Acórdão nº 01096/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 707/13.2BECBR 1. RELATÓRIO 1.1 O Ministério Público e a Fazenda Pública (adiante Recorrentes) recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A………… (adiante Impugnante ou Recorrido), anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que a este foi efectuada relativamente ao ano de 2012 na parte respeitante a 50% do rendimento proveniente das mais-valias resultantes da transmissão da participação social que detinha numa sociedade com o fundamento de que a Administração tributária (AT) considerou erradamente que, para haver lugar à redução da tributação daquele rendimento ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), não bastava que a sociedade cuja quota foi alienada fosse uma micro ou pequena empresa, sendo também necessário que essa qualidade estivesse certificada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), sendo com fundamento na falta dessa certificação que desconsiderou a redução da tributação.
1.2 Os recursos foram admitidos, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1.2.1 O Ministério Público apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1. O impugnante vendeu a sua participação social na sociedade comercial “B…………, Lda.”, realizando mais-valias, venda essa ocorrida em 2012.
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Em sede de tributação de mais-valias em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares vigora o preceituado nos artigos 10.º n.º 1 b), 43.º n.ºs 1, 3 e 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
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O impugnante apenas obteve a certificação da sociedade comercial como PME em 2013, apenas podendo ser usada tal declaração a partir dessa data.
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Pretende o impugnante que a tributação seja reduzida a 50%, uma vez que a empresa tinha menos de 50 trabalhadores e a facturação foi inferior a 2.000.000 € no ano da alienação.
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Tal pretensão foi atendida na decisão recorrida, por se ter entendido que basta a empresa reunir os requisitos previstos no artigo 2.º, do Anexo do DL 372/2007, não sendo necessária a certificação prevista no articulado do referido diploma legal.
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Todavia, quer no Preâmbulo do citado diploma, quer no seu articulado, prevê-se a necessidade da certificação para comprovar o estatuto de: PME, quer perante a Administração, quer perante o público em geral (artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º).
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O Anexo reproduz o Anexo constante da Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, Anexo que se destinou à «Definição de micro, pequena e médias empresas adoptada pela Comissão», ou seja, onde são descritos os elementos a atender para que a empresa possa obter essa qualificação, optando o legislador nacional por aproveitar tais definições e fazer no texto do diploma os requisitos para as sociedades comerciais poderem beneficiar desse estatuto.
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A assim não ser não se justifica a certificação, certificação essa que permite à entidade certificada poder usar a mesma perante qualquer entidade, sem necessidade de exibir a contabilidade e demais elementos necessários, como seja o comprovativo do número de trabalhadores.
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Em face disso a decisão recorrida, ao dispensar a certificação como elemento necessário para a obtenção do estatuto de PME violou o disposto nos artigos 10.º n.º 1 b), 43.º n.ºs 1, 3 e 4, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º, do DL 372/2007, na redacção introduzida pelo DL 143/2009.
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Deve, assim, a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação, por ser essa a interpretação que se mostra mais correcta, atento o preceituado no artigo 9.º, do Código Civil, e, ainda, à unidade do ordenamento jurídico.
Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, far-se-á JUSTIÇA!».
1.2.2 A Fazenda Pública apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.
): «A- O impugnante e a esposa alienaram no ano de 2012, as participações sociais que detinham na sociedade comercial “B…………, Lda.”; B- Apenas em 2013, obteve a sociedade, a certificação como PME, por ter sido requerida só nesse ano; C- Pretende o impugnante que a tributação da mais valia obtida com a alienação das referidas participações, seja reduzida a 50%, conforme dispõe o art. 43.º do CIRS (n.ºs 3 e 4), considerando que a sociedade em causa se enquadrava no conceito de “Micro e Pequenas Empresas”.
D- Tal pretensão foi atendida na decisão recorrida, por se ter entendido que basta a empresa reunir os requisitos previstos no artigo 2.º do Anexo que faz parte integrante do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro, não sendo necessária a certificação prevista no articulado do diploma.
E- Ora, ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso, incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
F- Em concretização da Recomendação n.º 2003/361/CE, foi publicado o Decreto-Lei n.º 372/2007, que definiu o procedimento de certificação, contendo o seu anexo os critérios e requisitos materiais para aferir da natureza das PME.
G- Quer no preâmbulo do citado diploma, quer no seu articulado, prevê-se a necessidade de certificação para comprovar o estatuto de PME, quer perante a Administração, quer perante o público em geral (artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º).
H- Da conjugação do art. 43.º do CIRS com o Decreto-Lei n.º 372/2007 resulta que o legislador estabeleceu as regras destinadas a uniformizar, de forma objectiva, os critérios a que as empresas devem recorrer para ver reconhecido o estatuto de PME, sem necessidade de que a todo o tempo tivessem de exibir a contabilidade, sempre que tal reconhecimento lhe fosse pretendido.
I- O n.º 1 do art. 11.º da LGT, impõe que na determinação do sentido das normas fiscais, sejam observados as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, designadamente aqueles que estão vertidos no art. 9.º do Código Civil.
J- Na interpretação das normas jurídicas, o texto é o ponto de partida da interpretação, mas há que olhar ao elemento racional ou teleológico, ou seja, a razão de ser da lei (ratio legis), o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, assim como ao elemento sistemático, compreendendo este a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto de lei) e ainda à “unidade do sistema jurídico”. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, este é sem dúvida o mais importante (Neste sentido v. J. BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao discurso legitimador”, Almedina, Coimbra, pp. 182 a 192).
K- Considerar que, pelo facto de não estar expressamente referida a certificação no art. 43.º n.º 4 do CIRS que ela não é necessária, bastando-se apenas a mera definição do anexo ao Decreto-Lei, é uma forma de interpretação apenas literal e restritiva, sem olhar a outros elementos interpretativos, nem tão pouco à unidade do sistema jurídico, até porque o Anexo faz parte integrante do Decreto-Lei.
L- O intérprete não deve cingir-se à letra da lei fiscal, mas reconstituir aqui também, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (Cfr. SÉRGIO VASQUES, in “Manual do Direito Fiscal”, Almedina, 2012, p. 307).
M- Além de que, do modelo de impresso (anexo G) aprovado pela Portaria n.º 421/2012. de 21 de Dezembro, apresentado pelo impugnante e esposa, relativa ao ano de 2012, consta: “QUADRO 8A - ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS Destina-se a identificar os campos do quadro 8 onde foram inscritos os valores relativos à alienação onerosa de partes sociais de micro ou pequenas empresas, definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2004 de 6 de Novembro, e certificadas como tal pelo IAPMEI, I.P., não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores. Estas empresas devem ser identificadas através do NIPC, sendo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias considerando em 50% do seu valor, como dispõe o n.º 3 do art. 43.º do Código do IRS. Considera-se pequena empresa a que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros. Microempresa é aquela que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.
N- A Portaria é um regulamento administrativo do Governo, não carece de intervenção presidencial, mas deve ser publicada no Diário da República (art. 119.º n.º 1 h) da CRP).
O- A referida Portaria n.º 421/2012, foi emanada na sequência do disposto do n.º 1 do art. 144.º do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, que dispõe: “1- O âmbito de obrigatoriedade, os suportes e os procedimentos relativos à utilização de modelos oficiais para cumprimento de obrigações acessórias, bem como o respectivo início de vigência, são definidos por portaria do Ministro das Finanças”.
P- Embora as portarias não sejam actos legislativos, visam regulamentar a lei, devendo indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art. 112.º n.º 7 da CRP).
Q- Nos termos do art. 199.º alínea c), da CRP, compete ao Governo, no exercício de...
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