Acórdão nº 0410/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. A……………… e B………………., devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa [doravante TAFL] a presente intimação para prestação de informações, consulta de processo e passagem de certidões contra o “PRIMEIRO-MINISTRO”, o “MINISTÉRIO DE ESTADO E DAS FINANÇAS”, o “MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO” e a “SECRETARIA DE ESTADO ADJUNTA DO PRIMEIRO-MINISTRO” [abreviada e doravante, respetivamente, «PM», «MF», «MEE» e «SEAPM»], peticionado, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 04/11, que fosse “… dado provimento à presente intimação e, em consequência ser: fixado prazo para cumprimento da intimação; Determinado que os requeridos sejam intimados para, no prazo fixado, conceder … Requerentes o acesso integral aos documentos mencionados em 2, ou seja, a todos os estudos que fundamentam a decisão de reduzir a taxa social única para as empresas em troca de um aumento da contribuição para a segurança social dos trabalhadores …”.

1.2.

O TAFL, por sentença de 29.04.2013, julgou a intimação procedente, considerando totalmente procedente a pretensão dos demandantes, pelo que intimou os entes demandados a concederem “acesso integral aos estudos que fundamentaram a decisão de reduzir a TSU para as empresas em troca de um aumento da contribuição para a Segurança Social dos trabalhadores, com a advertência de que não o fazendo, pode ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169.º do CPTA no valor de 50 € por cada dia de atraso”.

1.3.

Os entes demandados «PM», «MF» e «SEAPM», inconformados, recorreram para o TCA Sul o qual, por acórdão de 23.01.2014, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão referida em 1.2) e julgou totalmente improcedente o presente pedido de intimação.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os demandantes, inconformados com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpuserem, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 389 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “...

  1. Na sequência de pedido formulado pelos Recorrentes às Recorridas, com vista a aceder «todos os estudos que fundamentam a decisão de reduzir a taxa social única para as empresas em troca de um aumento da contribuição para a segurança social dos trabalhadores», foi intentada ação de intimação para a prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidão previsto nos artigos 104.º e seguintes do CPTA, que foi considerada procedente em 1.ª instância e improcedente pelo acórdão proferido, de que ora se recorre; B. Portugal é um Estado de Direito Democrático, que respeita o pluralismo de expressão, assegura o respeito, presta garantias de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais - artigo 20.º da CRP, concedendo legitimidade aos jornalistas, em cumprimento do acesso às fontes de informação, nos termos e efeitos do previsto nos artigos 61.º a 63.º do CPA; C. Face ao teor da matéria em causa que, pelo seu relevo social, legitimam a intervenção do STA, por via do presente recurso de revista, até para uma melhor interpretação e aplicação do direito, deve o presente recurso de revista ser admitido; D. As Recorridas fazem parte do Governo, que é o órgão superior do Estado, principal ente público (art. 182.º CRP); E. A existência dos estudos cujo acesso foi pedido pelos Recorrentes, foi reconhecida publicamente, como fundamento para a decisão de reduzir a TSU e não como preparativo de reuniões do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, o que se assim fosse, até teria o então Ministro violado o sigilo; F. Por outro lado, o processo legislativo é público, tanto nas fases de projetos, como na de estudos e pareceres e, claro, depois de publicado, pelo que, sempre teriam as Recorridas a obrigação de divulgarem os estudos em causa; G. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, considera-se documento administrativo, qualquer suporte de informação, que se encontre na posse dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte; H. O disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA, aplica-se aos órgãos do Estado, ou seja, às Recorridas; I. Como refere o Parecer 14/2013: «A doutrina, pronunciando-se sobre a delimitação do âmbito de aplicação da alínea b), do n.º 2, artigo 3.º, refere que ‘daí não se conclui que tais documentos são reservados. Em geral, estão sujeitos a publicidade, como decorre do Regimento da Assembleia da República’»; J. A Administração Pública está sujeita aos princípios da transparência e da publicidade consagrados nos já mencionados artigos 268.º da CRP, artigos 61.º e seguintes do CPA e na LADA; K. Nesta conformidade, o Tribunal a quo qualificou erradamente os estudos em causa, como enquadrados na exceção prevista da alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA, quando os mesmos relevam e muito para a atividade administrativa e não são meros documentos preparativos de reuniões, seja de Conselho de Ministros, seja de Secretarias de Estado; L. Assim sendo, o acórdão violou, nomeadamente, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA, artigo 104.º do CPTA, artigos 61.º e 65.º do CPA e artigos 20.º, 37.º, 182.º, 183.º e 268.º da CRP; M. Para além de que o acórdão proferido, procedeu à interpretação inconstitucional da alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA, por violação dos artigos 13.º e 20.º da CRP; P. Nesta conformidade, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, e deve ser revogado o acórdão proferido, intimando-se as Recorridas para darem o acesso aos Recorrentes aos estudos em causa, no prazo de 10 dias, com todas as consequências legais …”.

