Acórdão nº 01028/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A…………….., Lda (A…………..), identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 19.06.15 (fls. 318 e ss), que confirmou a sentença do TAF do Viseu, de 09.04.15 (fls 269 e ss), a qual julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela Autora, ora Recorrente, A…………, contra o Réu, ora Recorrido, Município de Viseu. Invoca para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.1.

A recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls 354 e ss): “1ª – O Recurso de Revista deve ser admitido quando, cumulativamente (i) tenha como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, e (ii) quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou social que revista importância fundamental ou, ainda, quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. – Nos presentes autos, ao ter considerado desproporcionado excluir uma proposta que não contenha a assinatura electrónica em todos e cada um dos documentos da proposta; e ao ter considerado válida a assinatura manual aposta em todos e cada um dos documentos assinados e entregue com a proposta, considerando que isto corresponde à vontade negocial da contra-interessada, e que, por isso, tal formalidade se degrada em formalidade não essencial, o Acórdão ora recorrido violou a lei substantiva e nomeadamente os artigos 62º, n.ºs 1 e 4 do CCP, 11º, n.º 1 do decreto-Lei n.º 143-A/2008 e 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008, bem como os princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.

  2. – O Acórdão recorrido olvidou, por completo, que a assinatura aposta em cada um dos documentos que instruíram a proposta da contra-interessada B…………., Lda. era manual, desconsiderando também qual o tipo de assinatura eletrónica que ao caso teria aplicação: se a eletrónica avançada ou a eletrónica qualificada.

  3. – Esta questão reveste a maior relevância jurídica, pois exige a fixação de jurisprudência sobre a essencialidade da exigência constante dos artigos 62º, n.º 1 e 4 do CCP, 11º, n.º 1 do decreto-Lei n.º 143-A/2008 e 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008 e sobre as repercussões no procedimento, designadamente nos direitos dos demais concorrentes, no que se refere aos referidos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.

  4. – Esta questão tem também uma óbvia relevância social na medida em que tem uma controversa aplicabilidade a um universo alargado de outros casos de procedimentos de contratação pública que decorrem nas plataformas electrónicas que não rejeitam automaticamente propostas que não tenham assinatura electrónica qualificada, ou mesmo que não rejeitem ficheiros contendo documentos com assinatura manual e não electrónica.

  5. – A proposta da contra-interessada B………….. não observou o estabelecido pelo CCP, pelo Decreto-Lei n.º 143-A/2008 e pela Portaria n.º 701-G/2008, dado que não foram assinados electronicamente, mediante a utilização de certificado de assinatura eletrónica qualificada, todos os documentos carregados na plataforma eletrónica e que instruíram a proposta da B………….. [cf. Pontos 11.4 e 12 do Programa do Procedimento e respetivos anexos que mencionam expressamente a obrigatoriedade de assinatura].

  6. – A B……….. apenas assinou três ficheiros eletronicamente e só resulta do probatório que foi efetuada assinatura eletrónica através de certificado digital, ficando sem saber se foi utilizada uma assinatura eletrónica avançada ou uma assinatura eletrónica qualificada, o que importava apurar para se saber se a assinatura digital aposta era a exigida legalmente (Acs. do STA de 08/03/2012, Processo 01056/11, de 20/06/2012, Processo 0330/12, de 30/01/2013, Processo 01123/12, de 14/02/2013, Processo n.º 01257/12, de 20/02/2014, Processo 0175/14].

  7. – Naturalmente, que a assinatura exigida pelo ponto 11.4 do Programa do Procedimento não era a manual mas sim a electrónica, por força do disposto no artigo 62º, n.ºs 1 e 4, do CCP, do DL 143-A/2008, de 25/07 e da Portaria n.º 701-G/08, de 29/07.

  8. – Donde se conclui, ter a B………. assinado manualmente os documentos que instruíram a sua proposta e depois limitou-se a submeter na plataforma três ficheiros, que assinou eletronicamente, através de certificado digital, sem assinar eletronicamente todos os documentos que apresentou.

