Acórdão nº 01122/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. “CLUBE DE CAMPISMO DE LISBOA”, pessoa coletiva n.º 500 065 365, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa [doravante «TAF/L»] providência cautelar contra “COSTAPOLIS - SOCIEDADE PARA DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA POLIS DA COSTA DA CAPARICA, SA” [abreviadamente «COSTAPOLIS …, SA»], peticionando a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho de Administração da requerida, datada de 14.02.2013, nos termos da qual foi determinada a entrega, pelo requerente, no prazo de 120 dias, de uma parcela de terreno que ocupa, com a área de 1,6 hectares, propriedade da requerida, acrescida de 1520 m2, aproximadamente, em domínio público marítimo integrado na Zona de Intervenção das Praias Urbanas.

1.2.

O «TAF/L», por decisão de 11.04.2014 [inserta a fls. 667 a 720 dos autos], julgou procedente a pretensão cautelar, dada a verificação dos requisitos previstos no art. 120.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, pelo que decretou a providência cautelar peticionada.

1.3.

Inconformada, a requerida «COSTAPOLIS …,SA» interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [TCA Sul] o qual, por acórdão de 19.08.2014 [fls. 849 a 862], concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou totalmente improcedente o pedido de suspensão de eficácia dada a ausência de alegação e prova de factos integradores do requisito do periculum in mora.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA veio, então, o Requerente, agora por sua vez inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 872 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “… 1ª - Tal como se concluiu no douto Acórdão recorrido, julgou-se provada, com relevância para a apreciação da questão de saber se se encontra verificado, ou não, o requisito do periculum in mora, o seguinte: - “o recorrido, de acordo com os respetivos Estatutos, tem por finalidade a prática, o fomento e o desenvolvimento do campismo desportivo, a promoção e dinamização da atividade desportiva amadora em geral, bem como dos interesses sociais e culturais dos seus associados e a salvaguarda de um ambiente humano e ecologicamente equilibrado; - o recorrido foi fundado em 1941, tem atualmente cerca de 50.000 associados, dispondo de dois parques de campismo na Costa de Caparica há mais de 60 anos; - no parque de campismo sito no terreno cuja desocupação foi determinada no ato suspendendo estão instalados mais de 3000 cidadãos, que o têm usado de forma ininterrupta há décadas, tendo investido parte das suas economias na aquisição de material de acampamento, bem como do respetivo recheio, que em muitos casos atinge milhares de euros; - grande parte dos cidadãos, sócios e utentes do referido parque de campismo são pessoas de avançada idade que usam o parque todo o ano, não dispondo de meios económicos para aceder a outro parque de campismo, bem como para substituir o equipamento instalado que, removido, na maioria dos casos não será possível recuperar; - a utilização do mencionado parque de campismo pelos sócios e utentes proporcionalhes relações de grande afeto, convívio social e acesso a iniciativas de natureza cultural, bem como a atividades desportivas (cfr. factos n.ºs 8, 29, 30 e 34 a 36)”.

  1. - Com base nestes factos, conclui-se, no douto Acórdão recorrido, que “o requerente, ora recorrido, intentou o presente processo cautelar para evitar que sejam causados danos aos seus sócios (que são utentes do parque de campismo que se encontra instalado no terreno cuja desocupação foi determinada pelo ato suspendendo), isto é, não alegou - e, em consequência não provou - qualquer dano relativo à sua esfera jurídica que pretende evitar com o deferimento da suspensão da eficácia solicitada, sendo certo que a decisão recorrida decretou tal providência atendendo, em exclusivo, aos prejuízos que incidem na esfera jurídica dos utentes/sócios do recorrido.” E, com base nesta consideração, o Tribunal Central Administrativo Sul concluiu que não se verifica, em relação ao Requerente - o Clube de Campismo de Lisboa - a situação de periculum in mora , uma vez que, face aos factos provados e considerados na decisão proferida em primeira instância, tal situação verifica-se em relação aos sócios desse Clube, instalados no Parque de Campismo em causa, e não em relação ao requerente propriamente dito.

  2. - Concluiu-se também no douto Acórdão recorrido que “são irrelevantes os prejuízos que incidem na esfera jurídica dos que não são requerentes da suspensão da eficácia, dado que a situação destes não é objeto da proteção concedida por este meio processual”.

  3. - Salvo o devido respeito, tendo concluído - e bem - que o Clube de Campismo de Lisboa requereu a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo em causa na defesa dos interesses dos seus sócios, não podia o Tribunal Central Administrativo Sul concluir, de seguida, que os prejuízos sofridos por esses cidadãos no interesse dos quais foi requerida a providência são irrelevantes.

