Acórdão nº 0815/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução29 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A….., B……… e C………, identificados nos autos, vieram interpor recurso da sentença do TAF de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso que haviam deduzido contra o Presidente da CM Lisboa, esta câmara e os Directores dos respectivos Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas e Divisão de Cobrança e Controlo de Receitas, aí pedindo que se anule a decisão de indeferimento de um seu recurso hierárquico e, ainda, que se declarem nulos ou se anulem os actos hierarquicamente recorridos.

Os recorrentes terminaram a sua minuta de recurso oferecendo as seguintes conclusões: 1. Os actos orçamento, liquidação, emissão da factura n.° 02.000000538 e intimação para pagamento do valor correspondente ao custo da obra coerciva realizada no âmbito da empreitada referente ao imóvel sito na Rua ……., ……., em Lisboa, chamados na douta sentença recorrida “actos dos Srs. Directores”, são actos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos de que os recorrentes são titulares, e distinguem-se dos actos anteriores, sendo por isso recorríveis.

  1. Tais actos afectam por si só os legítimos direitos e interesses dos recorrentes, causando lesão directa e actual, envolvendo uma modificação da situação jurídica dos particulares envolvidos.

  2. Para além de serem recorríveis, contrariamente ao decidido na douta sentença posta em crise no presente recurso, tais actos estão feridos de vícios que determinam a sua nulidade ou, sem de forma alguma conceder, a sua anulabilidade, sendo por isso inválidos e ilegais, não estando os Recorrentes obrigados ao seu pagamento.

  3. A empreitada que alegadamente será a origem da emissão da factura notificada aos Recorrentes, com o n.° 6214a/0H189, tem por referência o “Escoramento urgente das varandas de acesso ao prédio particular sito na Rua …….., ……., obra que decorreu no período de uma semana, tendo sido dada por concluída em 29.12.1989.

  4. Para além da intimação que deu origem ao presente processo, os recorrentes foram ainda notificados, entre os dias 9 e 24.01.1989, para execução de obras de reparação e beneficiação geral em todos os prédios do Bairro, pelo que os ora recorrentes realizaram de imediato diversas reuniões com as entidades competentes, com as quais foram elaborando estratégias e planos de actuação no Bairro, composto por 110 fogos, respeitando prioridades e urgências, e descortinando modos de obtenção dos meios financeiros necessários à sua prossecução.

  5. Em 26.10.1989 foi apresentada a candidatura ao programa RECRIA referente ao imóvel sito na Rua ………….. — Proc. n.° 167/R/89, mas os Recorrentes foram inesperadamente notificados de que a CML iria tomar posse administrativa do imóvel para realização das obras.

  6. Porém, as alegadas obras realizadas coercivamente pela CML constituíram apenas uma pequeníssima parte das obras objecto de intimação camarária, e tais alegadas “obras” tiveram que ser realizadas, então sim, pelos Recorrentes, no âmbito do processo RECRIA atrás identificado, como condição essencial para a aprovação final das obras e concessão integral da comparticipação.

  7. As alegadas obras realizadas coercivamente consubstanciaram uma atitude absolutamente alarmista e injustificada por parte da CML e nenhum efeito conservatório ou reparador tiveram ou poderiam ter, pelo que os valores constantes nos actos impugnados, para além de exagerados, baseiam-se em registos e reportes sem qualquer correspondência com a realidade.

  8. Sendo falsos, incompletos e imperceptíveis os elementos constantes dos documentos que serviram de base à prática dos actos impugnados (liquidação do valor das obras, emissão da factura, intimação para o seu pagamento e respectiva manutenção pela decisão negativa do recurso hierárquico, impugnada nos presentes autos), carecem em absoluto de fundamentação tais actos, sendo por isso ilegais e anuláveis, não podendo os Recorrentes aceitá-los.

  9. A CML pretende o ressarcimento de obras coercivas alegadamente realizadas, mas mediante simples adjudicação e sem recurso ao programa RECRIA, conforme poderia e deveria ter feito nos termos do então vigente Decreto-Lei n.° 4/88 de 14 de Janeiro (artigo 2°), como o impunha o dever de actuar com boa fé e justiça, actuando assim em claro e inequívoco abuso do direito e má fé.

  10. A infracção de disposições legais e constitucionais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionaridade administrativa, e a ofensa do conteúdo essencial de direitos fundamentais invalidam os actos administrativos notificados, determinando a nulidade dos actos recorridos, estando os Recorrentes consequentemente desobrigados de proceder ao pagamento do valor que foram intimados a pagar.

  11. Deveria, consequentemente, a decisão recorrida ter considerado recorríveis os actos atacados, praticados pelos senhores Directores, e — na procedência da sua impugnação — deveriam tais actos ter sido declarados nulos ou, sem conceder, anulados.

  12. Nos termos legais, todo o acto administrativo, incluindo a respectiva fundamentação integral, tem de ser levado ao conhecimento dos interessados através da notificação.

  13. Os ofícios ns.º OF/3096/O1/DCEOD/GAJ, OF/3097/01/DCEODIGAJ, OF/3089/01/DCEODIGAJ e 0F13098/O1/DCEOD/GAJ, que veicularam a notificação aos Recorrentes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, fizeram um resumo dos alegados fundamentos do indeferimento, não juntando nem transcrevendo o texto integral dessa alegada fundamentação, nem indicando a data da prática do acto de indeferimento.

  14. A notificação da decisão recorrida aos ora Recorrentes foi incompleta, inválida e ilegal, ferindo o próprio acto recorrido de vício de forma por preterição de formalidades essenciais, determinando a sua anulabilidade.

  15. Quando o acto de notificação se distingue e não reproduz o acto que alegadamente transmitiria ao administrado, ele constitui afinal um acto autónomo, diverso e distinto, porém praticado por quem não detinha poderes para tanto.

  16. As disposições legais aplicáveis ao conteúdo e formalidades das notificações são claras e inequívocas, e a sua preterição gera, como as demais de formalidades legalmente previstas, a invalidade dos actos violadores.

  17. Não há que avaliar se a defesa dos administrados se mostrou afectada ou não. Quando a preterição de formalidades legais é real, actual e evidente, é censurável e consequente.

  18. O administrativo recorrido, que se limita a um “indefiro” (documento n.° 3 junto a RI, e facto provado constante no ponto i) da sentença recorrida), carece em absoluto de fundamentação, elemento essencial do acto administrativo, contrariamente ao pugnado na douta sentença recorrida.

  19. O despacho impugnado não assumiu de forma alguma a motivação exposta no parecer, pois se limitou a indeferir, pelo que nunca poderia considerar-se fundamentado, ainda que por mera remissão, contrariamente ao que refere a douta sentença recorrida (neste sentido v. Ac. STA de 01-03-2005, no Proc. 0761/04, in www.dgsi.pt), 21. Não se vislumbra de onde pode extrair-se a conclusão de que no caso concreto se verifica uma remissão “para o parecer n.° 0224/OUV/DAJCI2000” e não para quaisquer outros fundamentos ou opiniões externas manifestadas ao órgão decisor, ou sequer...

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