Acórdão nº 0302/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O ESTADO PORTUGUÊS [EP], representado pelo Ministério Público, interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], datado de 21.11.2013, que concedeu parcial provimento ao recurso para ele interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], e, em conformidade, [a] revogou a sentença na parte em que determinou o pagamento dos honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença; [b] confirmou-a na parte em que determinou o pagamento à representada do sindicato autor da quantia de 17.312,76€, a título de danos patrimoniais, e da quantia de 1.500,00€, a título de danos morais, acrescidas de juros desde a citação; [c] e julgou, em substituição, procedente o pedido de pagamento ao autor de indemnização por danos decorrentes dos honorários do mandatário, a liquidar posteriormente, mas que corresponda ao valor que for fixado para as acções que tal advogado patrocinou, face à tabela de honorários para apoio judiciário que vigorar à data da apresentação da respectiva conta.

    Conclui assim as suas alegações: 1- O «recurso de revista» deverá ser admitido uma vez que se verificam, no caso vertente, os requisitos necessários contidos no nº1 do artigo 150º do CPTA; 2- De facto, estamos perante caso de grande complexidade quer em relação à matéria de facto, quer em relação à matéria de direito, e pouco tratada, ao que se saiba, por esse Alto Tribunal, e de grande repercussão social já que existem vários casos idênticos, tratados na jurisprudência do TCAN e TCAS, todos condenatórios do Estado; 3- A atribuição do «subsídio de desemprego» não é automática, sendo que todos os diplomas legais que o regulavam e o regulam, fazem depender tal atribuição de diversos pressupostos, nomeadamente, da situação de desemprego, da apresentação de requerimento/pedido pelo trabalhador, da situação de desempregado, da inscrição prévia do trabalhador como candidato a emprego no centro de emprego na área da sua residência, dos descontos, enquanto foi trabalhador, para a segurança social; 4- A aplicação directa de normas constitucionais apenas é possível quando se trate de direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do artigo 22º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação em apreço; 5- É inaplicável directamente ao caso o artigo 22º da CRP, também porque este dispositivo legal apenas estabelece um princípio geral, não sendo possível do mesmo extrair qualquer critério para aferir dos pressupostos que permitam responsabilizar o EP pela prática de actos legislativos; 6- A inconstitucionalidade por omissão não pode ser suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador, na sequência da declaração dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional [TC] nos termos do nº2 do artigo 283º da CRP; 7- O ordenamento jurídico-constitucional português não admite o controlo jurisdicional concreto de omissões legislativas, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade por acção; 8- O AC do TC nº474/02, apenas verificou a omissão legislativa parcial por o legislador não ter dado total execução à alínea e) do nº1 do artigo 59º da CRP - excluindo do direito dos trabalhadores por conta de outrem ao subsídio de desemprego, a maioria dos trabalhadores da função pública - com vista a essa omissão ser suprida, o que ocorreu com a entrada em vigor da Lei nº11/2008; 9- Só a partir da entrada em vigor da Lei 11/2008 é que a autora teria direito a subsídio de desemprego, o que não a eximiria de demonstrar que possuía todos os requisitos necessários nessa lei previstos; 10- Não é possível precisar juridicamente a formulação dos diferentes direitos sociais para que os cidadãos possam neles fundar pretensões directamente exigíveis, sem os mesmos serem definidos, em concreto, pelo legislador comum, dado o princípio da oportunidade política e económica por que este se pode reger, nesta matéria; 11- À data em que a autora cessou o contrato não existia qualquer normativo que previsse a atribuição de «subsídio de desemprego» aos funcionários públicos nem que determinasse a responsabilidade do Estado por omissões legislativas.

    12- Ao não ter requerido o «subsídio de desemprego» que peticiona, não se formou qualquer direito ao mesmo; 13- Não se verifica, assim, qualquer ilicitude por parte do Estado; 14-A autora não alegou nem fez prova de que requereu o subsídio de desemprego que agora peticiona, e que este lhe tivesse sido negado em virtude da omissão legislativa em causa, pelo que é impossível aferir a que período ele se reporta e se nesse período estava desempregada; 15- De todo o modo, pela matéria factual trazida aos autos, e documentação a estes junta, e tendo em vista a aplicabilidade pelo acórdão recorrido, quer do DL nº119/99, de 14.04, quer do DL nº84/2003, de 24.04, a autora não tinha, à data em que ficou desempregada, os requisitos para o «subsídio de desemprego» ou para «subsídio social de desemprego», e, nomeadamente que continuou desempregada, que estava inscrito na Segurança Social bem como no Centro de Emprego; 16-A autora nada alegou nem provou que demonstrasse a prática de um acto ilícito, do Estado, bem como o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e os danos que invoca; 17- Pode-se considerar que a não atribuição de subsídio, antes 15.10.2007, se deveu ao facto de a autora não o ter solicitado ou não ter apresentado os documentos exigidos, ou não ter os requisitos necessários, e não a qualquer omissão legislativa; 18- Inexiste, assim, nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão legislativa e os danos invocados; 19- Verifica-se a existência de «culpa do lesado» na medida em que a autora não requereu, aquando do termo do seu contrato, que lhe fosse atribuído subsídio de desemprego que agora peticiona; 20- Na sequência da prolação do AC do TC nº474/02, de 19.11.2002 [publicado no DR, I-A, de 18.12.2002], foi iniciado o processo legislativo que culminou com a publicação da Lei nº11/2008, de 20.02, não tendo esta efeito retroactivo; 21- O DL n°48.051, de 21.12.1967, inaplicável ao caso, apenas responsabilizava as entidades públicas pela prática de actos de gestão pública donde estavam excluídos os actos legislativos, jurisdicionais e políticos, bem como as omissões legislativas; 22- O poder judicial não se pode substituir ao poder legislativo criando direito, sob pena da violação do princípio da separação de poderes consignada no artigo 111º da CRP; 23- A aplicação directa de normas constitucionais apenas é possível quando se trate direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do artigo 22º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação em apreço; 24- Nestes termos, por falta de demonstração dos requisitos necessários à invocação do direito ao «subsídio de desemprego», e por não se verificarem os requisitos da «responsabilidade civil extracontratual do Estado» - ilicitude e nexo causal entre a ilicitude e o dano - a presente acção deveria improceder; 25- Ao assim não considerar, violou o douto acórdão recorrido, os artigos 22º, 111º, 165º nº1 alínea f), e 202º nº3, da CRP, 341º, 487º nº2, 563º, 569º nº3, e 570º, todos do CC, 1º e 7º do DL nº48.051, e 10º do DL nº67/2000, de 26.04; 26- Termos em que se requer que este «recurso de revista» seja admitido e que seja o mesmo procedente, revogando-se o acórdão do TCAS e improcedendo-se a acção comum, absolvendo-se o Estado da totalidade do pedido.

    1. O SINDICATO NACIONAL DO ENSINO SUPERIOR [SNES], em representação da associada A…………….. contra-alegou, e concluiu assim: 1-Salvo o devido respeito, não estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade do presente recurso de revista, seja por a questão nele em apreço não ter qualquer capacidade expansiva - pois desde 2008 o legislador já supriu a inconstitucionalidade por omissão e reconheceu o direito ao subsídio de desemprego aos funcionários públicos - seja por não haver qualquer incerteza jurídica sobre essa mesma matéria, a qual é pacífica na jurisprudência administrativa como, aliás, reconhece o recorrente - e na doutrina - a qual é, pelo menos, maioritária, na admissibilidade da condenação do Estado pelos danos decorrentes do «não suprimento atempado da inconstitucionalidade por omissão»; 2- Por isso mesmo, para além de inadmissível, sempre o presente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT