Acórdão nº 0808/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução18 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MUNICÍPIO DE SINTRA [MS] interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença de 06.03.2014 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC de Lisboa] que, concedendo provimento ao recurso contencioso de anulação [RCA] interposto por A………. . Lda. [A………], anulou a deliberação de 01.04.1993 da CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA [CMS], com fundamento em vício de violação de lei por «erro sobre os pressupostos de facto e de direito».

    A deliberação anulada tinha determinado a cassação do alvará de loteamento nº5/89, de que era titular a recorrida A….., por o respectivo terreno se situar em «reserva ecológica pelas inclinações», e tinha considerado nulas as deliberações camarárias referentes a uma outra urbanização também requerida pela A……, por a mesma «se situar em leito de cheias da Ribeira das Jardas».

    1. Conclui assim as suas alegações: A) Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença de 06.03.2014, a qual concedeu provimento ao recurso e anulou a deliberação recorrida de 01.04.1993, de cassação do alvará nº5/89, de que era titular a ora recorrida, com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito; B) Em causa está a deliberação da CMS de 01.04.1993, que decidiu pela cassação do alvará nº5/89, de 09.03, de que era titular a autora, e que determinou o seguinte: «…ir-se-á cassar o alvará referente à urbanização que está em reserva ecológica pelas inclinações e ir-se-ão considerar nulas e de nenhum efeito as deliberações de Câmara para a urbanização que está em leito de cheias, da Ribeira das Jardas» [ver proposta de deliberação vertida na acta de reunião de 01.04.1993]; C) São duas as circunstâncias de facto onde assenta o acto sindicado, o facto de a urbanização se situar em situação de «reserva ecológica pelas inclinações» e o loteamento anterior relativo à «Quinta de Baixo» se encontrar em «leito de cheias da Ribeira de Jardas»; D) Quanto a tal, o tribunal «a quo» considerou que os elementos de prova [documentos; plantas; extractos; e cartas], são insuficientes para a demonstração desses factos, mas não justifica porque é que assim entende; E) Apenas considera provado [facto 21] que o terreno confronta com a «Ribeira das Jardas» e que essa linha de água integra a REN, mas daqui, na aplicação do direito nada mais refere nem conclui; F) São claros e evidentes os condicionamentos ao alvará desde a sua emissão e que se prenderam desde sempre com a situação do terreno se encontrar em leito de cheia, e como tal em REN, situação que fora levantada já em 1981 pela então Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, que se manifestou no sentido de o terreno situado na margem esquerda da ribeira de Barcarena, é totalmente inundado pelas cheias daquele curso da água e por isso considera inconveniente a efectivação de construções em terrenos adjacentes à linha de água; G) A deliberação camarária que aprovara o loteamento, já fora também questionada pela ex-Direcção Geral do Planeamento Urbanístico, promovendo a DGOT que a então Inspecção Geral do Território promovesse acção com vista à declaração de nulidade da deliberação, acção essa que veio a correr termos; H) Não restava outra alternativa à recorrente que não a de determinar a cassação do alvará nº5/89, o que fez, e bem, por via do acto sindicado; I) Nada disto foi sequer considerado em sede de sentença, apesar de constar do elenco dos factos provados a existência de condicionantes do alvará [pontos 9 e 10]; J) Entende o tribunal que caberia à aqui recorrente fazer prova do preenchimento dos pressupostos do acto recorrido, e que, a não ter feito, conduz à procedência do vício apontado pelo aqui recorrido; K) Sem conceder, e considerando o infra afirmado, não recai sobre a entidade demandada o ónus da prova relativamente ao preenchimento dos pressupostos do acto recorrido, porque a autora afirma o contrário, e como tal cabe-lhe a si, fazer a prova do que afirma pela negativa; L) Do historial do processo decorre claramente que nunca o tribunal conseguiu concluir, com a certeza que se impõe, relativamente à manutenção ou anulação do acto sindicado, daí as várias decisões proferidas ao longo do tempo; M) A consideração de que os elementos de prova não são elucidativos da fundamentação de facto do acto recorrido, não poderia conduzir simplesmente à procedência do vício de violação de lei, como faz o tribunal; N) Considera-se que, perante a clara situação de dúvidas na leitura dos elementos Documentais, o tribunal «a quo» não poderia ter resolvido a favor do ora recorrido, anulando o acto sindicado, precisamente e na medida em que o recorrido não faz prova do direito que alega, da factualidade que assume desde o início deste recurso contencioso; O) A evidente insuficiência/omissão de resposta a questões essenciais para a tomada de decisão por parte do tribunal, importa a nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC [aplicável ex vi artigo 102º da LPTA] e conduz à nulidade da decisão, por violação, neste caso, do disposto no artigo 342º do Código Civil, 410º e 662º do CPC; P) Não há dúvidas que as margens da «Ribeira das Jardas» integram a «Reserva Ecológica Nacional» [ver DL nº166/2008, de 22.08, que estabelece o Regime Jurídico da REN, que, como restrição de utilidade pública que é, estabelece um conjunto de condicionamentos à ocupação, uso e transformação do solo, visando que esse uso do território seja sustentável, abrangendo um conjunto de áreas que, nomeadamente, pela exposição e susceptibilidade perante riscos naturais, são objecto de protecção especial]; Q) Essa integração em REN, por localização em leito de cheia, decorre da documentação junta aos autos, nomeadamente da leitura dos documentos 1, 16 e 17; R) Também não há dúvidas que a parte do terreno oposta à «Ribeira», tem uma pendente fortemente inclinada para norte, conforme resulta das curvas de nível e das linhas que indicam a existência de taludes, com forte inclinação [documentos/plantas - 1, 15 e 18 - relativamente aos declives]; S) Tal decorre quer dos documentos juntos aos autos, pela ora recorrente, quer em 2005, quer em 2009, bem como das explicações dadas por um técnico da entidade demandada relativamente à leitura desses documentos; T) As alterações significativas sofridas no local, nomeadamente pela intervenção do «Programa Polis …….. S.A.», iniciadas em 2003, não alteram em nada o circunstancialismo do acto sindicado, nem impossibilitam, como afirma o aqui recorrido, a comprovação daquele circunstancialismo; U) Aliás, a posição da autora, ora recorrida nestes autos, tem sido sempre a da afirmação pela negativa do circunstancialismo onde assenta o acto, sem qualquer sustentação, embora tenha exercido o contraditório relativamente aos documentos/plantas juntos pelo aqui recorrente, o que fez do mesmo modo, afirmando ao contrário, sem justificação; V) Considera-se que o tribunal dispunha de todos os elementos para concluir pela fundamentação de facto e de direito do acto recorrido e pela manutenção na ordem jurídica, com as devidas consequências, da deliberação recorrida de 01.04.1993, de cassação do alvará nº5/89; W) Da observação atenta das plantas juntas aos autos é visível a existência da «Ribeira das Jardas», as margens adjacentes da mesma e o leito de cheias, de conhecimento público, aliás pela gravidade das cheias ocorridas em 1983, amplamente difundidas atentas as consequências gravosas das mesmas e que importaram a ponderação das regras básicas de ordenamento do território; X) É também evidente dos documentos/plantas a existência dos declives [mais de 30% de inclinação, conforme legenda do documento 18] no terreno e dos taludes em área de protecção do IC/19, anterior EN/249, prova da inserção em zona de inclinações; Y) Por isso se afirma que foram devidamente comprovados os factos sustentadores do acto sindicado; Z) Na fundamentação da sentença não foram considerados factos, que se consideram essenciais e notórios, e que constam dos autos, nem dos mesmos foi feita a devida análise, de forma crítica, como é exigível, e por isso, não foram especificados os fundamentos da convicção que foi tomada pelo juiz; AA) Esta manifesta insuficiência de fundamentação de facto e de direito, da decisão, e a omissão de pronúncia especificada e sustentada relativamente a cada um dos elementos carreados para os autos, no sentido de justificar a decisão tomada, conduz à nulidade da sentença [artigo 615º,nº1 alíneas b) e d), do CPC, aplicável ex vi artigo 102º da LPTA], o que se alega para todos os efeitos, porque há a violação clara, nomeadamente do DL nº468/71 de, 05.11 [o Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Público Hídrico] e do DL nº166/2008, de 22.08 [Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional – REN].

      Termina pedindo o provimento do presente recurso jurisdicional, com todas as consequências legais.

    2. A recorrida A…….. contra-alegou, concluindo deste modo: 1) O recorrente, MS, atribuiu à douta sentença recorrida, nas conclusões das suas alegações, em síntese, os seguintes vícios: [i] errada repartição do ónus da prova, [ii] omissão de pronúncia e [iii] falta de fundamentação; 2) No que respeita à errada repartição do ónus de prova, o tribunal «a quo» julgou que não foi feita prova da verificação dos fundamentos ou pressupostos do acto. E, mais julgou que não cabia à ora recorrida a demonstração dos factos negativos, cabendo antes à ora recorrente a demonstração do preenchimento dos pressupostos do acto recorrido, tendo sustentado este entendimento com jurisprudência e doutrina [ver folhas 563 e 564]. Bem julgou o tribunal «a quo» [no sentido da decisão recorrida vai o ensinamento de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, páginas 443-447]; 3) Sobre a alegada omissão de pronúncia o ora recorrente não especificou as questões sobre as quais o tribunal «a quo» alegadamente não se terá pronunciado e que deveria ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT