Acórdão nº 0956/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 583/12.2BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……………, S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrida) contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2005, 2006 e 2007 e respectivos juros compensatórios, anulou estes actos tributários.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelo A………….., S.A., na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa por si apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.

II - Decidiu a douta sentença recorrida que o pedido formulado pela impugnante deveria proceder, considerando que nas operações de locação financeira, o IVA incide sobre o valor da contrapartida recebida ou a receber do locatário, ou seja sobre a renda, pelo que, é esta que deve constar da fracção de cálculo do pro-rata, e não apenas a parcela respeitante ao juro.

III - Todavia, e com a devida vénia, não podemos concordar com o entendimento preconizado no douto aresto, na medida em que o mesmo estribou a sua fundamentação numa interpretação das normas – quer de direito interno quer de direito comunitário – não consentânea com o princípio da neutralidade.

IV - Entende a AF que, sempre que se mostre exequível, a imputação do Iva suportado nas aquisições (inputs) deverá ser efectuada directamente, ou seja, o imposto contido nos inputs deve ser segregado por tipo de actividade, existindo contudo certos bens e/ou serviços que são utilizados indistintamente em actividades sujeitas e isentas, sendo de extrema dificuldade proceder à sua imputação de uma forma directa. São os designados custos comuns ou mistos.

V - Verificando-se o exercício simultâneo de actividades isentas sem direito à dedução e de actividades sujeitas a IVA que conferem esse direito, gera-se um direito à dedução incompleto e, consequentemente, a sujeição à disciplina prevista no art. 23.º do CIVA, para efeitos de determinação do montante de imposto dedutível, cujo apuramento poderá ser feito através de um de dois métodos: o do “pro rata” e o da afectação real.

VI - No método do “pro rata” o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que confiram o direito à dedução (relativamente ao volume total de negócios).

VII - Na situação “sub judice”, o sujeito passivo renunciou à isenção de Iva com referência a determinados contratos de locação financeira imobiliária sendo que, para a imputação dos designados custos comuns ou mistos, optou pela aplicação do método pro-rata, entendendo dever, para o efeito, fazer constar na fracção quer os outputs tributados obtidos em resultado dessa actividade (juros) quer também a componente de capital contida nas rendas pagas pelos locatários, em virtude de sobre ela, conforme alega, também incidir Iva.

VIII - Porém, a componente capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo de percentagem de dedução em virtude de não constituir rendimento da actividade do sujeito, ao contrário de todos os outros elementos que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, para além de provocar distorções significativas na tributação (ao relacionar variáveis não comparáveis e com natureza distinta), também desvirtuaria não apenas o próprio método pro-rata mas todo o sistema de dedução de IVA, ao reconhecer como dedutível o imposto contido em custos que não contribuíram, nem sequer se relacionaram, com as operações tributadas.

IX - É, pois, à luz do princípio da neutralidade fiscal que deve ser interpretado o artigo 23.º do CIVA, e reconhecido o método de cálculo da percentagem de dedução (pro-rata) nele previsto, ou seja, o seu propósito não pode ser outro que não o de assegurar a neutralidade, de forma que a tributação efectiva que dele resulte corresponda à tributação do valor acrescentado gerado pela operação realizada a jusante.

X - Na douta sentença de que ora se recorre, não foi ponderado que os custos comuns ou mistos que se querem imputar por força da aplicação do art. 23.º do CIVA, devem ter contribuído para a realização das operações elegíveis na fórmula de pro-rata.

XI - Sendo que, as operações para as quais contribuíram tais custos comuns ou mistos são aquelas que utilizaram e incorporaram esses custos para gerarem valor acrescentado.

XII - Este pressuposto assenta na base que subjaz ao sistema comum do IVA concretizado no princípio da neutralidade fiscal que deve ser atendido na “ratio legis” da norma invocada.

XIII - Ou seja, não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem figurar na fracção de pro-rata mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito da actividade económica do sujeito passivo, tenham utilizado e incorporados custos comuns ou mistos para gerar valor acrescentado.

