Acórdão nº 0188/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução01 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de fls.119 e seguintes, que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal instaurada no serviço de finanças de Lisboa 8, com vista à cobrança da quantia de € 2.372,01 euros, relativa ao IMI do ano de 2012, incidente sobre fracções autónomas pertença da República de ..............

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da recorrente. Na verdade 2- A sentença recorrida, padece dos vícios de violação de lei, por infracção ao art. 204.º n.º 1 al. b) do CPPT, e, bem assim, por infracção ao princípio da igualdade e da legalidade; 3- Entendeu o Tribunal “a quo”, por remissão para o Acórdão do TCA Sul, de 10 de Julho de 2014, processo n.º 7445/14, que “a isenção referida no art. 23.º n.º 1 da Convenção sobre Relações Diplomáticas é um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, sendo que se impõe aos tribunais recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado, considerando que as suas normas, quando publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este (art. 8.º da Constituição da República Portuguesa).

E, assim é, quando se discute esta realidade não se está a disputar sobre a ilegalidade concreta, mas sim sobre a ilegalidade abstracta do acto tributário subjacente à divida exequenda, assente no supra citado artigo 23.º, n.º 1 da Convenção sobre Relações Diplomáticas. O que constitui fundamento de oposição com previsão na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT” 4- Salvo o devido respeito, que muito é, não se pode deixar de discordar, frontalmente, com tal entendimento sufragado, pois tal decisão, não faz uma correcta aplicação da lei e do direito.

5- Na verdade o artigo 204.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, preconiza que “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação” 6- Assim, seguindo os ensinamentos de JORGE DE SOUSA, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, p. 443 e ss., “na al. a) do n.º 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização”.

7- E ainda, seguindo o entendimento deste ilustre autor, “está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado”.

8- Pelo que face ao exposto retro, dúvidas não podem restar de que estamos perante um caso de ilegalidade em concreto e não em abstracto.

9- Na verdade, para estarmos perante ilegalidade em abstracto, teria de se discutir se a própria lei que é objecto de aplicação padece de vícios de violação de lei superior, mas já não a liquidação, ou seja, não se reporta o acto relativo da lei ao caso concreto, 10- Ora, a liquidação em causa, subjacente à presente execução fiscal, emitida que foi em conformidade e seguindo as directrizes que o Código do IMI impõe.

11- Sendo que, nem o CIMI, nem qualquer concreta norma constante do mesmo diploma, padece de ilegalidade, seja por postergação de lei fundamental, seja por violação de tratado ou Convenção Internacional.

12- Assim, não padecendo a lei em vigor, no momento da prática do acto tributário e a este subjacente, de qualquer vício, não poderá ser qualificada como legalidade abstracta.

13- Face ao antedito, o que a oponente pretendeu, ainda que de forma encapotada, sempre foi discutir a legalidade em concreto, o que, na esteira do entendimento uniforme dos nossos tribunais superiores, bem como sabemos que não se afigura possível em sede de oposição à execução fiscal 14- Na verdade, aquando da notificação da nota de liquidação deveria, a ora oponente, ter lançado mão da impugnação judicial pois nessa sede teria cobertura legal atacar o pretendido, erradamente, por esta, em sede de oposição à execução fiscal.

15- Finalmente, não pode deixar de aqui se trazer à colação o basilar princípio da igualdade, que foi postergado e desrespeitado neste caso concreto da recorrente, desse modo se violando também e de forma ostensiva a Lei Fundamental.

16- De facto, a Convenção antedita postula uma verdadeira isenção, contrariamente à qualificação jurídica dada pelo tribunal “a quo” por remissão do acórdão do TCA Sul supra citado, pelo que, mal se compreende que uma isenção resultante do direito interno, maxime benefício fiscal, se o contribuinte não impugnar uma liquidação erradamente emitida, o mesmo já não possa, como não pode, em sede de oposição à execução fiscal alegar a ilegalidade em abstracto, e outrossim uma isenção resultante de convenção internacional já seja concedida toda esta panóplia de direitos de defesa.

17- Destarte, a quanto alegado se deixa reiterado, a sentença recorrida, padece do vício de violação de lei, por infracção ao artigo 204.º n.º 1 alínea b), do CPPT além de consubstanciar postergação da Lei Fundamental, maxime princípio da igualdade e da legalidade.

Termos em que, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais.

Todavia, em decidindo, Vossas Excelências farão a acostumada Justiça!».

2 – A entidade recorrida apresentou as suas contra alegações, tendo concluído da seguinte forma: «1. Constitui um privilégio de direito internacional, que decorre da imunidade diplomática, a isenção de imposto prevista no artigo 23.°, n.° 1 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

  1. Pelo artigo 8.°, n.° 2 da Constituição, a Convenção de Viena vigora no ordenamento jurídico português, com força supra legal e infra constitucional.

  2. A norma contida no artigo 23°, n.° 1 da Convenção prevalece sobre a lei ordinária interna, impedindo que se aplique à República de ............. ou à sua Embaixada em Portugal, a lei nacional em matéria de definição e fixação de tributação, e que se estabeleça uma relação tributária. Como consequência, a República de ............. ou a sua Embaixada em Portugal não podem ser contribuintes no Estado Português.

  3. Assim, não só a liquidação de IMI, tal como tem sido feita pela Administração Tributária é ilegal, como que essa ilegalidade decorre da inexistência do imposto nas leis em vigor em Portugal, constituindo, por isso, fundamento para oposição à execução, de acordo com o artigo 204.°, n.° 1 alínea a) do CPPT.

    Tal é, salvo melhor opinião, o nosso parecer.» 3 – O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, com a seguinte fundamentação que, na parte mais relevante se transcreve: «(….) No que se refere ao fundamento previsto na alínea a) do nº1 do artigo 204 do CPPT, refere Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado, 3 edição, pág. 971), que “está-se, aqui, perante aquilo que se designa por ilegalidade abstracta da liquidação, por a ilegalidade não residir directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Cabem aqui todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente...

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