1.5.

Devidamente notificados os entes demandados apenas o «PM» e o «SEAPM», aqui ora recorridos, vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 439 e segs.], formulando o seguinte quadro conclusivo: “...

I. O presente recurso excecional de revista não é admissível, pelo que deve ser rejeitado, em coerência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Não está em causa a apreciação de uma questão de importância fundamental no plano jurídico, nem no plano social, nem a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo certo, em todo o caso, que os Recorrentes nem sequer enunciam expressamente qual a questão ou questões dotadas desses atributos e que supostamente lhes conferem a faculdade de requerer a revista excecional; II. Os presentes autos não evidenciam qualquer questão material controvertida que revista relevância jurídica fundamental, sendo certo que para que se considere uma questão como juridicamente fundamental, não basta que a mesma seja controvertida ou que as instâncias se tenham pronunciado sobre ela em termos divergentes. A complexidade da questão objeto dos presentes autos é até menor do que o comum e o labor exegético exigido reduz-se à interpretação de um único preceito legal, não sendo a abordagem dificultada, de resto, por qualquer sobreposição entre dois ou mais regimes jurídicos potencialmente aplicáveis; III. A admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito, dado ser improvável que a mesma questão venha a ser colocada novamente perante os tribunais em casos futuros. Não existe qualquer contenda doutrinária ou sequer jurisprudencial em torno da questão, até porque ela jamais se colocou especificamente perante qualquer dos nossos tribunais superiores e, de resto, nos aspetos jurídicos que já foram objeto de pronúncias anteriores, o acórdão recorrido decidiu em termos inteiramente conformes com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, não se descortinando naquele aresto qualquer erro manifesto que exija a intervenção da cúpula da jurisdição administrativa; IV. Os presentes autos tão pouco exibem qualquer questão que revista relevância social fundamental, dado que para que tal se conclua não basta que o objeto da lide tenha suscitado uma qualquer polémica pretérita. Não se avista, nos presentes autos, qualquer questão que seja de colocação frequente nos tribunais ou que previsivelmente venha a sê-lo, pelo que a orientação a definir mediante uma eventual revista excecional sempre teria fraca capacidade de expansão, logo, escassa utilidade prática; V. A sujeição dos documentos ao âmbito de aplicação da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos depende da respetiva qualificação como documentos administrativos, à luz dos critérios fixados na própria lei. Para o efeito, a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos combina um critério subjetivo (a detenção material por órgãos do Estado que integram a Administração Pública) e um critério objetivo (a circunstância de relevar da atividade administrativa) - os quais, por força do disposto na lei e da própria natureza das coisas, são de aplicação cumulativa e não alternativa. A categoria formada pelos documentos referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação integram, embora não esgotem, o universo dos documentos que não relevam da atividade administrativa, pois a lei refere-se-lhes, no âmbito destes últimos, a título exemplificativo; VI. Uma decisão judicial que qualificasse um documento como administrativo recorrendo unicamente ao critério subjetivo e ignorando o critério objetivo, seria ilegal, dado que assentaria numa interpretação desprovida da mínima correspondência com a letra da lei, sendo, como tal, juridicamente inadmissível e indefensável; e seria igualmente inconstitucional, por violação do princípio da … legalidade e da sujeição dos tribunais à lei, bem como do seu dever constitucional de defender a legalidade democrática, e ainda do princípio da separação e interdependência de poderes...

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