Acórdão nº 01292/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução16 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A………… e B…………, com os demais sinais dos autos, dirigiram ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), recurso do acórdão proferido na sequência de pedido de pronúncia arbitral no processo nº 107/2014-T do CAAD, que teve por objecto o acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2010 e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 1.072.733,80.

Invocam, para o efeito, a oposição desse acórdão arbitral com os acórdãos proferidos pela 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 4/12/2013 e de 8/01/2014, proferidos nos recursos com os nsº 01582/13 e nº 1078/12, respectivamente, e rematam as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: I. A decisão arbitral de que ora se recorre foi notificada aos Recorrentes em 03/10/2014, pelo que o recurso é tempestivo uma vez que deveria ter sido apresentado no prazo de 30 dias a contar de tal notificação (Cfr. nº 3 do artigo 25.º do RJAT, e nº 1 do artigo 152.º do CPTA); II. A decisão arbitral recorrida entendeu que “o regime legal da tributação em IRS das mais-valias resultante da alteração àquele Código introduzidas pela Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho, teve em vista a sujeição ao novo regime da totalidade das mais-valias auferidas no exercício de 2010, e que tal comando legislativo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, nem é afastado por qualquer outra norma legal que com ela se encontre numa relação de antinomia”; III. O douto acórdão da 2ª Secção do STA de 04/12/2013 tirado no âmbito do processo n.º 1582/13 e o douto acórdão da 2ª Secção do STA de 08/01/2014 tirado no âmbito do processo n.º 01078/12 decidiram a mesma questão fundamental de direito em sentido precisamente oposto.

  1. Não há qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência emitido pelo STA nem é conhecida qualquer jurisprudência desse mesmo supremo areópago que abone no sentido da decisão recorrida.

  2. O presente recurso deve ser admitido porque se encontram verificados os respectivos pressupostos.

  3. As mais-valias produzidas antes de 27/07/2010, com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses, continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no n.º 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho.

  4. E como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS.

  5. A decisão recorrida violou do n.º 2 do artigo 12.º da LGT, conjugado com o artigo 5.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

  6. Consequentemente deve ser revogada e substituída por outra que dê procedência ao pedido de pronúncia arbitral e determine a anulação das liquidações impugnadas, ordenando a restituição aos recorrentes dos montantes por eles pagos, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

  7. Deve ser mantida a jurisprudência do STA constante dos acórdãos da 2ª Secção do STA: (a) de 04/12/2013 tirado no âmbito do processo n.º 1582/13; (b) e de 08/01/2014 tirado no âmbito do processo n.º 01078/12.

    Sem conceder: XI. Mesmo que assim não se entenda, a interpretação da norma da Lei n.º 15/2010 que revogou o n.º 2 do artigo 10º do CIRS no sentido de que tal revogação atingiria as mais-valias em acções obtidas antes da sua entrada em vigor, sempre seria inconstitucional por manifesta violação do princípio da confiança estipulado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

  8. O que igualmente determinaria a procedência da acção e anulação das liquidações impugnadas. Como é de inteira JUSTIÇA! 1.2.

    A Autoridade Tributária apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma: I. A decisão que ora se pede, importando no conceito de facto gerador do imposto, culmina na questão de saber se as mais-valias obtidas no ano de 2010, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do IRS pela Lei nº 15/2010, de 02 de julho, ou seja, antes de 27/07/2010, concorrem ou não para o saldo a que alude o artigo 43º do mesmo Código.

  9. O legislador da Reforma da Tributação do Rendimento, operada em 1989, adoptou o conceito de rendimento para efeitos de tributação que melhor expressasse o índice da capacidade dos seus titulares de pagar imposto, considerando como rendimento para efeitos de IRS todo o fluxo de carácter patrimonial que de forma evidente revelasse adequadamente a capacidade de pagar imposto por parte dos seus detentores.

  10. No entanto, muito embora tenha adotado esta conceção de rendimento para efeitos de tributação, o legislador não deixou de evidenciar algum desvio a este princípio. A título de exemplo, tomemos o facto de, nomeadamente, consagrar no citado artigo 10º do Código do IRS, uma exclusão da tributação das mais-valias mobiliárias, em determinadas condições.

