Acórdão nº 0632/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. “FUNDO GARANTIA SALARIAL” [doravante «FGS»], devidamente identificado nos autos, foi demandado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [«TAFS»] na presente ação administrativa especial deduzida por A………………….

na qual foi peticionado, pela motivação inserta na petição inicial, nomeadamente que fosse: (a) “declarado nulo ou anulado o ato de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho praticado pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, através de despacho de 31 de outubro de 2009”; e (b) “o Réu condenado a deferir o pedido apresentado pela Autora de pagamento da quantia de 6.294,00 €”.

1.2.

O «TAFS», por sentença de 13.06.2011, julgou a ação procedente, considerando procedente a pretensão anulatória dada a verificação das ilegalidades consubstanciadas na violação, por um lado, dos arts. 267.º, n.º 5 da CRP, 08.º e 100.º do CPA [preterição do direito de audiência] e, por outro lado, dos arts. 309.º e 311.º, n.º 1 do CC, 46.º, n.º 1, al. c) do CPC, 381.º do Código de Trabalho [na redação decorrente da Lei n.º 99/2003] e 319.º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004 [diploma que veio regulamentar aquele Código de Trabalho] [violação de lei, mercê do desrespeito por parte do ato de indeferimento do pedido de pagamento de créditos laborais daquilo que é o prazo de prescrição dos referidos créditos], pelo que anulou o ato impugnado e condenou o R. “a praticar o ato administrativo devido em que tome posição expressa e fundamentada, de facto e de direito, sobre a pretensão da Autora, e, se a tanto nada obstar, deferir tal pretensão nos termos legais aplicáveis, pagando-lhe a quantia devida”.

1.3.

O R., inconformado, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 15.03.2012, negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o julgado recorrido.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o mesmo R., inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. O art. 150.º, n.º 1 do CPTA prevê a possibilidade de recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental».

  2. Estamos, designadamente perante matérias de relevância social fundamental, quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

  3. A consideração pela decisão recorrida de que a declaração de situação de desemprego constituiu título executivo, na modalidade de documento particular e que como tal, nos termos das disposições conjugadas do art. 309.º e n.º 1 do art. 311.º do Código Civil os créditos referidos na mesma têm um prazo prescricional de 20 anos, reveste particular relevância social fundamental.

  4. Essa relevância resulta da pluralidade indefinida de situações que recorrentemente, com características idênticas, surgem e em que o FGS é chamado a intervir, situações estas de insolvência de entidades empregadoras em que os trabalhadores perdem os seus postos de trabalho e, consequentemente, recorrem ao subsídio de desemprego, tendo para o efeito na sua posse a declaração de situação de desemprego.

  5. Essa declaração, a poder vir a ser considerada título executivo, … nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do CPC e, por essa via, os créditos laborais prescreverem em 20 anos, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do art. 311.º e 309.º do CC, conforme considerou o Acórdão recorrido, terá implicações futuras e frequentes que, seguramente, poderão afetar a própria sustentabilidade financeira do FGS.

  6. E isto porque o FGS passará a assegurar o pagamento de um maior número de créditos, pois, a limitação prevista n.º 3 do art. 319.º da Lei 35/2004 de 29 de julho, segundo a qual o FGS assegura os créditos laborais que lhe sejam reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição, passará a ser articulada, em muitas situações, não com o art. 381.º do CT, segundo o qual todos os créditos laborais, prescrevem findo o prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, mas sim com um prazo prescricional de 20 anos que resulta da declaração para efeitos de subsídio de desemprego ser considerada titulo executivo, … nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do CPC e, por essa via, o prazo prescricional dos créditos laborais ser de 20 anos, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do art. 311.º e 309.º do CC.

  7. Em abono deste entendimento veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 31.01.2011, no processo n.º 92/10.4TTVLG.P1 e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 15.03.2012, no processo n.º 653/08.1 TTLSB.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

  8. Mesmo que se entenda, o que só por hipótese académica se admite, que a declaração para efeitos de subsídio de desemprego pode ser considerada título executivo, … nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do CPC importa então verificar se das menções constantes da mesma resultam os créditos que o trabalhador detém sobre a entidade empregadora, ou se com essas menções se obtém, por simples cálculo aritmético, esses créditos.

  9. Ora, da declaração de situação de desemprego apenas consta para além dos elementos identificativos das partes, a data de início do contrato de trabalho, o valor da retribuição base, a data da última remuneração, a data da cessação do contrato de trabalho e o motivo dessa cessação. Assim, as exigências feitas pelo normativo constante da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do CPC para que determinado documento particular seja considerado título executivo não se encontram cumpridas pois a fls. dos autos consta, no requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, peticionado pelo trabalhador proporcionais de férias, de Natal entre outros valores que não constam, nem resultam das menções constantes da declaração de situação de desemprego …”.

Termina peticionando a revogação da decisão judicial recorrida com procedência do recurso e manutenção na ordem jurídica do ato administrativo impugnado.

1.5.

Devidamente notificada a A., aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações, formulando o seguinte quadro conclusivo: “...

1) O recurso de revista constitui um meio processual excecional, com pressupostos delimitados e de acesso restrito, não sendo, como pretende a recorrente, a institucionalização de um terceiro grau de jurisdição; 2) No caso sub iudicio a recorrente faz uma breve, vaga e não substanciada alegação do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, tentando, inclusivamente, induzir o Tribunal em erro, no que respeita à questão do relevo social da questão. Porém, é evidente que não estão preenchidos os pressupostos necessários à admissão da revista; 3) Uma vez que não existe qualquer controvérsia no caso em apreço, tendo as duas instâncias anteriores decidido no mesmo sentido e com os mesmos fundamentos: o que aqui está em causa mais não é do que a mera discordância (infundada) da recorrente com as conclusões do TAF de Sintra e do TCA Sul; 4) Pelo que, não se encontra preenchido o pressuposto de admissão da revista com base numa questão de importância fundamental pela sua relevância social.

5) Uma vez que a situação em concreto não se integra num enquadramento normativo complexo, revestindo-se a operação interpretativa de especial simplicidade, não se pode concluir pela existência de uma situação de relevância jurídica fundamental.

6) Do mesmo modo, não existindo qualquer dúvida ou outro entendimento contrário ao manifestado pelas duas instâncias anteriores (para além do da ora recorrente) e não padecendo o acórdão recorrido de qualquer erro manifesto ou grosseiro, não existe qualquer necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

7) Assim, não estando verificado nenhum dos pressupostos legais, deve a presente revista ser recusada, nos termos do artigo 150.º do CPTA.

8) Caso assim não se entenda e o recurso seja admitido, o que apenas se pondera por mera hipótese académica, sempre sem conceder, cumpre concluir, desde já, pela manifesta improcedência do recurso apresentado pelo recorrente.

9) Com efeito, o art. 46.º, n.º 1 alínea c) do CPC consagra que constituem título executivo «os documentos particulares assinados pelo devedor que comportem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (...)», pelo que o documento designado por «Declaração de Situação de Desemprego» preenche todos estes requisitos, constituindo o mesmo título executivo.

10) E, ao contrário do que defende a Entidade Recorrente, o valor dos créditos em causa é determinável por simples cálculo aritmético a partir dos dados constantes do título executivo, bem como das normas legais que determinam a fórmula de cálculo dos créditos laborais em causa.

11) Acresce que, o prazo especial de prescrição previsto no artigo 381.º, n.º 1 do CT não se aplica a todos os créditos laborais, mas apenas àqueles que na data da cessação do contrato, ainda não foram apurados e/ou reconhecidos pelas partes.

12) Pelo que, tendo a entidade empregadora da ora recorrida reconhecido a existência de créditos devidos a esta no âmbito de um...

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