Acórdão nº 0996/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução15 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1- A………, S.A., reclamou para a conferência do despacho do então relator, proferido a 12 de Março de 2013 (fls. 2803/2835), que apreciou o pedido subsidiário de efectivação da responsabilidade civil por acto lícito.

2- Por Acórdão de fls. 2929 e segs. foi decidido indeferir a reclamação, mantendo-se a decisão de julgar improcedente o pedido de indemnização por facto lícito.

3- Não se conformando, A………., S. A., veio interpor recurso para o Pleno deste STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações: “1. O Despacho recorrido é inadmissível num Estado-de-Direito, na medida em que possibilita a supressão total de um direito de propriedade valiosíssimo, sem qualquer indemnização.

  1. O Despacho criou uma situação jurídico-processual verdadeiramente singular, com dois despachos saneadores, contraditórios sobre o segundo pedido - o primeiro que difere a análise para a fase da instrução do processo, e o segundo que contém uma decisão de mérito, julgando-a improcedente - enfermando de diversas nulidades.

  2. Em primeiro lugar, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), o Despacho é nulo por falta de fundamentação pois no mesmo não se apresenta um único argumento para fundamentar o entendimento quanto à necessidade de introduzir adaptações na tramitação da presente ação.

  3. Perante a total ausência de fundamentação quanto a este aspeto, nunca poderá a Recorrente ficar esclarecida quanto às circunstâncias que levaram à necessidade afastar o artigo 87.º do CPTA, substituindo-se a sua aplicação pela aplicação do artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC), quando esta ação segue a forma da ação administrativa especial e, no âmbito da mesma, existe uma disposição - o artigo 87.º do CPTA - cujo objeto é precisamente o mesmo do artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC).

  4. No caso sub judice, não se verifica qualquer necessidade de introduzir adaptações à tramitação da presente ação no sentido de afastar a aplicação do artigo 87.º do CPTA, pelo que dever-se-ia ter recorrido ao artigo 87.º do CPTA e nunca ao artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC).

  5. Contudo, porque a Recorrente não prescindiu, de forma alguma, do direito de apresentar alegações finais, nunca seria possível, nos termos do disposto no 87.º do CPTA, conhecer do mérito da causa no saneador.

  6. Em segundo lugar, nos termos do disposto no artigo 201º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por ter introduzido alterações à tramitação da presente ação em violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório.

  7. É que, ainda que o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, nos termos do disposto no artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), fosse possível, sempre se terá de concluir que, tendo as alterações à forma de tramitação processual sido introduzidas sem a observância dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, o Despacho é nulo, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195º, n.º 1, do novo CPC).

  8. Em terceiro lugar, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por ter sido proferido por juiz singular, quando o presente pedido deveria ter sido apreciado em conferência.

  9. O único meio através do qual, em abstrato, o Exm.º Senhor Conselheiro-Relator poderia, sozinho, emitir uma decisão de mérito, é aquele que se encontra previsto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, que não foi sequer invocado no Despacho.

  10. Ainda que no Despacho se tivesse invocado o artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, a decisão ao abrigo do mesmo nunca seria possível pois nenhum dos seus pressupostos se encontra verificado.

  11. Constatando-se a prática de um ato - decisão do mérito tomada por juiz singular, no saneador - que, no caso sub judice, a lei não permite, impõe-se a conclusão de que o Despacho é nulo, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195º, n.º 1, do novo CPC).

  12. Em quarto lugar, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b), e 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigos 615.º, n.º 1, alínea b), e 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por a audiência preliminar ter sido ilegalmente dispensada.

  13. Ainda que se admitisse que, no caso sub judice, seria possível conhecer do mérito do pedido no saneador, nos termos do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC, o Despacho deveria ter invocado o artigo 508.º-B do anterior CPC como fundamento da dispensa da audiência preliminar.

  14. Não o tendo feito, estamos, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), perante a nulidade do Despacho por falta de fundamentação.

  15. Não obstante, e ainda que no Despacho se tivesse feito qualquer referência ao artigo 508.º-B do anterior CPC, a verdade é que, mesmo nesse cenário, sempre se teria que concluir pela inadmissibilidade da dispensa da audiência preliminar por não se verificar o condicionalismo previsto naquele artigo.

