Acórdão nº 0943/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução17 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

Município da Amadora, devidamente identificado nos autos, recorreu para o Pleno deste Supremo Tribunal do Acórdão da Secção, de 13.11.14, invocando para o efeito os artigos 140.º a 144.º e 147.º do CPTA, e a alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º do ETAF.

1.1.

O recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls 1007 e ss): “

  1. O acórdão recorrido declarou a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria em relação ao pedido da Requerente de suspensão de eficácia do acto materialmente administrativo contido no Decreto-Lei nº 108/2014, de 2 de Julho de 2014, que procedeu à alteração dos estatutos da B……..

  2. Tratou-se de uma ‘decisão surpresa’ dado que o Requerente nunca foi notificado da oposição do Requerido, desconhecendo por isso que havia sido invocada essa excepção e, principalmente, não tendo nunca tido oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.

  3. A violação do princípio do contraditório no conhecimento pelo Tribunal da excepção em causa constitui uma nulidade parcial da decisão recorrida nos termos do artigo 195.º do CPC, devendo consequentemente, e desde já, anular-se a decisão que absolveu da instância o Requerido em relação a esse pedido, com todas as legais consequências, designadamente devendo os autos baixar à 1.ª Secção e notificando-se o Requerente para se pronunciar sobre a referida excepção, com cópia da oposição e respectivos documentos apresentada pelo Requerido.

  4. Em todo o caso, tal excepção de incompetência absoluta não se verifica dado que ao contrário do que constitui premissa do acórdão, o DL 379/93 não impunha que a B……. fosse criada por via de diploma legal porque, precisamente, uma coisa é a criação do sistema multimunicipal, outra, que não se confunde com este, é a sociedade concessionária do mesmo.

  5. A constituição da B………. operada pelo DL 69/2010, foi feita no mesmo diploma que criou o sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos de Lisboa e do Oeste, única e exclusivamente por uma questão de opção e de economia de meios – e jamais porque assim o impusesse o DL 379/93! f) O facto de a constituição da B…….. e a redacção dos respectivos estatutos terem sido operadas por via de um diploma legal jamais obrigaria a que a alteração daqueles tivesse de observar a mesma forma, sendo certo que o normativo legal vigente impõe que eventuais alterações aos estatutos da B…….. sejam objecto de deliberação social (o DL 133/2013 porque aprovado no uso de autorização legislativa, constitui lei de valor reforçado nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da Constituição).

  6. Consequentemente, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao ter declarado a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de suspensão de eficácia do acto materialmente administrativo contido no Decreto-Lei n.º 108/2014, de 2 de Julho de 2014, que procedeu à alteração dos estatutos da B…….., e ao ter absolvido da instância o Requerido quanto a esse concreto pedido cautelar – razão porque o aresto deve ser revogado nessa parte.

  7. O douto acórdão recorrido incorre também em erro de julgamento ao considerar que o Requerente não podia ter requerido a providência de suspensão do procedimento de formação do contrato prevista no artigo 132.º do CPTA, porquanto as providências aí previstas relativas a procedimentos de formação de contratos somente poderão ser requeridas pelos candidatos ao concurso.

  8. A posição assumida pelo acórdão é claramente violadora do princípio ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus, dado que nada na letra do artigo 132.º do CPTA indicia que foi intenção do legislador reservar este regime específico para os candidatos de um procedimento de formação de contrato.

  9. Estando fora de causa que o Requerente tem plena legitimidade para intentar nos tribunais administrativos (o que, de resto, já fez) um processo de impugnação de actos praticados no processo de reprivatização da ..... , então o Requerente tem igual legitimidade, à luz do disposto no artigo n.º 1 do artigo 112.º do CPTA, para solicitar a adopção das providências cautelares que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a processo naquele processo, incluindo pois a providência de suspensão do procedimento concursal prevista no n.º 1 do artigo 132.º do CPTA.

  10. Nenhum critério material constitucionalmente admissível justifica que em sede de recurso de decisões dos tribunais administrativos de círculo os tribunais de 2.ª instância possam conhecer plenamente quer das questões relativas a matéria de facto quer das questões relativas a matéria de direito, ao passo que em sede de recurso das decisões proferidas pela Secção de Contencioso Administrativo o Pleno da Secção já só possa conhecer das questões relativas à matéria de direito.

  11. Tal dualidade de regimes é violadora quer do princípio da igualdade quer do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, ambos constitucionalmente consagrados, pelo que deverá o artigo 12.º, n.º 3, do ETAF sofrer uma interpretação restritiva com fundamento em inconstitucionalidade que habilite o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA a conhecer das matérias de facto que são postas em crise no âmbito do presente recurso jurisdicional.

  12. Por outro lado, e independentemente dessa questão, sempre o juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA deverá ser considerada uma matéria de direito.

  13. Mal se compreende que o Tribunal afirme que o Requerente “não concretizou quaisquer danos que possam resultar da recusa da providência, limitando-se a invocar interesses, temores e perigos” quando no r.i. se procedeu a uma invocação totalmente objectiva dos prejuízos que ocorrerão para o Requerente com o processo de reprivatização da .......

  14. Semelhante afirmação entra em flagrante contradição com a conclusão do Tribunal de que o Requerente logrou provar e demonstrar o “periculum in mora”: por um lado o Tribunal considera que todos os prejuízos que o Requerente pretende evitar com a concessão da providência resultarão em ‘facto consumado’ caso a providência não seja decretada; mas por outro lado, e ao mesmo tempo, considera que “o Requerente «não concretizou quaisquer danos que possam resultar da recusa da providência, limitando-se a invocar interesses, temores e perigos»”.

  15. Houve pois aqui notório erro de julgamento dado que o Tribunal não deu como assente qualquer dos factos invocados pelo Requerente em matéria de prejuízos que resultariam da recusa da providência, sendo certo, aliás, que o Tribunal até prescindiu de ouvir as testemunhas arroladas pelo Requerente para a eventual prova daqueles factos.

  16. Nenhum dos factos alegados pelo Requerido consta da matéria de facto que se considerou sumariamente provada nos presentes autos, sendo certo que o facto 10 dado como assente diz respeito apenas ao facto de o Conselho de Ministros ter aprovado uma Resolução Fundamentada com um determinado teor e não que os factos constantes dessa resolução estavam provados.

  17. Aquilo que se verifica e se conclui é que o Tribunal Recorrido prescindiu de fazer qualquer indagação, ainda que meramente perfunctória, sobre a veracidade dos factos e pressupostos avançados pelo Requerido para sustentar a gravidade dos prejuízos em caso de decretamento da providência.

  18. Semelhante actuação omissiva por parte do Tribunal Recorrido não pode ser aceite pelo requerente, principalmente depois de, por forma antecipada no seu r.i., ter alertado o Tribunal de que uma parte substancial da argumentação que viria a ser utilizada pelo Requerido assentava em pressupostos inexistentes ou que não foram, de todo, demonstrados.

  19. Se a jurisprudência tem concluído – e bem – que cabe ao requerente de providências cautelares alegar e demonstrar os factos concretos subjacentes aos interesses que pretende salvaguardar, é da mais elementar justiça peticionar que as entidades requeridas tenham de observar idêntico comportamento, i.é, devem estas, do mesmo modo, alegar e demonstrar os factos concretos respeitantes aos concretos interesses públicos que pretendem salvaguardar.

  20. O Tribunal recorrido assistiu passivamente à mera alegação retórica dos factos por parte do Requerido e limitou-se a coonestar os mesmos, não lhe exigindo que cumprisse o ónus de demonstrar a sua veracidade, ainda para mais quando o Requerente procedeu a uma exaustiva demonstração no seu r.i. – ponto por ponto – de que os vários argumentos invocados pelo Requerido assentavam em pressupostos inexistentes ou que não estavam, de todo, demonstrados.

  21. Ocorreu erro de julgamento dado que não só os factos invocados pelo Requerido não foram dados como provados – o que, desde logo, inviabilizaria que o Tribunal pudesse proceder ao juízo de ponderação de interesses –, como, de qualquer modo, os mesmos não poderiam ser dados como demonstrados atenta a respectiva falta de aderência à realidade tal como o Requerente alegou e provou no r.i..

  22. Dado que as razões alegadas quanto ao erro de julgamento na fixação da matéria de facto assente relevante para a boa apreciação da causa e quanto ao juízo de ponderação de interesses se verificam tale quale na decisão do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, o acórdão recorrido deverá igualmente ser revogado nesta parte.

1.2.

A entidade recorrida contra-alegou, procurando rebater ponto por ponto os argumentos do recorrente (fls 1098 e ss). Vejamos: I.

“Da circunstância de o tribunal a quo não ter notificado o Requerido para que se pronunciasse sobre a matéria de exceção invocada na oposição, relativa a um dos pedidos, não decorre a nulidade parcial do douto acórdão recorrido por violação do princípio do contraditório, já que a exceção em causa – incompetência material da jurisdição administrativa para apreciar, a título principal, a...

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