Acórdão nº 01040/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….. e B………….., com os demais sinais dos autos, contra as liquidações de IRS dos anos de 2004, 2005 2006, nos montantes, respectivamente, de € 2.013,42, € 1.892,28 e € 1.824,00.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: I. A presente impugnação versa sobre as liquidações adicionais de IRS, relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006 melhor identificadas nos autos.

  1. A M.ma Juíza do Tribunal a quo na douta sentença ora recorrida julgou a presente impugnação judicial procedente por haver, no essencial, entendido - sustentando-se em jurisprudência proferida pelos Tribunais da Relação do Porto e de Coimbra - que, no caso ora em apreço, o acordo de regulação do poder paternal no qual se estabeleceu a obrigação de prestar alimentos às filhas menores do aqui Impugnante se mantinha válido, para os efeitos previstos no art. 56º do CIRS, não obstante uma daquelas descendentes ter, entretanto, atingido a maioridade.

    Porém, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública entende que tal decisão padece de erro de julgamento decorrente de errada interpretação e, consequente, aplicação do direito, maxime do preceituado nos arts. 56º do CIRS e 1877º e 1880º ambos do CC, pelos argumentos que de seguida se expõem.

  2. Para que haja lugar ao abatimento ao rendimento líquido total de IRS dos valores respeitantes às pensões de alimentos previsto naquele art. 56º do CIRS são dois os requisitos cuja verificação se impõe, a saber, “(i) que as importâncias em causa tivessem sido comprovadamente suportadas e não reembolsadas e que (ii) tais encargos com pensões decorressem de uma obrigação do sujeito passivo resultante de sentença judicial ou acordo homologado nos termos da lei civil” IV. A discordância entre o sujeito passivo e a Administração Tributária circunscreveu-se à verificação daquele segundo pressuposto, sendo questão decidenda a de saber se os valores pagos pelo sujeito passivo marido à sua filha J... após a sua maioridade podem ser qualificadas como “importâncias (...) respeitantes aos encargos com pensões de alimentos a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo homologado nos termos da lei civil” e, por conseguinte, se devem influenciar negativamente o imposto devido, nos termos previstos no art. 56º do CIRS.

    Como decorre da posição assumida nos presentes autos, entende a Administração Tributária que a resposta a tal questão tem de ser negativa.

  3. Em primeiro lugar, importa que se refira que mesmo em situações de inexistência de litígio entre progenitores e descendentes, como a dos presentes autos, não se revela desproporcionado, nem desrazoável o recurso às vias judiciais - seja obtendo sentença judicial, seja por via de homologação de acordo particular - atentos os motivos que levaram o legislador, no plano tributário, a estabelecer como pressuposto daquele abatimento uma especial prova da veracidade e plausibilidade dos encargos patrimoniais invocados, maxime para prevenir a ocorrência de situações de fraude fiscal.

  4. Importa, ainda, que se refira que a jurisprudência citada na decisão ora em recurso não se demonstra pacífica.

    Ao invés, são várias as decisões jurisprudenciais que, interpretando os arts. 1878º e 1880º do CC, deliberam que “a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores cessa quando eles atinjam a maioridade legal” e que o direito a alimentos a que se reporta o art. 1880º carece de reconhecimento judicial dos seus pressupostos.

  5. Salvo melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a melhor interpretação daqueles preceitos legais é a acima referida.

    Donde decorre que, no caso concreto, por não haver ocorrido, posteriormente à maioridade da filha do Impugnante, o dito reconhecimento judicial se tenha que concluir pela não verificação daquele segundo dos requisitos estabelecidos no art. 56º do CIRS.

  6. Neste sentido, e acompanhando de perto o citado acórdão do TCAN de 27.03.2014, poder-se-á dizer que, por regra, as obrigações que recaem sobre os pais - designadamente as de prover ao sustento segurança, saúde e educação dos seus descendentes - cessam quando estes atingem a maioridade.

  7. Excepcionalmente, tais deveres dos pais poderão estender-se para além daquele período desde que os interessados provem a verificação do condicionalismo estabelecido no art. 1880º do CC.

  8. O que implica que se conclua, aqui como ali, que a existência de acordo de regulação do poder paternal homologado judicialmente anterior à maioridade não é suficiente, nem tem qualquer efeito automático nesta sede, além de que, como se pugnou, o mesmo cessou os seus efeitos com a maioridade da filha do Impugnante.

  9. Assim sendo e retornando ao caso concreto, importa que se conclua que os valores entregues pelo Impugnante à sua filha J... naqueles anos de 2004 a 2006 não podem, para efeitos do seu abatimento em sede de IRS, ser qualificados como “importâncias (...) respeitantes aos encargos com pensões de alimentos a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo homologado nos termos da lei civil” e, por conseguinte, se devem influenciar negativamente o imposto devido, nos termos previstos no art. 56º do CIRS.

  10. Destarte é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade, sendo que estas por serem legais, deverão manter-se na ordem jurídica.

  11. Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido em sentido diverso é, no entender da AT, inevitável que se conclua que foram violados os arts. 56º do CIRS e 1877º e 1880º ambos do CC.

    Termina pedindo a procedência do recurso e que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial.

    1.3.

    Em contra-alegações, os ora recorridos formularam as conclusões seguintes: 1 - Os abatimentos ao rendimento líquido global expressam despesas socialmente relevantes, cuja existência reduz a capacidade contributiva do sujeito que as suporta. A consideração fiscal das despesas socialmente relevantes assume actualmente, por regra, a forma de deduções à colecta (cfr. art. 78º do C.I.R.S.), o único abatimento que sobrevive no I.R.S. é o relativo a pensões de alimentos e está previsto no citado art. 56º do C.I.R.S.

    2 - Não definindo o C.I.R.S. o conceito de pensão de alimentos, deve valer aqui a noção civilística que nos diz que os alimentos abrangem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário ma compreendendo a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cfr. art. 2003º do C.Civil).

    3 - Ainda de acordo com a lei civil, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional manter-se-á a obrigação de alimentos na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (cfr. art. 1880º do C.Civil).

    4 - Na senda do regime civil, surge-nos o art. 13º nº 4, al. B) do C.I.R.S., norma que inclui como dependentes do agregado familiar, além do mais, os filhos maiores que, não tendo mais de 25 anos nem auferindo anualmente rendimentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, tenham frequentado no ano a que o imposto respeita o 11º ou 12º anos de escolaridade, estabelecimento de ensino médio ou superior ou cumprido serviço militar obrigatório ou serviço cívico.

    5 - Concluindo, de acordo com esta norma até aos 25 anos de idade, se o filho não auferir rendimentos superiores ao salário mínimo e, além do mais, frequentar estabelecimento de ensino médio ou superior, integra o agregado familiar como dependente e, como tal, as suas despesas de educação podem estar sujeitas a abatimento nos termos do art. 56º do C.I.R.S.

    6 - A douta sentença recorrida não padece, assim, de qualquer censura.

    Terminam pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se, em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT