Acórdão nº 037/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução03 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I-Relatório A……………, Notária, vem interpor para este STA recurso de revista nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão de 12/01/012 do TCAN, que negou provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Penafiel que julgara improcedente a ação administrativa especial de impugnação do Despacho, de 22.11.2010, do Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária, que lhe aplicou a pena disciplinar de 9 meses de suspensão do exercício de funções.

  1. Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma: “1ª O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que julgou improcedente a acção de impugnação do acto, que aplicara à A. a pena disciplinar de suspensão por nove meses por, enquanto notária, ter praticado actos notariais no Concelho para onde lhe fora concedida licença mas não o ter feito no seu cartório mas antes noutras instalações arrendadas para o efeito.

    1. As questões fundamentais emergentes do decidido pelo Tribunal a quo e cuja importância social e jurídica justificam o presente recurso de revista são cinco, a saber: 1º- O prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar é um prazo substantivo ou um prazo adjectivo, devendo ser contabilizado nos termos do disposto no art° 279° do CC ou nos termos do disposto no artº 72° do CPA? 2º- Face à nova condição do notário resultante da reforma de 2004 - simultaneamente profissional liberal e oficial público - e à repartição de competência disciplinares entre a Ordem dos Notários e o Ministério da Justiça - a primeira para perseguir infracções deontológicas e o segundo para as infracções contra a fé pública -, pode uma destas pessoas colectivas instaurar um procedimento disciplinar que depois é punido pela outra ou, pelo contrário, os procedimentos disciplinares baseados na violação de regras deontológicas têm de ser instaurados e punidas pela Ordem dos Notários e os procedimentos disciplinares fundamentados na violação da fé pública têm de ser instaurados e punidos pelo Ministério da Justiça? 3º- Na área da circunscrição onde está habilitado e autorizado a exercer a sua profissão, o notário só pode praticar actos notariais no edifício onde instalou o seu cartório ou pode praticar esses mesmos actos em outras instalações ou outros edifícios, sejam eles pertencentes a terceiros ou expressamente arrendados para o efeito? 4º- O direito à liberdade de estabelecimento consagrado no art° 43° do Tratado da União Europeia assegura que na área da circunscrição onde o notário esteja autorizado a exercer a sua profissão possa ter mais do que umas instalações destinadas à prática de actos notariais? 5º Impondo as Directivas n°s 2005/36/CE e 2006/100/CE, já transpostas para o ordenamento jurídico nacional pela Lei n° 9/2009, de 3 de Setembro que os Estados membros tenham de assegurar a liberdade de estabelecimento por parte dos notários estrangeiros, não está assegurada a possibilidade de os notários portugueses poderem, dentro da circunscrição para onde lhes foi dada licença, ter mais do que um espaço físico onde possam praticar os actos notariais que lhes competem? 3ª Salvo melhor opinião, estão preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do recurso excepcional de revista, uma vez que as decisões consubstanciadas no Acórdão em recurso suscitam um conjunto de questões que possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo.

      Na verdade, 4ª A importância social da profissão de notário, a relevância externa dos actos por ele praticados e a circunstância de ainda não terem sido analisadas as consequências da sua qualificação simultânea como profissional liberal e como detentor da fé pública, justificam plenamente que este Venerando Supremo Tribunal Administrativo intervenha para tornar certo quais são essas consequências, designadamente se na área da circunscrição onde possui licença para exercer a profissão, o notário, que também é uma profissão liberal, apenas pode ter um estabelecimento destinado a esse efeito ou se pode ter mais do que umas instalações próprias onde pratique os actos notariais.

    2. De igual modo, e uma vez que o direito da união europeia assegura o direito à liberdade de estabelecimento e a possibilidade de notários estrangeiros se instalarem igualmente em Portugal - podendo, portanto, terem mais do que um estabelecimento onde pratiquem os actos próprios da sua profissão - também se torna de todo premente que este Venerando Supremo Tribunal intervenha para se pronunciar sobre as consequências da aplicabilidade do direito comunitário e se, ao menos, os notários nacionais, dentro da circunscrição para onde lhes foi concedida licença apenas podem ter um estabelecimento ou se podem ter mais do que umas instalações onde pratiquem os actos que lhes competem.

    3. Por fim, e seja pela sua capacidade expansiva — uma vez que os prazos de prescrição são aplicáveis a milhares de trabalhadores públicos -, seja pelo seu relevo jurídico, também se afigura de todo premente que este Venerando Supremo Tribunal qualifique o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e torne certo se o mesmo se conta nos termos do art° 279° do Código Civil (por ser um prazo substantivo) ou nos termos do art° 72° do CPA (por ser um prazo adjectivo e processual).