  16. A omissão de realização de audiência preliminar, não sendo possível a sua dispensa, constitui, nos termos do disposto no 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), uma nulidade, que determina a anulação do processado, quando - como sucede no caso em apreço - interfere no exame e decisão da causa.

  17. Em quinto lugar, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do novo CPC), o Despacho é nulo por omissão de pronúncia.

  18. Da simples leitura do Despacho, constata-se que o mesmo é absolutamente omisso quanto à inconstitucionalidade orgânica do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, alegada, em termos amplos e fundamentados, pela Recorrente, na sua Petição Inicial.

  19. Assim, o Despacho, em violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do novo CPC) - e, também, do disposto no artigo 95º, n.º 2, do CPTA - , não se pronunciou “sobre questões que devesse apreciar”, pelo que enferma do vício de nulidade, por omissão de pronúncia.

  20. O Despacho é ainda frontalmente contraditório com o anterior despacho saneador na parte em que neste sentido: “difere-se a instrução respeitante aos pedidos de indemnização”.

  21. À data da aprovação do POPNSC de 2004, existiam, na esfera jurídica da Recorrente, possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo, consubstanciadas em direitos de uso do solo, juridicamente consolidadas, com base nos seguintes títulos jurídicos: a) Contrato de Urbanização celebrado com a Câmara Municipal de Cascais, em 14 de dezembro de 1922; b) Novo Plano de Urbanização da Marinha, homologado por Despacho do Ministro das Obras Públicas, de 1 de julho de 1957; c) Plano Turístico Hoteleiro para a Quinta da Marinha, com Despacho favorável do Subsecretário das Obras Públicas, de 15 de junho de 1967, e aprovado por Deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de 31 de outubro de 1968 (esta Câmara Municipal viria a confirmar a vigência deste Plano, em 1992); d) Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/94, de 11 de março; e) Plano Diretor Municipal de Cascais, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/97, de 19 de junho; f) Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 13 de março.

  22. O POPNSC de 2004 eliminou todas as faculdades de exploração urbanística do terreno, reconhecidas pela Administração durante largos (oitenta) anos. Ao mesmo tempo, e como logo se conclui, tal facto causou avultados prejuízos à Recorrente, pelo que a mesma tem o direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos por uma atuação administrativa que, embora lícita, se revelou, em termos objetivos, altamente lesiva dos seus direitos e interesses.

  23. Esta indemnização nasce da responsabilidade civil da Administração por facto lícito, na medida em que o POPNSC de 2004 configura uma verdadeira expropriação do plano e baseia-se no princípio da igualdade perante os encargos públicos e, principalmente, na garantia constitucional da propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, da CRP), nos termos da qual qualquer expropriação terá de ser feita mediante o pagamento de uma indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da CRP).

  24. A garantia constitucional da justa indemnização aplica-se quer às expropriações translativas, quer às denominadas expropriações do plano, como sucede no caso da Recorrente, em que o expropriado conserva a propriedade do imóvel, mas restringem-se significativamente as suas possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo.

  25. O POPNSC de 2004 não contém qualquer instrumento de perequação que permita compensar a Recorrente pelos prejuízos sofridos, pelo que se encontra preenchido o primeiro pressuposto legal do direito da Recorrente a uma indemnização por expropriação do plano: a impossibilidade de compensação dos prejuízos através de mecanismos de perequação.

  26. O facto de não ter ficado demonstrado que a Recorrente seja titular de qualquer licença ou autorização, conforme exigido legalmente, não poderá significar, tal como o Despacho pretende fazer crer, que “a autora [ora Recorrente] não pode arvorar, pois, qualquer direito de uso de solo preexistente e juridicamente consolidado”.

  27. O artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT é orgânica e materialmente inconstitucional e deve ser interpretado no sentido de se ressalvarem os casos em que o proprietário não obteve, durante o prazo pelo mesmo estipulado, a licença ou autorização, por facto imputável à Administração.

  28. A inconstitucionalidade orgânica do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT resulta da carência da necessária...

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