Acórdão nº 0681/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução08 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – Relatório 1.

Por acórdão de fls 1718-36 e ss, foi decidido negar provimento ao recurso de revista instaurado, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, por A………………, ACE – Agrupamento Complementar de Empresas contra a Parque Escolar-EPE e, consequentemente, em manter a decisão judicial recorrida.

  1. Não se conformando, o recorrente vem requerer: 2.1.

    A admissão do “requerimento de reforma, e a motivação nele contida, ao abrigo dos artigos 616.º, n.º 1, 613.º, 617.º, 615.º, 652.º, 666.º, 672.º e ss. e 685.º, todos do Código de Processo Civil (…) aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ex vi dos artigos 1.º e 150.º e ss., todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (fl. 1755).

    2.2.

    A procedência da sua pretensão, entendendo o Recorrente que invocou “motivos susceptíveis de fundamentar a reforma do acórdão” (fl. 1755).

    2.3.

    A pronúncia “nesta sede quando todo o objeto de litígio e quanto a todas as questões formuladas e admitidas na presente revista excepcional ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de natureza rescindente ou cassatória” (fl. 1755).

  2. Notificada a recorrida para se pronunciar sobre o requerimento de reforma de sentença, nada disse.

  3. Com dispensa de vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  4. Fundamentação 2.1. Enquadramento da questão: No seu requerimento de fls 1742 e ss, o requerente afirma, de forma genérica, que “o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que antecede, não apreciou e julgou todas as questões que haviam sido admitidas na revista excepcional. Deste modo, e como tem sido reiteradamente salientado pela jurisprudência, a possibilidade de reforma da decisão judicial ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativo, resultando do douto acórdão que antecede verificar-se a existência de lapsos manifestos, erros e omissões evidentes, ostensivos, palmares, juridicamente insustentáveis e incontroversos, deve pois ser admitido o presente requerimento de reforma nos termos do disposto no artigo 616.º de CPC” (fls 1743-4).

    Antes de analisar o presente pedido de reforma, é conveniente caracterizar brevemente o incidente de reforma previsto no n.º 2 do artigo 616.º (e não no n.º 1, como refere o requerente) do CPC, e aplicável ao processo administrativo ex vi artigos 1.º e 140.º (e não 150.º, como refere o requerente) do CPTA.

    Dispõe o n.º 2 do Artigo 616.º do CPC (Reforma da sentença) do seguinte modo: “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

    O preceito em apreço confere às partes a faculdade de requerer a reforma da sentença/acórdão apenas e nos termos estritos aí delimitados, ou seja, o pedido de reforma pressupõe que se tenha registado um lapso manifesto, consubstanciado no modo ostensivamente errado como a apreciação jurídica foi realizada ou na falta de consideração de elementos atendíveis e susceptíveis de imprimir um distinto sentido à decisão objecto do pedido de reforma.

    Trata-se de uma faculdade excepcional, na medida em que derroga o princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz depois de proferida a decisão, consagrado no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, por sua vez associado à ideia da estabilidade das decisões judiciais. Por outras palavras, esta faculdade não pode “ser interpretad[os]a no sentido de permitir ao juiz corrigir todo e qualquer erro de julgamento, na medida em que estamos no domínio do mérito da decisão. Impõe-se, por isso, uma interpretação cautelosa, sob pena de subversão completa de um dos princípios estruturantes do sistema, o do citado art.º 613.º, n.º 1” (cfr. acórdãos do STA de 03.04.14, processo n.º 0535/13, e de 05.06.08, processo n.º 862/06). O que “se conclui é que, sob a aparência de uma maior permissividade, o que se pretende é tão só e ainda a rectificação de erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor da decisão, não fora a interposição de factores acidentais ou uma menor ponderação tê-lo conduzido ao desacerto” (cfr. acórdãos do STA de 03.04.14, processo n.º 0535/13, e de 05.06.08, processo n.º 862/06). Assim, por exemplo, é de indeferir o pedido de reforma do acórdão quando se verifica que o requerente, não obstante invocar o artigo 616.º do CPC, se limita a manifestar a sua discordância quanto ao modo como o acórdão interpretou um determinado preceito legal, sem contudo indicar qual o concreto erro que nessa interpretação se teria manifestado. De igual modo, um tal pedido fica, desde logo, inviabilizado se o requerente nem sequer alega tratar-se de um lapso, mas de um mero erro de julgamento. Ainda a título ilustrativo, mas de forma mais específica, não há motivo para reforma de uma sentença/acórdão se um elemento de facto, considerado erradamente na decisão, conduz a uma solução que seria necessariamente igual se tal facto fosse considerado na sua dimensão exacta, ou, outrossim, se se demonstrar que um elemento alegadamente não considerado conduziria à mesma solução.

    A excepcionalidade desta faculdade de solicitar a reforma da decisão reflecte-se na exigência acrescida posta na demonstração da verificação dos respectivos pressupostos. Basicamente, caberá ao autor do pedido de reforma, através de um discurso devidamente fundamentado, demonstrar, por um lado, que o erro de julgamento em que supostamente a decisão incorreu se enquadra numa das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC. Por outro lado, caberá demonstrar que não se trata de mero erro de julgamento, antes de um erro de julgamento que assume uma dimensão excepcional de erro desrazoável e inquestionável.

    Em síntese, não é susceptível de reforma a sentença cujo sentido decisório não resulta de erro ostensivo na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nem no desconhecimento indiscutível de quaisquer elementos probatórios capazes, de por si só, implicarem solução diversa.

    Importa ainda salientar, com interesse para a caracterização do incidente de reforma da decisão, que não há que confundir a figura da omissão de pronúncia, geradora de nulidade susceptível de suprimento (art. 615.º e 617.º do CPC), com a figura do erro de julgamento, este último, na medida em que resultar de lapso manifesto, susceptível de fundar a reforma da decisão (arts 616.º e 617.º do CPC).

    Cumpre dizer, por último, que a possibilidade de reforma da decisão de mérito nos termos do artigo 616.º, n.º 2, do CPC pode ocorrer nos tribunais de recurso, pelo que também o STA, nas vestes de tribunal de revista, poderá ser confrontado com um pedido de reforma da sua decisão (art. 685.º do CPC ex vi arts 1.º e 140.º do CPTA). Como facilmente se compreende, a invocação pelas partes dos fundamentos de reforma do acórdão terão que necessariamente ter em consideração a natureza dos poderes de cognição do tribunal de revista.

    Feito este brevíssimo enquadramento jurídico do incidente de reforma da sentença/acórdão, passemos, então, à análise do caso em presença.

    2.2. A questão da aplicação do artigo 143.º, n.

    os 4 e 5, do CPTA: Refere o requerente que, em “primeiro lugar, o douto acórdão, no seu item 2.2.2. pondera a decisão recorrida do efeito do recurso jurisdicional e a aplicação do artigo 143.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, sem que, no entanto, aprecie o próprio pedido de atribuição de efeito suspensivo pelo Recorrente.

    Aliás, neste aspecto, o Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a referenciar, sem mais, que «entendemos que bem andou a decisão de 20/1/2014 (…) que fixou o efeito do recurso», o que não se pode manter, apenas com a explanação da jurisprudência, ficando por decidir a forma e a substância do requerido efeito suspensivo pelo Supremo Tribunal Administrativo.

    Por essa razão, estamos aqui perante um erro ostensivo para efeitos e nulidade por omissão de...

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