      Consequentemente 7ª Julga-se estarem preenchidos in casu os pressupostos de que o nº 1 do art° 150° do CPTA faz depender a admissibilidade do recurso de revista, devendo este ser admitido e apreciadas e resolvidas as questões de importância fundamental suscitadas pelo acórdão recorrido.

    4. Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que no entender do recorrente o aresto em recurso incorreu em flagrante e notório erro de julgamento na solução que deu às questões que fundamentam o presente recurso de revista.

      Na verdade, 9ª O aresto em recurso incorreu em notório erro de julgamento ao considerar que o prazo de prescrição previsto no art° 6° do Estatuto Disciplinar se deveria contabilizar nos termos do disposto no art° 72° do CCivil uma vez que os prazos de prescrição são assumidamente prazos substantivos e, como tal, não podem deixar de ser contados nos termos do disposto no artº 279° do CCivil (v., neste sentido, ANIBAL DE CASTRO, A Caducidade...”, pág. 72, e, entre outros, o Ac° do STJ de 20/6/2012, Proc, n° 347/10, o Ac° do STJ de 18/2/2009. Proc. n° 06S3757, o Ac° da Relação de Lisboa de 12/2/82, CJ, 1982, 1°/182 e o Ac.º da Relação de Coimbra de 2/3/99, CJ 1999, 2°/13), devendo a remissão efectuada pelo art° 2° da Lei n° 58/2008 para o art° 72° do CPA ser entendida como reportando-se apenas aos prazos processuais previstos no estatuto disciplinar e já não aos prazos substantivos ali igualmente previstos.

    5. O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de Julgamento ao sustentar que o Ministério da Justiça poderia aplicar uma pena disciplinar num processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Notários, uma vez que resulta claramente da reforma do notariado de 2004 que o notário passou a ser simultaneamente um profissional liberal e um oficial público e que a sua responsabilidade disciplinar se efectiva em duas instâncias diferentes — perante a Ordem dos Notários e perante o Ministério da Justiça, consoante em causa esteja a violação de deveres deontológicos ou de deveres inerentes à fé pública -, pelo que não tendo o Ministério da Justiça instaurado qualquer procedimento disciplinar à arguida, tendo sido a Ordem dos Notários a fazê-lo, não poderia esse mesmo Ministério da Justiça aplicar uma pena disciplinar num procedimento que nunca instaurou.

      Por fim, 11° Não só o direito interno não proíbe que um notário possa ter, na área de circunscrição para onde lhe foi atribuído licença, mais do que umas instalações onde possa praticar os actos notariais que está habilitado e autorizado a exercer, como seguramente o direito comunitário reconhece essa mesma possibilidade - podendo-se até dizer que o direito comunitário vai bem mais longe e permite que qualquer notário até exerça a sua actividade fora da circunscrição onde a legislação nacional lhe permite praticar actos notariais -, pelo que é manifesto o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso, sendo, aliás, caricato que defenda que os notários estrangeiros têm mais direitos do que os notários nacionais, o que representa uma clara violação do princípio consagrado no art° 15° da Constituição.

      Nestes termos, a) Deve ser admitido o recurso de revista por se verificarem os pressupostos do art. 150° do CPTA; b) Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.

      Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA” O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA apresentou as suas contra-alegações, concluindo: “1. Do ponto de vista do Recorrido, a Recorrente não apresenta justificação suficiente para que o recurso possa ser admitido, designadamente a fls. 4 e 8, e esse era ónus que sobre si recaía.

  2. O que está essencialmente em causa neste recurso, e só isso pode estar, pois foi essa a razão que levou ao processo disciplinar instaurado à Recorrente e ao seu sancionamento é o de saber se a questão a seguir enunciada tem dimensão social e jurídica para ser objeto desta revista: “se na área da circunscrição onde possui licença para exercer a profissão o notário, que também é uma profissão liberal, apenas pode ter um estabelecimento destinado a esse efeito ou se pode ter mais do que umas instalações próprias onde pratique actos notariais”.

  3. E a resposta apenas pode ser negativa, como se demonstrará.

  4. Comece-se, aliás, por salientar que a questão está errada, mas não inocentemente, colocada, pois em causa não está nem esteve o saber-se se a notária aqui Recorrente podia ter mais do que um estabelecimento em ……….; o que esteve em causa foi a...

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