XIV - Na operação de locação financeira, – consubstanciando-se a verdadeira prestação do locador na cedência do bem – esse valor acrescentado advém da cedência do uso do bem objecto de locação, através da qual o locador obtém os rendimentos (juros) decorrentes do exercício da sua actividade económica.

XV - Pelo que, é na formação deste rendimento (juro) que são utilizados e incorporados os custos comuns ou mistos que se pretendem imputar em função do método pro-rata.

XVI - Os custos comuns ou mistos suportados pelo locador numa operação de locação financeira, não podem ter contribuído para a componente amortização financeira contida na renda, em virtude desta, consistindo num mero reembolso de capital, não gerar qualquer valor acrescentado ou acréscimo patrimonial na sua esfera, passível de ter incorporado tais custos, ou estes a existirem, serão de grau muito insignificante.

XVII - Os custos comuns ou mistos incorridos pelo locador também não se podem relacionar com o bem objecto de locação porquanto todos os custos que lhe estão associados são, na vigência do respectivo contrato de locação financeira, da responsabilidade do locatário; sendo este – locatário – quem assume o risco pela coisa, quem se responsabiliza pelo seu uso e pela sua adequação à rentabilidade desejada, quem providencia pela sua manutenção, suportando o seu desgaste físico e económico a sua depredação, obsolescência ou perda; XVIII - Em suma, se os custos comuns ou mistos em presença não contribuíram para a componente amortização financeira, não lhe poderão ser imputáveis.

XIX - A diferenciação entre as componentes que integram a renda paga num contrato de locação financeira é notória, também, na contabilização das operações sendo que: o registo contabilístico da amortização financeira tem como finalidade a redução dum crédito concedido pelo locador, enquanto que o montante respeitante a juros influencia o resultado do exercício.

XX - Para alcançar a proporcionalidade pretendida pela fórmula pro-rata, no denominador devem constar todas as operações previamente elegíveis (geradoras de valor acrescentado em resultado do exercício da actividade económica do sujeito passivo, nas quais foram incorporados os custos comuns em causa), e no numerador, dessas operações, apenas as tributadas (e as isentas com direito à dedução).

XXI - Assim, com referência à renda de locação financeira, se os custos comuns não são imputáveis à componente amortização financeira por não terem contribuído para a formação do seu valor, por exclusão de partes, esta não poderá constar na fracção de pro-rata, que pretende justamente imputar tais custos em função da sua contribuição para as operações relacionadas, as quais deverão ser, concomitantemente, apenas os juros.

XXII - É, pois, nossa firme convicção que a douta sentença ora recorrida ofende o princípio da neutralidade fiscal revelando uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º do CIVA bem como do disposto no artigo 17.º, n.º 5 da Directiva do IVA, motivo pelo qual não deverá manter-se na ordem jurídica.

XXIII - Caso assim não se entenda, e uma vez que a questão controvertida ainda não foi tratada, directamente, pelo TJCE, suscita-se o reenvio prejudicial, com a consequente suspensão da presente instância, por forma a que aquele Tribunal se pronuncie sobre a seguinte questão: Tendo a renda paga num contrato de locação financeira duas componentes – amortização financeira e juros –, deverão ambas ser consideradas no denominador do “pro rata”, ou, deverá somente considerar-se a componente relativa a juros, na medida em que apenas estes consubstanciam a remuneração da actividade de locação financeira? Termos em que, a) concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. E, subsidiariamente, b) caso se entenda que está subjacente ao presente processo uma questão de direito Comunitário, prejudicial ao conhecimento do mérito da causa, requer-se o reenvio da presente acção para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para esclarecimento da questão supra enunciada, bem como a suspensão dos presentes autos até prolação de decisão».

1.3 A Recorrida não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, e acolhendo promoção do Procurador-Geral Adjunto nesse sentido, foi suspensa a instância até que fosse decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a questão que lhe foi colocada por este Supremo Tribunal Administrativo em sede de reenvio prejudicial no processo n.º 1017/12, através de acórdão...

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