Acórdão nº 0935/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução05 de Agosto de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

O BANCO A…………., S.A.

, com os demais sinais nos autos, na qualidade de credor com garantia real, apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [doravante, TAF de Leiria], ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, reclamação do despacho proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças de Leiria 2, datado de 21.10.2014, que no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3603201001065165 determinou a realização da venda do imóvel na modalidade de negociação particular e fixou o valor base a anunciar para venda.

1.2.

O TAF de Leiria, por sentença proferida em 16.03.2015, absolveu a Fazenda Pública da instância (art. 278.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi art. 2.º, alínea e) do CPTT), por entender que o Reclamante carecia de legitimidade para a propositura da reclamação.

1.3.

Inconformado, o Reclamante recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul (doravante, TCA Sul) que, por decisão datada de 22.06.2015, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, por motivo de o mesmo ter por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, para o efeito, competente a Secção do Contencioso Tributário deste STA (arts. 26.º, n. 1, alínea b) e 38.º, n.º 1, alínea a), ambos do ETAF e art. 280.º, n.º 1, do CPTT).

1.4.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1. Entendeu e decidiu o tribunal ad quo que «apenas o credor reclamante tem legitimidade para pedir a anulação do despacho que determinou a modalidade e preço da venda. Ora, não sendo nessa qualidade que o ora Reclamante se apresenta, carece de legitimidade para impugnar tal despacho (….)».

2. Ora tem entendimento contrário o ora Recorrente, na medida em que o conceito de legitimidade contido no art. 9° do CPPT é amplo, na medida em que no n° 1 de tal preceito é dito que «Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. (…)» 3. Ora, atendendo ao prescrito em tal normativo legal, qualquer contribuinte poderia reclamar de tal despacho.

4. Não obstante de o ora Recorrente não ter reclamado créditos, entende o Requerente que nada o impede que intervenha na venda que estava agendada e/ou reclame quer da modalidade, quer do preço venda.

5. Nesta senda, tendo o Recorrente exercido um direito que lhe é conferido pela lei nos termos do supra exposto, o tribunal ad quo deveria ter apreciado o despacho em causa uma vez que dispõe a Lei Geral Tributária no seu art. 55º que «À administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

».

6. Não obstante de tal preceito, dispõe a LGT no art. 56° o seguinte: Artigo 56.º Princípio da decisão 1 - A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo. (...) 7. Ainda na linha da defesa do seu direito, é de frisar o artigo 824° do Código Civil, cuja epígrafe é «Venda em execução» - aplicável ao processo tributário nos termos do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT - o qual dispõe no seu n.º 3 que “os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.” 8. O ora Recorrente tem um real interesse na venda do bem em execução, na medida em que o seu direito de garantia real é ainda válido e existente e digno de proteção, independentemente de ter reclamado ou não os seus créditos no âmbito do processo de execução fiscal.

9. Pelo que entende o ora recorrente que tem toda a legitimidade para reclamar da decisão do órgão de execução fiscal no que concerne à venda do bem sobre o qual incide uma hipoteca a seu favor.

1.5.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.6.

Devidamente notificadas as partes da decisão do TCA Sul, veio o Recorrente Banco A………., SA, requerer que os presentes autos sejam sustados - aduzindo que o executado no processo de execução fiscal B………….. foi, entretanto, declarado insolvente por sentença proferida em 04.05.2015 pelo Tribunal da Comarca de Leiria juntando para o efeito cópia do respectivo Edital (cfr. fls. 281) e cópia da sentença de declaração da insolvência (cfr. fls. 283 a 292) - e apensados ao respetivo processo de insolvência, ou caso assim se não entenda, a remessa dos autos a este STA (cfr. fls. 280/280v.).

1.7.

Por despacho exarado a fls. 295 foi determinada a remessa dos presentes autos a este STA.

1.8.

O digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer nos seguintes termos: “Recurso interposto por Banco A…………, S.A., no processo de reclamação que apresentou, nos termos do art. 276.º do C.P.P.T. sendo recorrida a Administração Tributária e Aduaneira (A.T.): O objeto do recurso é a legitimidade da recorrente para apresentar a dita reclamação, o que efetuou, quanto ao valor pelo qual os prédios misto e urbano, propriedade dos executados B………. e mulher foram postos à venda na modalidade de negociação particular, apesar de não ter reclamado oportunamente o seu crédito, o que foi tido por essencial para se decidir pela sua ilegitimidade.

A recorrente invoca ter legitimidade, conforme previsto no artigos 9.º do C.P.P.T., o que associa ao princípio da decisão que impende sobre a A.T. tal como consagrado nos artigos 55.º e 56.º da L.G.T. e ainda a ter um direito real de garantia, pois, não sendo credor não reclamante, o seu direito, segundo o disposto no 824.º n.º 3 do C. Civil, transfere-se para o produto da venda.

Ora, o direito a reclamar/recorrer da dita decisão é apenas reconhecido quanto ao executado - o sujeito passivo da relação tributária, ou contribuinte, na fórmula do invocado art. 9º do C.P.P.T. - e a terceiros titulares de interesse legítimo que sejam afetados pelo decidido, nos termos do expressamente previsto no art. 276.º do C.P.P.T.

O credor com garantia real não só não se enquadra nesse conceito de terceiro, o que em processo executivo tem um sentido próprio, como parece não ser de considerar titular de um “interesse legítimo” afetado, no sentido de diretamente lesado pela decisão proferida.

Com efeito, não se encontra previsto que seja notificado da venda, o que é entendido quanto aos executados e credores reclamantes de créditos com garantia real, nos termos do art. 812.º n.º 6 do C.P.C., disposição que é tida de aplicação subsidiária em processo de execução fiscal, conforme decidido já pelo S.T.A. no seu acórdão de 12-2-14, proferido no processo 51/14, acessível em www.dgsi.pt.

Mesmo face ao conceito de “interesse legalmente protegido” - próximo daquele mas não coincidente -, pelo qual se garante constitucionalmente o direito dos cidadãos nas decisões que pessoalmente lhes digam respeito art. 267.º n.º 5 da C.R.P. - tem sido entendido também depender de ser “directamente afectado pelo decidido, em face de uma situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico” - assim, Jorge Lopes de Sousa, em C.P.P.T. Anotado e Comentado, vol. I, 6.ª ed., 2011, p. 120; e na doutrina administrativa, antes, Rui Machete, em Estudos de Direito Público e Ciência Política, 1991, ed. da Fundação Oliveira Martins, p. 428, Freitas do Amaral, em Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2002, p. 68, criticando outras posições.

Não bastará a tal o previsto quanto ao direito de crédito do reclamante ser transferido ainda para o produto da venda, nos termos do previsto no art. 824.º n.º 3 do C. Civil, no quadro do previsto no anterior n.º2, segundo o qual caduca o invocado direito real de garantia.

Concluindo: O credor titular de um direito real de garantia real, que não reclamou o seu crédito em execução fiscal, não goza de legitimidade para reclamar, nos termos do art. 276.º do C.P.P.T. quanto à decisão que fixou o valor para a venda, porquanto não é executado, nem é de considerar como titular de...

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