidade do negócio invocável a qualquer altura, enquanto o negócio não estiver cumprido). [(32. A páginas 45 a 47: que «o artigo 185.º, n.° 2 do CPA (tal como agora o artigo 284. n.º 3, do CCP) manda aplicar à falta e vícios de vontade o regime do Código Civil, nos termos do qual se confere aos interessados legitimidade para arguir a anulabilidade durante o prazo de um ano a contar da cessação do vício que lhe serve de fundamento ou, a qualquer altura, enquanto o negócio não estiver cumprido (artigo 287.º, n.°s 1 e 2 do CC)» (...) «É, por isso, forçoso concluir que a lei também estabeleceu a invalidade em causa a favor dos utentes, de modo que os vícios da vontade administrativa que afetem, além do interesse público geral, os direitos e interesses de particulares — pelo menos estes — devam considerar-se ilegalidades insanáveis decurso do tempo.)].

  3. O tribunal arbitral (com um forte voto contra, do Prof. Pacheco de Amorim, afirmando, sobretudo por causa dos factos novos que se descobriram em audiência e confirmados e desenvolvidos por via da prova pericial, ser o contrato absolutamente nulo, iníquo e afrontador de um Estado de Direito) entendeu, apesar disso, não ser de declarar a invalidade do contrato! F) E depois disso, decidiu, sozinho, o Exm.° Presidente, que a sua decisão não poderia ser revista e recorrida, porque as partes, segundo a cláusula compromissória do contrato, e acordo antes de julgamento, “teriam renunciado” ao recurso de mérito, mesmo (não sendo estas de forma “expressa”, digamos) sobre questões de legalidade/ Nulidade (e mesmo sobre questões de descoberta nova, posterior, de nulidades ou invalidades até aí desconhecidas e ocultas, digamos também). Por isso, decidiu indeferir o recurso, deduzido pela Autarquia — e restrito à questão da “nulidade/invalidade (insanada)” do contrato, e em especial de várias das suas cláusulas, e do seu Anexo XV “Caso Base”; G) O Acórdão do TCA-N entendeu dever confirmar este despacho de não admissão do recurso, pois: (i) não são (hoje) ilegítimas as “renúncias tácitas”, ou implícitas, por parte da pessoa coletiva pública, a recursos de futuras decisões arbitrais — e por isso deverá entender-se mesmo que houve renúncia válida; (ii) e não são (atualmente) ilegítimas as “renúncias” antecipadas ao direito (constitucional) de recorrer, por parte da Administração pública, de tais decisões arbitrais, a uma “instância” estadual, mesmo quando estas tenham decidido sobre a “legalidade/invalidade do contrato administrativo. Como no caso presente, em que apenas dois árbitros julgaram - contra a posição, em voto fortíssimo e extenso, do árbitro Prof. Doutor Pacheco de Amorim — ser válido o contrato e cláusulas arguidos de nulos].

  4. Só que, em 1° lugar, e apoiando-se em parecer dado em 2013, não distingue absolutamente o que seria o direito e a lei aplicável antes (e a doutrina) por altura do contrato (2002/2004), ou instauração do litígio (2008). Sendo certo que a própria Lei 63/2011 (que aprovou a nova LAV), no seu art.40.º n.°3, manda que nos litígios com convenções arbitrais anteriores, se continue a reconhecer o “direito aos recursos” que caberiam antes da sentença arbitral.

  5. E a doutrina que escreveu sobre arbitragem administrativa, ou é silente sobre a questão da possibilidade de renúncia pela Administração ao direito de recorrer de futuras decisões arbitrais sobre “validade” do contrato ou outras questões de “ordem pública” — mas não se podendo entender tal silêncio como a admissão de um tal poder de renúncia (Cfr. as posições de Marcello Caetano, de Freitas do Amaral e Sérvulo Correia, acima citadas e transcritas), J) Ou precisamente nega e negava tal hipótese. Assim, Pedro Gonçalves em A Concessão de Serviços Públicos, Coimbra, 1999, p. 370: sublinha que a matéria da “validade contratual” transcende de certo modo as partes, é de “ordem pública”, não podendo valer um definitivo impedimento dos recursos “Tendo em conta o art. 186° do CPA (...) parece dever entender-se que a convenção de arbitragem pode “atribuir” ao tribunal arbitral competência para julgar da validade do contrato (ou de alguma das suas cláusulas). Porém, parece-nos já inaceitável que, nessa matéria, a convenção de arbitragem exclua o recurso da decisão arbitral (...) Ou seja, a questão da validade do contrato poderá ser objeto de uma decisão arbitral, sendo esse o resultado de se tratar de uma questão que, nos termos da lei, pode ser objeto de acordo entre as partes, mas, por se tratar também de uma questão de ordem pública parece-nos que (pelo menos) a “parte Administração” não pode renunciar ao direito de a ver resolvida por um tribunal do Estado” (op. cit, pp. 370; sublinhados nossos) K) E assim também, os demais Autores em publicações a seguir. LUÍS CABRAL DE MONCADA («Modelos alternativos de justiça; a arbitragem no direito administrativo», em O DIREITO, Ano 142.° (2010), III, pág. 191: «De acordo como n.°1 do artigo 181.° do CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da lei sobre a arbitragem voluntária. No entanto, deve entender-se que as normas especiais sobre a disciplina da arbitragem no âmbito administrativo prevalecem sempre sobre as normas da LAV. Com efeito a lei especial prevalece sempre sobre a geral. (...) Da sentença arbitral há recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 186.° do CPTA. O tribunal ad quem é o Tribunal Central Administrativo (TCA). Só não há recurso se as partes convencionaram que o tribunal arbitral decidisse segundo a equidade, pois os tribunais de recurso apenas conhecem do direito.» L) E reforça depois, mais à frente, esta conclusão (p. 494): «Da sentença do tribunal arbitral há sempre recurso para o TCA, a não ser que as partes tenham convencionado que o mesmo tribunal julga segundo a equidade” (destaques nossos) M) E ISABEL CELESTE FONSECA (A Arbitragem Administrativa: Uma realidade com futuro? in A Arbitragem Administrativa e Tributária: Problemas e Desafios, Coimbra, 2011, pp. 79 e 80 donde sublinhamos os seguintes passos: «…quanto à questão do duplo grau de jurisdição, pensamos que, não obstante a Constituição não exigir a consagração de um sistema que permita recursos sem limites, parece legítimo afirmar que o direito de acesso aos tribunais inclui, em princípio, a garantia fundamental de recorrer de uma decisão jurisdicional, o que nos leva a dizer que, em princípio, nem todas as soluções gizadas pelo legislador a este propósito devam ser constitucionalmente válidas, pois elas têm que ser razoáveis, justificadas e proporcionais. É neste sentido que consideramos de duvidosa...

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