Acórdão nº 01835/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA: O Município de V. N. de Gaia interpôs - nos termos do art.º 152.º do CPTA - recurso para a uniformização de jurisprudência do Acórdão do TCAN - que confirmou a sentença do TAF do Porto, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil intentada por A…………….. S.A. e que, consequentemente, o condenou a pagar a quantia de 22.635.928.00 € a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal - alegando que o mesmo estava em contradição sobre diferentes questões fundamentais de direito com o que se havia sentenciado em Acórdãos deste Supremo Tribunal.

Rematou as suas alegações do seguinte modo: 1. Quanto à questão da alínea a) do § 2° i) Vem o Acórdão Recorrido arguido, em primeiro lugar, de oposição ou contradição com o Acórdão deste Alto Tribunal de 17.01.2013, preferido no processo n.º 01156/12; ii) Com efeito, assumiu-se expressamente no Acórdão Recorrido que “a formulação [do quesito] deste art. 24° resulta do alegado na petição inicial pela Recorrida, por referência ao doc. n.º 25”, acrescentando-se ainda, no mesmo §, tratar-se “sem margem para dúvidas da matéria alegada e provada pela A.” (negritos nossos); iii) Sucede, como se viu, que a A., ora Recorrida, nos art.ºs 53° e 145° da petição inicial se limitara, sem mais uma palavra, sequer, a alegar identicamente “custos resultantes da denúncia do contrato, tendo em vista o disposto na Cláusula 9ª do contrato n.º 32/73 (cfr DOC. 1), os quais ascenderão a 20.100.000 euros, de acordo com a contabilização efectuada no DOC. 25” - sendo que, como se demonstrou, o referido art. 9° do contrato nº 32/73 não contém qualquer referência a prejuízos ou a tipos de prejuízos a que a Concessionária, ora Recorrida, pudesse ter direito; iv) Tendo o Tribunal com base nisso gizado, com essa mesma fórmula, o quesito n.º 24, ao qual se respondeu depois “provado com o esclarecimento de que, com o encerramento do entreposto de Gaia, prevêem-se para a A. custos que ascenderão a € 20.100.000 resultantes do diferencial entre o custo do transporte por ferrovia e por rodovia” (negritos nossos) - levando-se tal resposta, nesses mesmos termos, ao nº 60 da decisão da matéria de facto; v) Encontra-se pois expressamente verbalizada no acórdão recorrido a proposição de que o quesito em causa - e portanto o conteúdo da resposta “provado” que lhe foi dada - “resulta do alegado na petição inicial pela Recorrida, por referência ao doc. n° 25”, assumindo-se, assim, ratio decidendi que o ónus de alegação dos prejuízos demandados se pode preencher por mera referência a documentos anexos à petição; vi) Sem essa alegação (e prova) não poderia ter havido decisão favorável sobre a existência de tais prejuízos - que nem alegados estariam; vii) Em flagrante contradição com essa doutrina do Acórdão recorrido, diz-se no Acórdão fundamento, o Acórdão do STA de 17.01.2013 (proc. n.º 01156/12), além do mais que se transcreveu, que “[…] As provas, designadamente as provas documentais, assumem, assim, uma natureza marcadamente instrumental em relação à matéria do litígio. Se os documentos visam provar factos invocados pelas partes perdem qualquer valor probatório se os factos probandos afinal nunca foram alegados.

Na verdade os documentos em caso algum podem visar suprir insuficiências alegatórias, tornando-se, ocorrendo essa omissão, inteiramente irrelevantes” (negritos nossos).

viii)Estando aqui em causa uma questão fundamental de direito, ligada ao próprio preenchimento dos princípios do dispositivo e do contraditório e aos ónus de alegação, quesitação e prova dos factos relevantes do processo, o presente recurso deve, também nesta parte, ser admitido; ix) Por outro lado, como é do cumprimento de exigências elementares desses princípios, e das suas concretizações através do cumprimento dos ónus de alegação, quesitação e prova, que aqui se trata, é indubitável que a doutrina correcta é a que consta do Acórdão fundamento; x) Aliás, a própria lei dispõe que os articulados, nomeadamente a petição, servem para alegar sobre a matéria de facto, para “[e]xpor os factos [..,] que servem de fundamento à acção” (art.º 467°/1/d do CPC aplicável) - de maneira a permitir a sua impugnação especificada na contestação — enquanto os documentos se destinam “a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa [devendo] ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (art. 523°/1 do CPC) (negritos nossos); 2.

