Acórdão nº 0232/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução07 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…….. e OUTROS, com os demais sinais dos autos, interpõem recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que confirmou a sentença de improcedência da impugnação judicial que deduziram contra os actos de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação da taxa prevista no artigo 16º da Portaria nº 385/2004, de 16 de Abril.

1.1.

Terminaram as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: A. A decisão do TCAS de que se recorre (i) incide sobre uma questão que envolve todos os notários portugueses, (ii) diz respeito ao tema mais importante que se coloca à fiscalidade nesta década e (iii) padece de um erro judicial patente e ostensivo.

  1. Cada uma desta tríplice fundamentante reveste este caso, por si só, de importância essencial e faz com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

  2. Subjetivamente, o tema em causa nos autos afeta, como se referiu, todos os Notários portugueses (que, no conjunto, são 350, para sermos mais exatos), tendo, cada um deles, intentado impugnações judiciais, em coligação de autores, semelhantes à presente, e que correm nos tribunais tributários.

  3. Objetivamente, está em causa o tema fiscal mais importante desta década e que é a distinção entre imposto e taxa, mais concretamente no que diz respeito ao tributo previsto no artigo 16º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril.

  4. In casu, o TCAS, numa leitura grosseiramente equivocada (com todo o respeito, que é muito) sobre a diferença conceptual entre imposto e taxa, profere uma decisão que literalmente implode com décadas de doutrina e de jurisprudência.

  5. O tributo aqui em causa é manifestamente ilegal e inconstitucional, já que configura um imposto (sendo, por isso, organicamente inconstitucional) e, mesmo que assim não fosse, seria ostensivamente ilegal, na medida em que foi cobrado sem ter sido fornecida qualquer uma das contraprestações previstas na norma.

  6. No que respeita aos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Ministério da Justiça - que seria, nos termos do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, uma contraprestação pública enquadrada na taxa em causa -, a inconstitucionalidade é evidente, visto que o Estado nunca conferiu aos Notários o acesso a qualquer sistema que justificasse o pagamento de uma taxa.

  7. A utilização dos sistemas que, no entender do Secretário de Estado da Justiça, justifica o pagamento do tributo só foram disponibilizados muitos anos depois do início do pagamento do tributo e, o que é mais grave, são disponibilizados gratuitamente a todos os cidadãos e empresas (conforme resultou provado nos autos).

    I. Ou se considera que as quantias previstas no artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 são também imputáveis à utilização desses serviços ou sistemas (o que apenas se admite por dever de patrocínio e não resulta da factualidade assente), e então a taxa é inconstitucional por violação grosseira do princípio da igualdade, ou não se considera que tais quantias são imputáveis à utilização desses serviços, e então a taxa não terá qualquer causa ou serviço concreto que a justifique, e será consequentemente um imposto, logo, inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, previsto no do artigo 165.º n.º 1, alínea i), da CRP e ilegal por violação do n.º 2 do artigo 4.º da LGT.

  8. Não há forma de escapar a um dos vícios sem cair no outro, ou então mais vale assumir, parafraseando o nome de um livro de Gomes Canotilho, que os princípios constitucionais nem sempre são para ser tomados a sério.

  9. O próprio Governo, reconhecendo tardiamente a iniquidade desta suposta “taxa”, procedeu à sua revogação, pela Portaria nº 574/2008, de 4 de Julho.

    L. O TCAS contorna esta óbvia ilegalidade, argumentando que o tributo aqui em causa é, afinal, uma “taxa de licença” que “remove um obstáculo jurídico à outorga da fé pública documental”.

  10. Este argumento - de que nem a Impugnada se lembrou - não procede por três motivos fundamentais.

  11. Em primeiro lugar, o legislador teria mentido descaradamente, pois as contraprestações previstas na norma que estabelece este tributo nada têm que ver com a “remoção” de qualquer “obstáculo jurídico” à atividade inerente à função de Notário.

  12. Em segundo lugar, uma taxa de licença estabelecia por Portaria viola o Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, que aprovou o Estatuto do Notariado, já que este regula todo o processo de atribuição de licenças de notariado, sem estabelecer qualquer tributo a cargo dos Notários para a obtenção da licença ou para a remoção de um obstáculo jurídico para o exercício da atividade.

  13. Em terceiro lugar, esta interpretação torna este tributo ilegal por violação da Lei de Autorização Legislativa, uma vez que a Lei n.º 49/2003, de 22 de agosto, que autorizou o Governo a aprovar o novo regime jurídico do notariado, atribuiu ao Governo competência para, por Decreto-Lei, definir as condições de atribuição e perda da licença e do regime de licenciamento, não podendo o Ministro da Justiça estabelecer uma taxa de licença por Portaria.

  14. Temos assim que, com todo o devido respeito, o TCAS “resolve” a inconstitucionalidade e ilegalidade apontada, transformando o tributo aqui em causa em algo que manifestamente não é - e, se fosse, violaria de forma grosseira a Lei n. 49/2003, de 22 de agosto, e o Decreto-Lei n. 26/2004, de 4 de fevereiro.

  15. No que diz respeito aos Serviços de Auditoria e Inspeção, que também se encontram elencados no artigo 16.º da Portaria, igualmente aqui não há qualquer prestação de serviços, pelo que, também nesta parte, a “taxa” do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 não consubstancia um tributo causal, mas um verdadeiro imposto “travestido” de taxa, que, nos termos da Constituição, só poderia ser criado por Lei da Assembleia da República, violando-se assim o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental.

  16. Na parte que se reporta a estes Serviços de Auditoria e Inspeção, esta taxa, se não for como parece - puramente artificial, destina-se, no máximo, a financiar as estruturas orgânicas do Estado dedicadas a tais serviços, se é que elas existem, sendo que este financiamento toma o tributo num imposto (Ac. do TC n.º 473/99) ou toma-o ilegal por ausência de contraprestação.

  17. Tal como a inspeção tributária não justifica o pagamento de uma taxa aos potenciais inspecionados, também a inspeção dos Notários não o pode justificar.

  18. O TCAS nunca...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT