Acórdão nº 0229/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A………….., SA, com os sinais dos autos, veio, ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 144.º e do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de Outubro de 2014, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 10 de Setembro de 2013, que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidação adicional de IRC do ano de 2009, no montante de EUR 13.539.227,91, apresentando para tal as seguintes conclusões: (

  1. Nos termos do número 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

(b) A verificação da relevância jurídica deverá ser apreciada, de acordo com a jurisprudência, não em função do interesse teórico ou académico da questão, mas do seu interesse prático; já a relevância social da questão verificar-se-á quando estiver em causa uma questão que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da questão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio e se detecte um interesse comunitário significativo na resolução da questão e objectivo e da sua susceptibilidade de se expandir para além dos limites da situação singular.

(c) A necessidade de garantir a melhor aplicação do direito verifica-se quando estão em causa matérias importantes e que podem relevar num grande número de casos que sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se, por esse motivo, a intervenção do órgão de cúpula da justiça.

(d) No caso sub judice a questão relevante é a de saber se ocorre um conflito de leis – entre a lei comercial portuguesa e a lei comercial estrangeira – quando ocorre a dissolução de uma sociedade com sede no estrangeiro que é participada por sócios com sede em Portugal e, nessa sequência, qual a lei – a portuguesa ou a estrangeira – a aplicar para concluir quanto aos efeitos de tal dissolução na esfera dos sócios com sede em Portugal.

(e) Num contexto, como o actual, em que o investimento português no estrangeiro, nomeadamente através da participação em sociedades, assume uma importância cada vez maior, em grande parte decorrente dos fenómenos de globalização a que temos vindo a assistir e da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais potenciada especialmente pela União Europeia e pela criação da zona euro, é manifesta a importância da questão de saber que lei – a portuguesa ou uma estrangeira – aplicar para determinar o tratamento da aquisição de activos adquiridos pelo sócio sujeito passivo de IRC (ou de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – IRS) no âmbito da dissolução de uma sociedade estrangeira, questão prévia da determinação do enquadramento, em IRS e IRC, da alienação de tais activos.

(f) Trata-se de uma questão cuja relevância jurídica e social decorre também da inexistência de jurisprudência ou doutrina sobre o tema e do impacto que a questão assume, a singrar a doutrina vertida no acórdão recorrido, na decisão de investimento em sociedades estrangeiras.

(g) Estamos, portanto, perante uma questão com potencial para extravasar os limites do caso sub judice e vir a ser relevante em futuros litígios.

(h) Acresce que estamos perante uma questão de interesse jurídico marcadamente prático, porque da resposta que lhe for dada resultarão consequências práticas relevantes, pelo que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

(i) Encontram-se assim preenchidos ambos os requisitos que em alternativa o número 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi da alínea c) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, exige para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, pelo que o presente recurso de revista deverá ser admitido.

(j) Resulta dos dados relevantes no presente processo que, quer a Administração Tributária, quer o Tribunal Tributário de Lisboa tomaram de facto como pressuposto expresso da correcção em discussão que a dissolução da sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas e que aí tem a sede principal e efectiva da sua administração no âmbito da qual a Recorrente adquiriu a participação que está na origem da correcção em discussão se regeu pelo artigo 150.º do Código das Sociedades Comerciais, pressuposto este sancionado pelo Tribunal a quo.

(k) Estamos assim não no domínio da interpretação da lei, mas da sua aplicação.

(l) A dissolução de uma sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas no âmbito da qual foi adquirida uma participação numa sociedade cuja menos-valia não foi considerada dedutível para efeitos de dedução do lucro tributável em IRC do sócio da sociedade dissolvida, um sujeito passivo deste imposto residente em território português, tem conexão não apenas com o ordenamento jurídico português mas também com o ordenamento jurídico das Ilhas Virgens Britânicas, pelo que se trata de uma situação relativamente internacional.

(m) Porque as leis em presença naquela situação não preveem um regime semelhante, há que determinar qual a lei a aplicar nas diferentes vertentes para dirimir o conflito de leis.

(n) Nos termos do artigo 33.º do Código Civil e do artigo 3.º do Código das Sociedades Comerciais, a lei pessoal de uma sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas e que aí tem a sede principal e efectiva da sua administração é a lei das Ilhas Virgens Britânicas.

(o) Ainda nos termos do artigo 33.º do Código Civil, à lei pessoal compete em especial regular, entre outros, a “dissolução e extinção da pessoa colectiva”.

(p) Em conformidade, o regime aplicável à dissolução e extinção (nomeadamente por liquidação) de uma sociedade cuja sede principal e efectiva da administração se situa nas Ilhas Virgens Britânicas não é o que se encontra no Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente no artigo 150.º respectivo, mas o que decorre da legislação das Ilhas Virgens Britânicas.

(q) Por este motivo, o efeito que a dissolução da sociedade cuja sede principal e efectiva da administração se situava nas Ilhas Virgens Britânicas produziu na esfera da Recorrente relativamente à participação alienada, em concreto os termos e momento em que esta aquisição ocorreu, deve ser determinado não por recurso ao Código das Sociedades Comerciais, como de facto preconizaram a Administração Tributária, o Tribunal Tributário de Lisboa e o Tribunal a quo, mas por referência à legislação das Ilhas Virgens Britânicas.

(r) Ao abrigo daquela lei, aplicável por força da norma de conflitos antes referida, as decisões escritas do administrador único e do acionista único que foram tomadas em 2009 legitimavam a contabilização da detenção da participação no exercício de 2009 e, consequentemente, o reflexo fiscal da menos-valia apurada por referência ao mesmo exercício de 2009.

(s) Não foi assim violado o princípio da especialização dos exercícios plasmado no artigo 18.º do Código do IRC, já que a menos-valia em análise “dizia respeito” ao exercício de 2009, pelo que foi correctamente imputada pela Recorrente a tal exercício.

(t) O acórdão recorrido incorreu, assim, num manifesto erro de julgamento ao validar a não aceitação da dedução efectuada pela Recorrente para efeitos de apuramento do seu lucro tributável de 2009 relativa a 50% da menos-valia fiscal realizada relativamente à participação que a Recorrente adquirira no processo de dissolução e liquidação de uma sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas, por si detida, que produziu os seus efeitos relevantes no exercício em causa, devendo, em consequência, ser dado provimento ao presente recurso de revista.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: 1. O presente recurso vem interposto do acórdão de fls. 237 e seguintes do TCA Sul, de 30/10/2014 (proc. 07231/13), ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA para efeitos de uniformização de...

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