Acórdão nº 01402/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIOO A. A………….., técnico de justiça auxiliar, devidamente identificado nos autos, interpôs a presente acção administrativa especial, com vista à impugnação do acórdão proferido em 23 de Abril de 2013 pelo Conselho Superior do Ministério Público, que negou provimento ao recurso hierárquico por si intentado, da deliberação tomada em 02/10/2012 pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, que aplicou ao A. a pena de demissão, por violação dos deveres gerais da prossecução do interesse público, de correção e de assiduidade.

O CSMP contestou, recusando que o acto impugnado sofra das ilegalidades invocadas pelo autor e concluindo, a final, pela improcedência da acção.

*Ambas as partes alegaram por escrito mantendo, as posições antes assumidas.

O autor, apresentou para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «I) Do Processo nº 142DIS/11: I) O Acórdão em crise indica que o A. deu faltas injustificadas ao serviço entre 19 de Agosto de 2010 e 25 de Outubro do mesmo ano, pois havia sido transferido na primeira data indicada, para o Tribunal do Trabalho de ………….., onde deveria ter iniciado funções.

II) Desconsiderando, conforme já alegado, o facto de que o aqui A. apenas recebeu a carta com a informação da sua transferência em 25-08-10, quando a mesma já tinha sido publicada em Diário da República em 18 de Agosto, levando a que o A. se mantivesse expectante, quanto à referida publicação em Diário da República.

III) Olvidando que o A. sofre de uma doença bipolar, devidamente diagnosticada, conforme se encontra devidamente comprovado no presente processo disciplinar, e foi inclusive ponderado na medida da pena aplicada no processo nº l950/081TA…., em sede de Recurso Jurisdicional, pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

IV) A doença bipolar, com tendências depressivas, impede o A. de se encontrar a todo o tempo, na plenitude das suas faculdades mentais, toldando-lhe o pensamento e a capacidade de raciocínio, faltando inclusive às consultas de psiquiatria, conduzindo-o a um isolamento cada vez maior e depressão mais profunda.

V) Perante a não realização da transferência, o A. estava convencido, tanto quanto o seu estado depressivo lhe permitia estar, que se encontrava suspenso de funções, por força da anterior pena de suspensão que lhe tinha sido aplicada, o que o levava a pensar que não tinha que se apresentar ao serviço.

VI) O A. só contactou a DGAJ, em finais de Julho de 2011, tendo-lhe então sido dito que a publicação da sua colocação já tinha sido feita em 18 de Agosto de 2010, tendo aquele recebido a carta em 25 de Agosto de 2010, a referir que aguardasse a publicação em Diário da República.

VII) Só então, o A. percebeu que tinha estado todos estes meses (quase um ano afastado do serviço), por motivos infundados, mas que até esta data o mesmo pensava serem justificados, pois aguardava (erroneamente, mas convencido da licitude da sua conduta) a publicação em Diário da República da sua colocação por transferência para o Tribunal do Trabalho de …………...

  1. Do Erro Sobre as Circunstâncias do Facto: VIII) Ou seja, o A. actuou como actuou, convencido da licitude da sua conduta, pois aguardava a publicação da sua colocação em Diário da República, baseando a formação da sua vontade num erro sobre as circunstâncias do facto, de acordo com aquela que era a sua percepção dos factos, e da forma como a realidade dos mesmos se lhe apresentava, nos termos do disposto no artº 16º/nº 1 do Código Penal.

IX) Perante tal factualidade o A. criou para si a percepção de que teria que aguardar a publicação da sua colocação em Diário da República, por forma a poder apresentar-se no Tribunal do Trabalho de ……………, e como tal, enquanto a mesma não fosse publicada, sempre estaria a agir ao abrigo da lei.

X) A forma como o A. percepcionava tal factualidade, embora agindo em erro sobre as circunstâncias de tal facto, excluem a ilicitude da conduta ou da sua culpa, nos termos do disposto no artº 16º/nº 2, do Código Penal “ (I Quando o arguido conhece o circunstâncialismo fáctico em que actua, mas não representa o carácter ilícito da sua conduta, incorre em erro sobre a valoração, configurando-se “erro sobre a ilicitude” e caso tal erro lhe seja censurável deve ser punido nos termos do nº 2 do art. 17º do C. Penal, com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada.

II- Quando o arguido actua com conhecimento do tipo de ilícito, mas no caso concreto em defeito do conhecimento de circunstância(s) desse tipo de ilícito, incorre em erro intelectual que afasta o seu dolo, configurando-se “erro sobre circunstância(s) de facto do tipo” e caso tal erro lhe seja censurável, só pode ser punido se o crime em causa for punível a título de negligência, nos termos conjugados do art. 16 nº 1, 2 e 3 e 13 do C. Penal. III- Apurado nos autos que o arguido conduziu com a carta de condução já caducada, com conhecimento de que assim conduzir constituiria crime, porém na convicção de que a sua carta ainda se mantinha válida, crente de que podia conduzir e não estava a praticar crime, tem-se que actuou em defeito de conhecimento acerca da sua real situação, ainda com consciência ético jurídica recta, numa atitude de fidelidade ao Direito, só que frustrada por circunstância que o fez errar, configurando-se “erro sobre circunstância de facto do tipo de crime”, e não, erro sobre a ilicitude como considerado no Tribunal a quo (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09-01-2012, in Dgsi.pt)”.