  11. Esta situação de exclusão das mais-valias provenientes da alienação de ações vinha sendo, no entanto, desde há muito, e por muitos, criticada, nomeadamente, no que ela atenta contra os princípios de igualdade tributária e de equidade do próprio sistema de tributação do rendimento, designadamente e a este propósito Xavier de Basto in obra supra citada.

  12. Efectivamente, tal exclusão de tributação veio a ser revogada com a aprovação da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho. O legislador de 2010, ao não consagrar nenhuma norma de direito transitório que salvaguardasse a tributação de factos tributários em formação, quis, expressamente, que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010, das quais resultasse um saldo positivo, fossem sujeitas a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização.

  13. O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico de carácter anual.

  14. E, como vem sendo defendido pela generalidade da doutrina, o facto gerador do imposto verifica-se em 31 de Dezembro de cada ano, só assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento, muito embora haja um recorte analítico das várias categorias de rendimentos de acordo com a sua fonte.

  15. Na verdade, o facto gerador não é sequer o ganho resultante da alienação mas, sim, o saldo positivo apurado em determinado período de tributação entre as mais e as menos valias realizadas.

  16. Com o devido respeito, defender que o facto gerador seja a alienação das acções que deram origem às mais-valias tributadas, além de desvirtuar o carácter anual do imposto é, salvo o devido respeito, atentar contra o seu carácter unitário, princípio básico e estruturante da Reforma da Tributação do Rendimento levada a cabo pelo legislador em 1989.

  17. A norma em apreço, e de cuja aplicação aqui se cuida, traduziu-se, tão só, na revogação da exclusão da tributação de que beneficiava a alienação de acções detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses.

  18. A este propósito, Manuel Faustino, in obra citada, “(...) a norma que dispõe que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias” não pode deixar de ser qualificada como uma norma de desenvolvimento das regras de determinação da matéria colectável, que não tenham natureza meramente procedimental, específicas para cada tipo de mais-valias que se inscrevem no correspondente capítulo do Código do IRS. E ainda, devendo igualmente merecer a mesma qualificação, tem de relevar-se a norma que, excepcionando a estanquicidade do princípio da anualidade do imposto, permite o reporte de perdas verificadas em anos anteriores a resultados positivos obtidos no ano e que, no momento da liquidação, podem anular o saldo positivo obtido no ano em causa.”.

  19. Donde, resulta claro que a liquidação impugnada não viola o nº 2 do art. 12º da LGT, porquanto a administração tributária não aplicou a Lei 15/2010, de 26 de Julho, a um facto decorrido antes da sua entrada em vigor, mas sim, a um facto tributário — o saldo positivo apurado para aquele ano de 2010 — facto que ocorre já depois da sua entrada em vigor, a 31 de Dezembro.

  20. O facto tributário não foi gerado no momento do ganho das mais-valias, o que resulta, quer atendamos à anualidade do imposto, quer à formação do rendimento a tributar.

  21. O valor dos rendimentos sujeitos a mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme dispõe o art. 43º do código do IRS, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação.

  22. A revogação da disposição normativa em análise, que excluía do rendimento as mais-valias auferidas com a alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, aplica-se às mais/menos valias ocorridas durante todo o ano de 2010.

  23. O que é consonante com a aplicação, ao ano completo, das novas taxas de IRS aprovadas pela Lei nº 11/2010, de 15 de Junho, com entrada em vigor a 16 de Junho, e a Lei nº 12/2010, de 30 de Junho, com entrada em vigor a 01 de Julho.

  24. Da mesma forma, o IRS é um imposto anual em que se tributa o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano, pelo que o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro.

  25. Confiram-se ainda o nº 4 do art. 45º e o nº 1 do art. 48º da Lei Geral Tributária que estabelecem que os prazos de caducidade e prescrição de dívidas fiscais nos impostos periódicos, como é o caso do IRS, contam-se a partir do fim do ano em que se verificou o facto tributário, que o mesmo é dizer que cada facto gerador de rendimento individualmente considerado - como o recebimento de um salário ou a emissão de um recibo de honorários - não é por si só considerado um facto tributário autónomo, atento o carácter anual do imposto XIX. Interpretação diversa viola o princípio constitucional da igualdade, ínsito no art. 13º da CRP e bem assim o nº 1 do...

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