Acórdão nº 0517/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA, devidamente identificado nos autos, inconformado com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCA/N], datado de 31.05.2013, que julgou parcialmente procedente a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual contra si instaurada por “D…………….., SA” [«D….., SA»] e o condenou a pagar a esta “quantia a liquidar em incidente de liquidação relativa ao valor do prédio demolido”, veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do art. 152.º do CPTA, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 661 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “… Ilicitude 1) O Acórdão recorrido do TCAN encontra-se em contradição com os Acórdãos deste Supremo Tribunal proferidos em 18 de novembro de 1999, no recurso n.º 44119, em … 24 de março de 2004 no processo n.º 01690/02 e em 08 de janeiro de 2009 no processo 0633/08 sobre a interpretação do artigo 6.º do DL 48051, de 21 de novembro de 1967, relativamente ao conceito de ilicitude relevante para efeitos indemnizatórios.

2) O acórdão recorrido considerou que foi praticado um ato ilícito que violou o direito de propriedade da autora uma vez que a ordem de demolição se fundou numa vistoria prévia para a qual aquela não foi convocada e que, por causa disso, não esteve presente, em violação do artigo 90.º do RJUE.

3) O acórdão fundamento de 18 de novembro de 1999 propugna que só existe obrigação de indemnizar se a lesão se situa no círculo de interesses protegidos pela norma violada pelo ato administrativo declarado nulo ou anulado.

4) O acórdão de 24 de março de 2004 defende que para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha violado uma norma que proteja o direito ou interesse que o particular pretende ver satisfeito.

5) E o acórdão de 08 de janeiro de 2009 tem como postulado que se o direito de edificação inexiste como elemento integrador do direito de propriedade também dele não faz parte o direito de manter o edificado nas condições em que o proprietário quiser e na forma que quiser visto que tais edificações têm de respeitar as exigências legais a elas referentes, desde logo as relacionadas com a sua segurança e salubridade, concluindo que a ordem de demolição de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas e o seu procedimento não consubstancia um ataque ao conteúdo do direito de propriedade uma vez que não privou as Recorrentes do direito de propriedade sobre a parte do prédio que restou da demolição nem do terreno onde o mesmo se encontrava implantado, apenas impediu que o uso e fruição que as Recorrentes davam ao seu prédio pudesse constituir perigo para terceiros.

6) Deste modo, o Acórdão recorrido ao considerar que a ordem de demolição por se basear numa vistoria prévia para a qual a recorrida não foi convocada e que, por causa disso, não esteve presente, é um ato ilícito por violação do direito de propriedade, por violação do artigo 90.º do RJUE, está em contradição com os Acórdãos fundamento supra identificados e, por se tratar de uma questão de direito relevante para o preenchimento do requisito da ilicitude, deve o presente recurso ser admitido.

7) Devendo prevalecer a posição dos Acórdãos fundamento de 18/11/1999 e de 24/03/2004 e de muita outra jurisprudência deste Supremo Tribunal e, inclusive, do Tribunal Central Administrativo Norte, bem como da doutrina, de que a verificação do requisito da ilicitude exige que a ilegalidade se traduza na violação de direitos subjetivos do lesado ou, pelo menos, de interesses cuja proteção a norma violada se destina a proteger, não sendo suficiente a violação de preceitos jurídicos para haver responsabilidade.

8) Ora, não sendo o fim das normas violadas - artigos 89.º e 90.º do RJUE - o direito de propriedade do aqui lesado mas a garantia da segurança e salubridade das edificações e a saúde pública e a segurança das pessoas, não se verifica a necessária «conexão de ilicitude» (referida pelo Sr. Professor Gomes Canotilho) entre as normas violadas e a posição jurídica do lesado.

9) Por isso, o Acórdão recorrido decidiu em contradição com a jurisprudência plasmada nos Acórdãos fundamento que na interpretação do artigo 6.º do DL 48051, opta por um conceito de ilicitude relevante mais restrito e, em consequência, pela inexistência de responsabilidade civil quando os interesses que os particulares pretendem ver tutelados não estão abrangidos nos valores protegidos pelas normas violadas.

10) Jurisprudência esta que deve prevalecer por ser a adotada por grande parte da recente jurisprudência e doutrina bem como por ser a mais adequada à defesa dos interesses público e privado.

Culpa do lesado 11) O Acórdão recorrido do TCAN encontra-se em contradição com os Acórdãos de 08 de setembro de 2011, proferido no processo 0858/10, e de 15 de dezembro de 2004, proferido no processo 0992/04, relativamente à exclusão ou diminuição da indemnização por culpa do lesado.

12) O Acórdão recorrido concluindo de modo oposto ao da sentença de 1.ª instância, sem tentar abalar o decidido naquela ia instância, termina por considerar que não ficou demonstrado que existia um meio contencioso de impedir a produção dos danos e a provável procedência desse meio, concretamente a ocorrência de prejuízos de difícil reparação, muito embora a autora não tivesse usado nenhum dos meios ao seu dispor para tentar impedir a concretização da demolição.

13) O Acórdão fundamento de 08 de setembro de 2011 defende que o «direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual da Administração por facto ilícito e culposo só surge na esfera jurídica do lesado se a este não for imputável a produção dos danos cujo ressarcimento é pedido e o lesado não verá ressarcidos os danos a que, por incúria ou negligência, deu causa designadamente aqueles que se tenham ficado a dever à não utilização (ou à deficiente utilização) dos meios processuais postos à sua disposição para defesa dos seus direitos, isto é, dos danos para cuja produção ele próprio contribuiu».

14) O Acórdão fundamento de 15 de dezembro de 2004 defende a mesma doutrina de que a segunda parte do artigo 7º do DL 48.051 tem a ver com a interrupção do nexo de causalidade e/ou a culpa do lesado na produção do dano, pretendendo limitar a extensão ou âmbito da indemnização, quando haja uma corresponsabilização do administrado na produção do dano.

15) Acrescentando que terá, por isso, o Tribunal que proceder a uma apreciação concreta e rigorosa dos factos alegados pelas partes, a fim de estabelecer, caso a caso, se a interposição de recurso e uma diligente conduta processual, nela se incluindo a utilização dos demais meios processuais, os evitaria, ou seja, a existência de um nexo de causalidade entre a falta de interposição de recurso e a ocorrência dos danos alegados.

16) O entendimento do Acórdão recorrido na interpretação da 2ª parte do artigo 7º do DL 48051 que não exige o uso dos meios processuais para evitar os danos bastando-se pela necessidade de ser demonstrado (por quem?) a procedência/improcedência de um dos eventuais meios está em contradição com a interpretação perfilhada pelos Acórdãos fundamento (e outros deste Supremo Tribunal), que interpretam aquela 2ª parte do mencionado artigo 7º no sentido de que o interessado está obrigado a diligenciar no sentido de tentar impedir que os danos se produzam, pelo que deve o presente recurso ser admitido.

17) Ora, no presente caso deve prevalecer a posição dos Acórdãos fundamento pois que a autora teve possibilidade de, em tempo útil, impugnar a ordem de demolição, apontar-lhe os vícios que agora veio alegar, e não o fez.

18) A autora ao não usar os meios legais ao seu dispor, ao não alertar a entidade demandada das ilegalidades que entendia existir, abrindo a possibilidade a uma nova ponderação da decisão tomada, tendo intervido depois de ter conhecimento da ordem de demolição, apenas por questões de oportunidade, não assacando qualquer das ilegalidades agora alegadas, contribuiu para a produção dos danos, uma vez que não adotou a conduta adequada à proteção dos seus interesses, permitindo que a ordem de demolição se consolidasse na ordem jurídica, aliás, como bem refere a sentença de 1.ª instância, que seguiu de perto a jurisprudência plasmada no Acórdão fundamento de 08 de setembro de 2011.

19) Sendo certo que, a anulação da ordem de demolição eliminaria os danos que a autora diz ter tido e a mera apresentação do pedido de suspensão de eficácia, suspenderia de imediato os efeitos da ordem de demolição, nos termos do artigo 80º da LPTA, impedindo a sua concretização e permitindo à entidade demandada uma nova ponderação e avaliação da sua decisão.

20) Assim, a autora teve oportunidade de evitar a concretização da demolição e consequentes danos e nada fez pelo que, em consonância com a jurisprudência constante dos Acórdãos fundamento, contribuiu para a produção dos danos alegados e, nesse sentido, é motivo senão de exclusão, pelo menos, de diminuição da indemnização.

21) Devendo ser este entendimento sobre a 2ª parte do artigo 7º do DL 48051, que obriga a que o interessado diligencie no sentido de tentar impedir que os danos se produzam que deve prevalecer, por ser mais consentâneo com o princípio da responsabilização das entidades públicas na prossecução das suas competências e na salvaguarda do interesse público …”.

1.2.

Devidamente notificada a A., aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 703 e segs.

], sintetizando as mesmas nos termos do quadro conclusivo seguinte: “… I. O presente recurso é inadmissível, por falta de verificação dos pressupostos específicos do art. 152.º/1 do CPTA.

  1. ...

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