Acórdão nº 01502/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que a instituição financeira A……….. LIMITED (actualmente designada B………. LIMITED), residente no Reino Unido, deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara perante os actos de retenção na fonte em sede de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal nos anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.595.617,89.

1.1.

Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o direito comunitário tinha sido violado, ou seja, a impugnante foi discriminado em relação aos residentes do Estado-Membro. Assim, verifica-se a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário.

II - Por outro lado, a douta sentença considerou que haveria lugar a juros indemnizatórios por o erro ser imputável aos serviços, o que não podemos concordar.

III - Neste âmbito, o thema decidendum assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente, violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos. Por outro lado, se a reclamação graciosa seria tempestiva, bem como a ilegitimidade.

IV - A Fazenda Pública considera que havia cabimento à aplicação do disposto no nº 3 do art. 131º CPPT, devendo consequentemente ser considerada improcedente a impugnação, por intempestiva, de acordo com o entendimento jurisprudencial.

V - Pelo facto da preclusão do direito a impugnar, a qual foi requerida, tendo o Tribunal a quo apreciado o exposto invocado, como improcedente.

VI - Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

VII - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4º da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho de 23/07, ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

VIII -Ora, se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, o Reino Unido, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.

IX - Além do mais, as entidades distribuidoras dos dividendos efectuaram a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90º nº 1 al. c), 46º nº 1, 80º nº 2 al. c), 14º nº 3 e 89º nº 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

X - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

XI - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90º nº 1 al. c), 46º nº 1, 80º nº 2 al. c), 14º nº 3 e 89º nº 1, todos do CIRC, bem como da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art. 12º, 46º, 48º e 56º do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

1.2.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma: A) O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida dos actos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 1.595.617,89, tendo considerado que os referidos actos tributários padeciam de vício de violação de lei, em particular violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, tendo, ainda, determinado o direito da Recorrida à restituição da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios; B) A questão material controvertida prende-se em determinar se a legislação portuguesa, na redacção em vigor à data dos factos tributários, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a instituições financeiras estabelecidas num Estado Membro da União Europeia (in casu o Reino Unido), ao mesmo tempo que dispensa de retenção na fonte a distribuição de dividendos a instituições financeiras estabelecidas e domiciliadas em Portugal, viola os artigos 12º e 56º do Tratado; C) Conforme evidenciado nas presentes contra-alegações, a posição sustentada pela Recorrente carece de qualquer base legal, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal; D) Em primeiro lugar, a Recorrente vem alegar, a título de excepção, a ilegitimidade da ora Recorrida por força de uma alegada falta de nomeação de representante em Portugal, nos termos e para os efeitos do art. 19.º da LGT; E) A ora Recorrida, na qualidade de sujeito passivo não residente e sem estabelecimento estável em Portugal e substituída da retenção suportada em Portugal sobre os dividendos que lhe foram pagos nos anos 2005 e 2006, dispõe de legitimidade para apresentar, ao abrigo do artigo 132º do CPPT, impugnação judicial dessa mesma retenção, dado que a mesma tem carácter definitivo, nos termos do disposto no art. 88º, nº 3, alínea b), do Código do IRC; F) Conforme prova documental efectuada nos presentes autos, a Recorrida nomeou o Senhor C………… como seu representante para efeitos tributários em Portugal; G) Ainda que a Recorrida não tivesse designado representante fiscal, tal não implicaria qualquer restrição nos direitos de acção em juízo, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efectiva; H) Conforme devidamente salientado nos presentes autos, e conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida, a legislação portuguesa que previa a obrigatoriedade da nomeação de representante fiscal foi já suprimida através da Lei do Orçamento do Estado de 2012 (pelo menos no que respeita aos residentes na União Europeia, como é o caso da ora Recorrida), sendo tal alteração um elemento interpretativo decisivo, porquanto constitui a prova inequívoca da desconformidade da exigência de nomeação de representante fiscal anteriormente constante do ordenamento jurídico nacional, a qual, recorde-se, foi julgada incompatível com o direito comunitário por parte no TJUE, no processo nº C-267/09, de 05.05.2011; I) Acresce que, no caso em apreço e conforme decorre da procuração junta aos presentes autos, o mandato conferido ao Mandatário permitia assegurar os contactos com a Administração Tributário e os tribunais, assim se assegurando a ratio do art. 19º da LGT, tal como expressamente reconhecido pelo Venerando TCA Sul em acórdão, datado de 11.10.2011, no processo nº 4513/11, o que motivará a improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela ora Recorrente; J) Invoca ainda a Recorrente, nas suas alegações de recurso, que a acção de impugnação seria intempestiva, uma vez que estando apenas em causa questões de direito, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo geral de 90 dias previsto no artigo 102º do CPPT e não ao abrigo do artigo 132º do CPPT; K) Trata-se de uma interpretação sem qualquer suporte legal ou factual, não passando de uma tentativa espúria de evitar que este Venerando Tribunal se pronuncie sobre a questão material controvertida, sendo que nesta matéria (artigos 131º e 132º do CPPT), importa salientar que a Fazenda Pública tem adoptado posições contraditórias, pugnando pela necessidade de reclamação prévia numas situações (veja-se o Acórdão deste Venerando Tribunal no processo nº 299/11), como, quando lhe convém, invoca precisamente o inverso, numa posição intolerável para quem tem como obrigação defender os interesses da coisa pública no respeito pelos interesses legítimos dos particulares; L) Não procedem os argumentos da Fazenda Pública, ora Recorrente, no sentido de que a reclamação apresentada seria facultativa, pelo que não seria de aplicar o prazo de 2 anos constante do nº 3 do referido art. 132º do CPPT, uma vez que, não obstante a reclamação apresentada previamente pela Recorrida versar exclusivamente sobre matéria de direito - desconformidade do direito nacional com o direito comunitário - as retenções na fonte efectuadas na sua esfera não assentaram na emissão de qualquer orientação administrativa, tendo antes decorrido directamente do ordenamento jurídico nacional, em concreto das normas legais do CIRC; M) Neste sentido, nenhuma das orientações administrativas expressamente mencionadas no ponto 19 das alegações de recurso aborda, ainda, que indirectamente a matéria controvertida, nem tão pouco a articulação entre o regime do artigo 14º do CIRC e a dispensa de retenção na fonte concedida às...

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