Acórdão nº 0812/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou totalmente procedente a acção ordinária de responsabilidade civil extracontratual, intentada contra aquela Entidade e contra A……….

O Tribunal a quo entendeu que "(…) tendo em consideração a concreta situação em análise, pelo dano morte, tendo em conta a idade da vítima no momento da sua morte (10 anos - pontos 1 e 2 do probatório), ponderando que a esperança média de vida é, actualmente, superior a 75 (cfr.

www.ine.pt) considera-se bastante justa e adequada a indemnização peticionada, no valor de 70.000,000 €.

Quanto aos danos morais sofridos pela própria vítima, que ao longo dos 10 anos em que viveu de forma vegetativa, em sofrimento permanente e sem qualquer qualidade de vida, importa assinalar que o menor foi privado de viver a vida, foi lhe usurpada a oportunidade de viver uma vida normal, autónoma, preenchida pelos sentimentos e sensações que estão ontologicamente associadas à condição humana. Tratam-se, pois, de danos que, pela sua enorme gravidade, merecem a tutela do direito, pelo que se afigura perfeitamente justa e adequada a atribuição de uma indemnização no valor de 250.000,00 €.

Pelos danos precedentes ou contemporâneos à morte do menor, ficou provado que não teve morte imediata, tendo morrido em sofrimento, durante um internamento hospitalar, causado por problemas respiratórios, muito frequentes na parte final da sua curta vida. Por estes danos, foi peticionada uma indemnização no valor de 40.000,00 €. Tendo em conta a notória aflição, sofrimento e agonia associadas à falta de capacidade respiratória, afigura-se bastante razoável, justa e adequada a fixação da indemnização no valor reclamado.

Tudo somado, o réu deverá pagar aos sucessores do autor a quantia global de 360.000,00 e (= 70.000,00 € + 250.000,00 € + 40.000,00 €) .

".

A entidade Recorrente termina as suas alegações concluindo: 1. Impugna-se nos termos do artigo 690º-A do CPC a matéria de facto dada como provada, dando-se aqui por transcritos as alterações à matéria de facto constantes do ponto I.A) destas Alegações.

  1. Quanto as questões de direito, é face à factualidade que devia ter sido efectivamente dada como provada, evidente que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual 3. Efectivamente da factualidade apurada nos presentes autos, não resulta qualquer facto que permita afirmar que se verificou um facto ilícito e culposo.

  2. Dos factos efectivamente apurados não resulta a existência de quaisquer falhos "na concepção da Maternidade" e muito menos que um atraso de 20 minutos no caso de ser necessária, uma cesariana de urgência seria violador das legis artis ao tempo.

  3. Tão pouco se verificou qualquer omissão do dever de zelo das enfermeiras, nem violação das legis artis da médica chamada em primeiro lugar (Drª B……) para intervir.

  4. Pelo que não pode ser apontado ao Réu o cometimento de qualquer facto ilícito e/ou culposo, note-se que a situação concreta deve ser apreciada em função da legis artis ao tempo do parto - 1997.

  5. E não em função dos conhecimentos e capacidades técnicas e materiais que vieram posteriormente a existir.

  6. Perante as circunstâncias do caso e os sinais que eram permitidos observar, não é exigível aos funcionários do Réu que, ao tempo, tivessem agido de outro modo.

  7. Por outro lado, não resulta da factualidade apurada que se a sua actuação fosse diferente, tal teria obstado aos danos dados como provados.

  8. Note-se que, nos termos do art° 487° do CC, é ao lesado quem incumbe provar a culpa, o que in casu não se verificou.

  9. Sendo que a actuação do Réu obedeceu as legis artis ao tempo vigentes.

  10. A sentença recorrida ao decidir como decidiu violou os artigos 2°, 4° e 6º do Decreto-Lei n.º 48051 e o artigo 483° e 487º nº2 do CC.

  11. Sem conceder e por dever de patrocínio sempre se dirá subsidiariamente, que a indemnização arbitrada aos sucessores do autor é manifestamente exagerada.

  12. O Tribunal considerou, em parte, duplamente os danos morais sofridos pela vítima em vida e não considerou a mera culpa do Réu.

  13. Os danos precedentes ou contemporâneos à morte do menor foram sofridos em vida pelo que pelos danos morais sofridos pela vitima ao longo dos 10 anos de vida não podiam ter sido fixadas duas indemnizações.

  14. Pelos danos morais sofridos pela vítima ao longo da sua vida e em face da mera culpa do réu (sem conceder) afirmada na sentença o montante fixado pelo Tribunal nunca poderia ter sido superior a € 100.000,00.

  15. O tribunal a quo ao decidir como decidiu na fixação da indemnização de acordo com a equidade sempre violou os critérios impostos pelos artigos 496º nº3 e 494º do CC.

    Nestes termos e melhores de Direito, deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida.

    Os Recorridos – C……. e outro - contra-alegaram, concluindo, assim: I - A designada "impugnação da matéria de facto" no presente recurso é, na prática, inexistente não apontando o recorrente motivos minimamente fundados para alterar os nºs 29 e 41 da Factualidade Apurada na sentença, devendo ser rejeitada.

    II - De toda a matéria dada como provada no presente recurso dúvidas não há de que o comportamento das enfermeiras e/ou da médica Dr.ª A……… ao serviço do recorrente violaram as “legis artis” causando graves e irreversíveis danos ao falecido filho dos ora AA.

    III - Não houve qualquer duplicação da indemnização sendo distintos os danos morais do menor "em virtude das dores e sofrimento que sentiu durante o parto e decorrentes da situação vegetativa em que viveu toda a sua vida" e danos morais do menor "antes de morrer em sofrimento".

    IV - Os valores indemnizatórios fixados são justos e equitativos tendo em conta a culpa do recorrente, as condições económicas das partes e as penosas circunstâncias do caso.

    Termos em que deve ser confirmada a douta sentença sob recurso por resultar de um rigoroso apuramento dos factos e de uma correcta aplicação do direito aos mesmos, assim se fazendo justiça.

    O Ex.mo Procurador Geral - Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

    As partes foram notificadas do aludido parecer.

    Colhidos os vistos foram os autos submetidos à conferência para julgamento do recurso.

  16. Fundamentação 2.1 Matéria de Facto A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte: 1 - O autor nasceu em 9 de Novembro de 1997, e é filho de D…….. e C……..

  17. O autor faleceu no dia 24 de Maio de 2008.

  18. Entre a E……… Companhia de Seguros S. A. e a Dra. A…….e o Dr. B……… foram celebrados contratos de seguro do ramo responsabilidade civil profissional - Médicos, titulados, respectivamente, pelas apólices nº ……….. (Dra. A…….), com início em 01.08.1991, e nº ………… (Dr. B……..), com início em 16.07.1992, contratos esse que se mostravam válidos e em vigor em Novembro de 1997, sendo que o capital seguro em Novembro de 1997 na apólice ……….. - Dra. A……..- era de € 136.342,81, sendo de € 162.103,30 o valor seguro na apólice n° …………. - Dr. B…… .

  19. A mãe do autor foi internada nos Hospitais da Universidade de Coimbra - Maternidade ………., por volta da 1 hora do dia 8 de Novembro de 1997 por REBA (ruptura espontânea de bolsa de águas), tendo aquela informado que a ruptura tinha ocorrido às 23 horas e 30 minutos do dia 7 de Novembro de 1997.

  20. O exame ginecológico, segundo documentação hospitalar, revelava à entrada "colo formado com 1,5 cms. de dilatação. Apresentação muito alta".

  21. Do registo de enfermagem, consta: "Líquido amniótico de características normais, contractibilidade esporádica, foco fetal + / - 140 batimentos por minuto".

  22. A Folha Terapêutica refere no dia 8 de Novembro: "Vigiar foco, Vigiar Perda de Liquido Amniótico, Repouso absoluto no leito, Vigiar contracções, CTG (Cardiotocografia) agora e ID (durante o dia), TA (Tensão Arterial) 2 ID (2 vezes por dia)" .

  23. A mãe do A. ficou no quarto 129 e aí permaneceu todo o dia 8 de Novembro.

  24. A mãe do A. só deu entrada na sala de partos às 5 horas da manhã do dia 9 de Novembro, e passou então, a ser-lhe administrado soro por via intravenosa.

  25. O A. nasceu às 6 horas e 30 minutos do dia 9 de Novembro de 1997.

  26. O diário de enfermagem do dia 9 de Novembro refere às 7 h. 20: Parto de fórceps muito difícil, bebé nasceu com Apgar muito baixo.

  27. O A., do sexo masculino, nasceu com 3,185 Kgs. de peso, com um Índice de Apgar de 2 e de 4, respectivamente ao 1º e 5º minuto de vida.

  28. Antes e durante o parto, nunca foi medido o Ph do feto e os gases do escalpe fetal, e o Réu H.U.C. não dispõe nas suas instalações de aparelho para tal finalidade.

  29. Das 6 folhas existentes do registo cardiotocográfico, não acompanhadas de qualquer interpretação médica nem das queixas da parturiente, quatro folhas são numeradas, e pela frequência e intensidade da contractibilidade uterina, bem como pela hora do início e fim do registo - 1h. 20m. e 3h. de 8.11.97 -, traduzem o início do trabalho de parto em fase latente com frequência cardíaca fetal inteiramente normal, sendo que as duas últimas folhas, não estando numeradas, são preenchidas entre as 6h. 13m. e as 7h. do dia 9 de Novembro de 1997.

  30. Da História Clínica do A. (nº 265/97), consta no "Tipo de Parto" - "Fórceps S.F.A." (Sofrimento Fetal Agudo), nas "Observações e Análises", com referência ao dia 9 de Novembro de 1997: "RN de parto fórceps por falta de progressão e bradicardia fetal. Nasce muito hipotónico e bradicardico s/movimentos respiratórios. Recupera de imediato a F.C. c/ A c/02 à face, mas mantêm-se s/respiração espontânea pelo que é colocado TET oro-traqueal e transportado para a UCIRN", no 'Diagnóstico" consta: "Asfixia Perinatal".

  31. O Relatório do Exame Imagiológico do A. (Ressonância Magnética Crânio-encefálica), de 17.12.97 efectuado nas instalações e pelos serviços do Réu H.U.C. refere "múltiplas...

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