    Se a ação principal visa a proteção dos direitos e interesses de determinadas pessoas, a providência requerida na dependência dessa ação visa, naturalmente, os mesmos direitos e interesses, ou melhor, evitar o prejuízo irreparável ou de difícil reparação desse direitos e interesses.

  4. - Aliás, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA, as pessoas coletivas privadas têm legitimidade ativa para impugnar atos administrativos quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender. Ora, face à matéria provada, especialmente no que respeita aos fins estatutários do Clube de Campismo de Lisboa - a prática, o fomento e o desenvolvimento do campismo desportivo, a promoção e dinamização da atividade desportiva amadora em geral, bem como dos interesses sociais e culturais dos seus associados e a salvaguarda de um ambiente humano e ecologicamente equilibrado - parece fora de dúvida que, à luz da referida norma legal, o Recorrente tem legitimidade para impugnar o ato administrativo em causa na defesa dos direitos e interesses coletivos dos seus associados atingidos ou ameaçados por esse ato.

  5. - Essa legitimidade decorre, também, das disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, alínea f), do CPTA. Tanto mais quanto é certo que o ato em causa colide com direitos constitucionalmente protegidos dos sócios do Recorrente, v.g., os previstos nos artigos 72.º, 73.º, 78.º e 79.º da CRP.

  6. - Assim, contrariamente ao que se concluiu e decidiu no douto Acórdão recorrido, os direitos e interesses ameaçados pelo ato impugnado não são de terceiros, mas daqueles que se encontram legalmente representados em juízo pelo Recorrente.

  7. - Acresce que, no caso sub judice, os direitos e interesses dos sócios do Recorrente são também direitos e interesses do próprio Recorrente, na medida em que são realidades incindíveis, isto é, sendo o Recorrente uma associação sem fins lucrativos que tem por escopo assegurar aos seus sócios a satisfação desses interesses e direitos, um ato administrativo que impeça o Recorrente de levar a cabo esses fins atinge o próprio Recorrente, constituindo prejuízos do Recorrente os referidos prejuízos dos seus sócios.

  8. - Pelo exposto, o douto acórdão recorrido violou, na sua essência, a norma constitucional que consagra o direito de associação (art. 46.º da CRP), na medida em que considerou terceiros os sócios do Recorrente em relação aos fins por este prosseguidos, bem como irrelevantes para os interesses do Recorrente os prejuízos sofridos pelos seus sócios em relação aos fins que constituem o objeto daquele.

  9. - E violou também o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA e nos artigos 9.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, alínea f), do mesmo Código, porquanto a legitimidade das associações aí estabelecida inclui, naturalmente, o direito a requerer as providências previstas na lei destinadas a acautelar a violação dos direitos e interesses em causa …”.

    Termina peticionando que, no provimento do presente recurso, seja revogada a decisão judicial recorrida.

    1.5.

    A aqui recorrida «COSTAPOLIS …, SA» contra-alegou [cfr. fls. 883 a 898 v.], concluindo da seguinte forma: “…

    1. O presente recurso tem um efeito meramente devolutivo, nos termos previstos no artigo 143.º, n.º 2 do CPTA, estando, portanto, errada a qualificação do Recorrente, o que deve ser expressamente fixado por este Colendo Tribunal, em linha, aliás, com a mais autorizada doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, concretamente, com a orientação sedimentada deste Supremo Tribunal Administrativo.

      B) O Recorrente não curou de demonstrar o preenchimento dos pertinentes requisitos de admissão da revista, limitando-se com considerações vagas e repetições do texto legal. Sendo que, tal omissão é particularmente grave no âmbito cautelar, onde a revista assume contornos de maior e mais exigente excecionalidade, o que, por si só, deve determinar a recusa da sua admissão.

      C) A questão que o Recorrente pretende submeter a revista é inidónea a preencher o conceito de importância fundamental, pela relevância jurídica, uma vez que não reveste qualquer complexidade lógica-jurídica, não suscita grandes divergências a nível jurisprudencial e doutrinal, não apresenta qualquer potencial expansivo, nem se reconduz a um interesse comunitário, que justifique a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de orientação para resolução de casos futuros, D) Afigura-se inequívoco que o caso em apreço não preenche também os critérios densificadores do conceito de relevância social da questão em análise, integrando, ao invés, na perfeição, os parâmetros que a jurisprudência estabelece para a...

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