Acórdão nº 056/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……………., inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 23 de Abril de 2013, que declarou a inutilidade parcial superveniente da lide decorrente da revogação parcial da liquidação impugnada que passou a desconsiderar o englobamento dos rendimentos da categoria G, e julgou a impugnação improcedente na parte restante, absolvendo a Fazenda Pública do pedido, que a ora recorrente havia feito contra a liquidação de IRS do ano 2000 com o nº 5004122235 no montante de 149.473,07€ de imposto e 27.691,41€ de juros compensatórios.

Alegou, tendo concluído como se segue: 1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrente contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.° 2004 5004122235, relativa ao exercício de 2000, no valor de € 177.164,48; 2.ª Efetivamente, entendeu o Tribunal recorrido que, em conformidade com o disposto no artigo 45°, n.° 1, alínea b), do Código do IRS e tendo em vista a prova do valor de aquisição dos valores mobiliários geradores de mais-valias, “(...) o legislador não se bastou com a mera apresentação de prova dos valores declarados no negócio celebrado de aquisição de determinada quota. (...) pretendeu ir mais longe, exigindo a prova efectiva documentada do custo ocorrido e não do valor do negócio.” (cf. página 15 da sentença recorrida), pelo que “(...) relativamente à escritura pública de cessão de quota a que se reportam os autos (…) apenas resulta provado plenamente que na presença do notário foi declarado que a quota seria cedida pelo valor de 75.000.000$00, ou seja 374 098,43€” (cf. página 16 da sentença recorrida), devendo a Recorrente ter-se socorrido “(…) de outro tipo de prova documental susceptível de comprovar esse custo”; 3.ª Ora, não pode colher este entendimento; 4.ª É que, ao invés do que resulta da sentença recorrida, a comprovação do valor de aquisição depende da apresentação de qualquer documento que possa atestar de forma convincente e integral o custo efetivo, qual seja, no caso sub judice, o valor de aquisição da quota da sociedade B………………., Lda.; 5.ª Nesta medida, resulta inequívoco o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, ao fazer depender a comprovação do valor de aquisição de uma quota, exclusivamente, da apresentação dos meios de pagamento utilizados; 6.ª Este foi também o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do acórdão de 07.11.2006, proferido no processo n.° 01746/07, referente a situação idêntica à dos presentes autos e no qual se controvertia a comprovação do valor de aquisição de uma quota; 7.ª Nesta medida, consagrando o artigo 45.°, n.° 1, alínea b), do Código do IRS, como já se referiu supra, a possibilidade de recurso a todos os meios de prova previstos na lei, afigura-se que a escritura pública, pelos seus requisitos formais e materiais, não pode deixar de ser considerada como meio de prova admissível quanto ao valor de aquisição da quota sub judice, já que, enquanto documento autêntico, faz prova plena dos factos e negócios jurídicos dele constantes, como resulta do disposto no artigo 371.° do Código Civil; 8.ª Pelo que, em face do exposto, resulta evidenciado o erro de julgamento da sentença recorrida; 9.ª Sem prejuízo do que acima se referiu, a Recorrente não pode deixar, ainda assim, de destacar a manifesta incoerência e discrepância do procedimento seguido pela administração tributária e que o Tribunal a quo validou na sentença recorrida, já que a administração tributária desconsiderou o valor probatório da escritura pública de cessão de quotas para efeitos de comprovação do valor de aquisição da quota, mas aceitou a escritura pública como meio idóneo para comprovar o valor de realização da mesma quota, ocorrido em 2000, o que é manifestamente ilegal; 10.ª A tal conclusão não obsta a afirmação que consta da sentença recorrida no sentido de que “(...) é a própria lei que distingue as duas situações, ao impor uma exigência específica de prova quanto ao custo de aquisição, o que não faz quanto ao valor de realização, sendo certo que neste caso, perante a apresentação de uma escritura pública, sempre caberá à A. T. o ónus da prova de que os valores aí declarados não correspondem aos valores reais e efectivos.” (cf. página 17 da sentença recorrida); 11.ª Desde logo, porquanto, seguindo o raciocínio da administração tributária e que foi acolhido pelo Tribunal recorrido, também para o valor de alienação se imporia a apresentação de cópia do meio de pagamento, face ao artigo 44.° do Código do IRS, não procedendo um entendimento que suporte que apenas para a comprovação do valor de aquisição existe uma exigência específica de prova; 12.ª Para além disso, sempre se dirá que, com aquela afirmação, o Tribunal acaba por reconhecer a impossibilidade de afastamento dos valores constantes da escritura pública, ao constatar que “(…) sempre caberá à A.T. o ónus da prova de que os valores aí declarados não correspondem aos valores reais e efectivos (...)”, donde resulta que a administração tributária não poderia, sem mais, ter desconsiderado o valor de aquisição constante da escritura de cessão de quota; 13.ª Pelo que, também por esta razão, se impõe a anulação da decisão recorrida; 14.ª Ainda que se admitisse, o que se aceita apenas por dever de patrocínio, sem conceder, que as escrituras públicas consubstanciam um documento autêntico mas não constituem, para efeitos do artigo 45.°, n.° 1, alínea b), do Código do IRS, elemento idóneo para comprovar, de forma plena, o preço de aquisição da quota, mesmo assim, o ato tributário impugnado, bem como a sentença recorrida, não podem deixar de ser anulados; 15.ª Com efeito, em face da presunção de veracidade que decorre das declarações apresentadas pelos contribuintes prevista no artigo 75.° e no artigo 74.° da LGT, no qual se determina que o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos recai sobre quem os invoque, impunha-se à administração tributária para alterar o valor de aquisição da quota declarado que demonstrasse que o valor constante da escritura pública não correspondia ao preço efetivamente pago ou praticado; 16.ª Só após a comprovação de que o preço declarado na escritura divergia do preço real praticado poderia a administração tributária desconsiderar o preço de aquisição constante da escritura e fixar um outro, competindo depois ao contribuinte, em face da referida prova, demonstrar o contrário; 17.ª Assim, na ausência de qualquer prova que permita obstar à verificação da presunção prevista nos artigos 74.° e 75.° da LGT, o...

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