  9. – Ora, tratando-se de assinatura manuscrita, como é o caso, a consequência desse facto só pode ser a de exclusão da proposta por a mesma não se encontrar assinada nos termos legais.

  10. – Neste sentido, decidiu o douto Acórdão do STA de 08.03.2012, processo 01056/11 (in www.dgsi.ptj que "[...] obrigando aquele regime a que o processamento dos concursos se faça exclusivamente por meios electrónicos, nela se incluindo a assinatura das propostas, não faria sentido admitir que determinados aspectos do mesmo, designadamente o que se refere à assinatura da sua peça mais importante, pudessem ser subtraídos àquele regime. Se assim não fosse pôr-se-ia em causa sem justificação razoável a intenção do legislador em desmaterializar integralmente, o processamento dos procedimentos relativos à formação dos contratos públicos e, ao mesmo tempo, criar-se-ia uma zona de insegurança e de incerteza jurídicas na medida em que se iria permitir que o descrito regime legal pudesse ser violado de acordo com os interesses (e, porventura, a arbitrariedade) do adjudicante." 13ª – Sendo certo também, que a apresentação da proposta por concorrente (e documentos anexos] no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide de plataforma eletrónica carece de ser produzida por meio de transmissão escrita e eletrónica de dados através do progressivo carregamento dos ficheiros e dos formulários respectivos, bem assim, de cada um dos documentos que a instruem, devidamente encriptados, sendo que o momento da submissão da proposta se efectiva com a assinatura eletrónica da proposta por utilizador autorizado e identificado.

  11. – No caso em análise, não resulta que tal tenha sucedido.

  12. – Bem assim, não resulta do probatório, que tenha sido utilizada pela contra-interessada B……….., Lda., a assinatura exigida pelo artigo 27º, n.º 1 da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, ou seja, a assinatura eletrónica qualificada.

Termos em que, admitido nos termos do nº 5 do artigo 150º do CPTA, ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA!” 1.2.

Os recorridos não produziram contra-alegações.

  1. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA], de 09.09.15 (fls 372-3), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos: “(…) 2.2.2.

    O caso em apreço respeita, como se viu, a procedimento pré-contratual no concurso de «Empreitada Contínua de Conservação e Infra-Estruturas no concelho de Viseu – 2014».

    O acórdão recorrido, confirmando o julgamento do TAF, entendeu não anular a adjudicação, apesar de reconhecer que a «recorrente tem razão num ponto de partida: a de que, face ao disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 18º e, em particular, o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho, cada um dos documentos que compõem a proposta devem ser assinados, o que não sucedeu no caso presente».

    Na sua fundamentação o acórdão procedeu a larga indicação de jurisprudência diversa e de diverso sentido em situações do mesmo tipo.

    Decorre do próprio acórdão que ainda não se consolidou uma linha jurisprudencial capaz de servir de referente estável para todos os operadores na matéria em discussão – as consequências da não assinatura de cada um dos documentos que constituem a proposta nos termos requeridos.

    É importante que possa ser obtida essa estabilização, atenta a persistência deste tipo de questões”.

  2. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso (art. 146.º, n.º 1, do CPTA), o Digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, com a consequente revogação do acórdão recorrido (fls 381 e ss).

  3. Notificados para se pronunciarem sobre o parecer do MP, apenas o Recorrido o fez, sustentando que o dito parecer deverá ser desatendido, uma vez que, em seu entender, “Mostram-se integralmente cumpridos os requisitos legais exigidos pelos artigos 27º, nº 1 da Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho, 146º, nºs 1, 2, i) e 4, 57º, nºs 4 e 5 e 62º, todos do Código dos Contratos Públicos, assim como do artigo 11º do DL nº 143-A/2008, de 25 de Julho” (fl. 391).

    II – Fundamentação 1.

    De facto: As instâncias deram como provado o seguinte quadro factual: “a) O réu, Município de Viseu, por anúncio publicado no Diário da República, II Série, n.º 174, de 10/09/2014, publicitou a abertura do concurso público n.° 5051/2014, para a realização da...

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