XI) Ora, excluindo-se o dolo e a ilicitude da conduta do A., não pode o mesmo ser condenado por um ilícito que não cometeu, ainda que de natureza disciplinar, mas fundado nos conceitos de dolo e ilicitude consubstanciadores dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico-penal.

XII) Assim e conforme é entendimento de doutrina consagrada, a infracção disciplinar, não pode ser considerada uma infracção de perigo, sendo antes uma infracção que obriga à produção efectiva de um resultado prejudicial ao serviço. “Pela nossa parte, julgamos que se deve questionar se efectivamente a infracção disciplinar dispensa a concreta produção de um resultado prejudicial ao serviço, sendo nossa opinião que só se estará perante um ilícito disciplinar quando o comportamento imputado ao trabalhador tenha causado um qualquer prejuízo efectivo ao interesse público. (Vide: Paulo Veiga Moura, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, Coimbra Editora, pág. 31 e ss)”.

XIII) Em sede disciplinar, ao invés do que ocorre no direito penal, não existe uma exaustiva tipificação legal dos ilícitos, ou seja a infracção disciplinar é no seu âmago uma infracção atípica, sem factos ilícitos predeterminados ou com conceitos típicos pré-definidos. “Em sede disciplinar, não obstante funcionar igualmente, (...), o princípio da legalidade, vem-se entendendo que a infracção é atípica, resultando da «… violação ou ofensa de deveres reportados à função ou ao interesse do serviço, deveres que na sua maioria são inominados, sem individualização e sem predeterminação dos factos ilícitos, ou enumeração de elementos suficientes para um conceito de tipicidade» (Vide, Vítor Faveiro, A Infracção Disciplinar. Esquema de uma teoria geral, Lisboa, 1962, pág. 37).

XIV) Conduzindo a que na maioria das vezes a lei considere ilícito um comportamento do trabalhador público, que vá contra aqueles deveres, independentemente de a conduta adoptada se encontrar ou não prevista em qualquer preceito normativo de índole disciplinar.

XV) A existência de infracção disciplinar, pressupõe o preenchimento cumulativo de quatro requisitos legais: a existência de um comportamento; culposo; ilícito; e a existência de um efectivo dano ao interesse público.

XVI) Tal comportamento, terá que estar revestido do cariz de exterioridade, ao mesmo tempo que terá que ser um comportamento voluntário e esclarecido, ainda que na sua actuação o Arguido não tenha a consciência da transgressão de deveres gerais ou especiais que lhe são impostos.

XVII) Ou seja, o trabalhador público, não pode ser disciplinarmente perseguido por comportamentos que lhe não sejam directamente imputáveis, não sendo possível perseguir o mesmo quando o referido comportamento decorra de circunstâncias endógenas ou exógenas insusceptíveis de serem controladas pela vontade do agente.

XVIII) Pelo que, e caso o agente da infracção disciplinar se encontre incapacitado de entender ou percepcionar a gravidade da sua conduta, como lesiva dos deveres a que está adstrito, nomeadamente por se encontrar involuntária e acidentalmente privado das suas faculdades mentais ou intelectuais, não se pode considerar que o mesmo cometeu uma infracção disciplinar.

XIX) Tal privação acidental e involuntária das suas faculdades mentais ou intelectuais, constitui uma causa de exculpação da conduta do Arguido, não sendo susceptível de ao mesmo ser aplicada uma pena disciplinar quando o mesmo actue sob a influência de factores endógenos ou exógenos à sua pessoa que o condicionem irremediavelmente na adopção de tal conduta anti-disciplinar. (Vide, Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 4ª ed., págs. 275 a 281 e 328 e segs).

XX) No caso sub judice, não nos parece razoável que fosse de exigir ao A., que perante tal factualidade e pela forma como a percepcionou, um comportamento diferente do que o que praticou, até porquanto à luz da que era a sua leitura dos factos, o mesmo encontrava-se dentro do cumprimento da lei, pois aguardava a publicação da sua colocação em Diário da República.

XXI) E o seu estado psicológico/psiquiátrico de então e que se vem mantendo, ainda que actualmente mais controlado e equilibrado, não lhe permitia à data percepcionar que a realidade que se lhe apresentava e o mesmo percepcionava, estava assente em pressupostos errados, mas que não entendeu nem percepcionou, exactamente por se...

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