Acórdão nº 0461/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Fazenda Pública, inconformada, recorreu para o TCA Sul, que por decisão de 24 de Fevereiro de 2014, se declarou incompetente em razão da hierarquia, considerando ser este Supremo Tribunal o competente, para onde os autos foram remetidos, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 19 de Setembro de 2012, que julgou a impugnação, que contra si havia intentado A…….., procedente, anulando as retenções na fonte, de imposto impugnadas, condenou a Fazenda Pública à restituição do imposto indevidamente retido e ao pagamento à impugnante de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do indevido, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Alegou, tendo concluído como se segue: I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, 20% e 15% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B…….. à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.

II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.

III - Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

IV - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art.° 4.° da Directiva n.° 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

V - Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra de que modo o mesmo possam violar o direito comunitário.

VI - Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B……….., efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos art.°s 90.° n.° al. c), 46.° n.° 1, 80.° n.° 2 al. c), 14.° n.° 3 e 89.° n.° 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

VII - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

VIII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo” esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos art.°s 90.º n.° al. c), 46.° n.° 1, 80.° n.° 2 al. c), 14.° n.° 3 e 89.° n.° 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.° 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art.° 12°, 46°, 48.° e 56.° do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida, tendo concluído: a. O recurso interposto pela FP assenta nos seguintes pontos: (i) a falta de representante fiscal; (ii) inaplicabilidade do artigo 12.° do TCE; (iii) a errada transposição da Directiva Mães-Filhas e (iv) a inexistência de efeito directo da directiva; (v) a inexistência de efeito directo do artigo 56.° do TCE; e (vi) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente.

  1. Quanto ao primeiro ponto, foi feita prova nos autos da designação de representante fiscal, não obstante tal exigência ser inconstitucional e incompatível com o direito comunitário, conforme bem decidiu o Tribunal a quo.

  2. Os argumentos invocados quanto aos pontos (ii), (iii) e (iv), conforme referido, encontram-se totalmente à margem do presente processo, em que não se discute a aplicação do artigo 12.° do TCE, ou a transposição ou efeito directo da Directiva Mães Filhas, mas tão-somente a desconformidade do direito nacional com a liberdade de circulação de capitais estabelecida no artigo 56.° do TCE, actual artigo 63.° do TFUE. Assim, não devem os mesmos ser considerados no presente recurso.

  3. Já quanto à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais sobre a matéria, sendo assente que as situações são comparáveis e que o regime é discriminatório, conforme se demonstrou na impugnação judicial e nas conclusões seguintes.

  4. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.° 1, c) do artigo n.° 88.°, e n.° 2, c) do artigo n.° 80.° do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.° 3 do artigo n.° 14.° do CIRC a contrario.

  5. A mesma obrigação de proceder a retenção na fonte estava prevista para entidades residentes em território nacional, a qual estabelecia a dispensa deste dever bem como não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.° 1 c) e 46.° n.° 1 (nas redacções em vigor à data).

  6. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.

  7. Sendo residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal.

  8. Contudo, caso fosse considerada residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B…….. incluídos na base tributável, seriam deduzidos para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.

  9. Em suma, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, verificando-se assim uma desigualdade de tratamento unicamente com base no local de residência, a qual deve ser considerada discriminatória e como tal violadora da liberdade de circulação de capitais.

  10. No caso em análise, embora estejamos perante uma sociedade residente e uma sociedade não residente em território Português, as situações são objectivamente comparáveis porquanto as diferenças de tratamento não se justificam por quaisquer diferenças objectivas entre a situação das entidades residentes e daquelas não residentes (acórdãos Schumacker, já referido, n.ºs 36 a 38, e Asscher, já referido, nº 42).” 7.

  11. Ora, conforme foi decidido repetidas vezes pelo Tribunal de Justiça (designadamente nos acórdãos proferidos nos processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit Internationaal e Denkavit France, Amurta, Secilpar e Amorim Energia BV) e acolhidas pela jurisprudência dos Tribunais nacionais (entre outros, vide Ac. STA de 29.02.2012, proc. 01017/11), as situações, como a da Recorrida são situações comparáveis na medida em que “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 35, e Amurta, n.°38) m. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis, pelo que estamos verdadeiramente perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a FP.

  12. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, já que na Convenção celebrada com a Holanda se estabelece como método de eliminação da dupla tributação jurídica o método da imputação ordinária e não o método da imputação integral, sendo este último o único que permite neutralizar a dupla tributação económica a que a Recorrida foi sujeita, mitigando assim a desvantagem económica causada pela norma doméstica discriminatória (a qual só seria totalmente eliminada se a Holanda concedesse um crédito de imposto integral no exacto momento em que foi retido imposto em Portugal - caso contrário sempre subsistiria um cash-flow disadvantage).

  13. Na prática, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito de imposto, porquanto os dividendos recebidos se encontram isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.

  14. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior - correspondente à retenção efectuada - do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.

  15. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retorno económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social...

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