Quanto à questão da alínea b) do § 2° xi) Estando dado como provado (cf. n.ºs 68, 69 e 70 da decisão sobre a matéria de facto) que outras empresas, de identidade e em número indeterminado, localizadas, como a A., no Centro Histórico de V. N. Gaia e zonas adjacentes, foram também afectadas no transporte de mercadorias para ou da sua “sede, delegações, instalações e armazéns” pela proibição/restrição de circulação aí de veículos de peso bruto superior a 3.500Kg, o TCA entendeu representar o prejuízo da A. “um sacrifício especial, uma vez que não resulta provado que tal medida tenha atingido da mesma forma as demais empresas que ali exercem actividade” (destaque no original); xii) A questão de direito agora em apreço consiste em saber se a decisão sobre a existência de um prejuízo especial corresponde a uma interpretação e aplicação correctas das regras da repartição do ónus da prova em matéria de verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil por acto lícito (ou ilícito); xiii)É uma questão transversal ao complexo normativo da responsabilidade civil extracontratual, no direito administrativo, assim como no direito privado, sendo a distinção entre prejuízo especial e prejuízo comum objecto de debate e aplicação frequente na jurisdição administrativa, pois que a especialidade do prejuízo causado por um acto lícito de gestão pública é manifestamente um requisito legal da responsabilidade que eventualmente recaia sobre o autor desse acto, o que resulta claramente do art. 9°/1 do DL 48.051; xiv)Aliás, estamos perante um dos dois pilares essenciais sobre que os tribunais decidem da matéria de facto em qualquer processo desta natureza (e não só, claro), pois que, em qualquer processo desses, ou as partes fazem prova dos factos alegados, constitutivos ou impeditivos, do direito que no processo se pretende efectivar, ou, então, a matéria de facto é decidida em função das regras e presunções legais de repartição do ónus de prova; xv) É verdade que o Acórdão fundamento, o Acórdão deste STA de 28.10.2009, proferido no processo n.º 0700/09, se refere ao ónus de prova em matéria de responsabilidade por actos ilícitos de gestão pública (e não, como no Acórdão recorrido, a actos lícitos), mas pode ser para aqui convocado, por ser pacífico e incontestável que as regras sobre o ónus de prova dos factos integrantes dos requisitos constitutivos da responsabilidade civil por actos de gestão pública se aplicam, impõe-no o art. 342°/1 do Código Civil, indistintamente, à responsabilidade por acto ou facto ilícitos ou por acto ou facto lícitos; xvi)Decidiu-se então no Acórdão fundamento que, “não se estando perante uma situação em que exista uma presunção legal, é sobre o lesado que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual que se arroga (art.ºs 342.º, n.° 1, e 344.º, n.º 1, do Código Civil)”; xvii)É patente a contradição entre os dois acórdãos em matéria da respectiva ratio decidendi, pois, enquanto no Acórdão recorrido se faz funcionar a falta de prova sobre factos respeitantes à especialidade do prejuízo contra o autor do acto lesivo, no Acórdão fundamento assume-se claramente pertencer o ónus da sua prova ao lesado (que, no caso, seria a ora Recorrida); xviii)Deve a doutrina exposta no Acórdão fundamento prevalecer sobre a regra contrária da repartição do ónus de prova de que se fez aplicação no Acórdão recorrido; xix)Nunca, aliás, o STA vacilou em considerar, e muito bem, que a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização em sede de responsabilidade civil extracontratual - por força do art.° 342°/1 do CC, respeitante tanto à responsabilidade por factos lícitos quanto por factos ilícitos - compete ao lesado, isto é, a quem demanda o ressarcimento dos respectivos prejuízos; 3. Quanto à questão da alínea c) do § 2° xx) A questão ora em debate assenta no pressuposto de que a proposição contida no penúltimo parágrafo da pág. 96 do Acórdão Recorrido - quando aí se afirma que “a factualidade provada demonstra à saciedade que a proibição/restrição/imitação de circulação rodoviária imposta à A………… […] representou para a mesma um sacrifício especial, uma vez que não resulta provado que tal medida tenha atingido da mesma forma as demais empresas que ali exercem actividade” (negritos nossos) - só pode ser entendida, nessa parte destacada, no sentido de que os prejuízos que afectaram aquelas demais empresas não têm a mesma gravidade ou intensidade dos que foram causados à A.; xxi) A não ser assim, então, o Acórdão Recorrido padeceria de contradição nos seus próprios termos; xxii)É que a justificação aí expressamente dada (no mesmo penúltimo parágrafo de págs. 96 do Acórdão Recorrido) para diferenciar a “forma” como tal medida afectou as referidas empresas - “ou porque a [sua] actividade não exige a circulação de camiões com aquela tonelagem, ou porque se trata de actividades que nada têm a ver com a desenvolvida pela recorrida” - está em flagrante contradição com os próprios factos que o tribunal deu como provados; xxiii)Como resulta claramente dos nºs 68, 69 e 70 da decisão da matéria de facto, aquilo que afectou as “outras empresas [existentes] no centro histórico de V. N. de Gaia e zonas adjacentes” (n.º 68) foi o facto de, utilizando também as ruas e artérias afectadas pela proibição para transportar as suas mercadorias (n.º 69), de e para as suas delegações, instalações e...

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