Acórdão nº 01402/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução27 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo A………………….., SA, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 14.01.2016 no recurso nº 634/06.0BEPRT, no qual se concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, se revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e se julgou procedente a impugnação apresentada, vem interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal por considerar que o referido acórdão está em oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22 de Junho de 2011, proferido no âmbito do recurso nº 341/06.3BEPRT.

2 - Por despacho do Exmº Relator exarado a fls. 549/550 dos autos, foi admitido o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 284º, nº1 do CPPT.

3 - A recorrente veio apresentar a fls. 555 e seguintes, alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados com o seguinte quadro conclusivo: «A. Os acórdãos tirados pelo TCA-Norte nos processos n.ºs 341/06.3BEPRT e 634/06.OBEPRT, respectivamente, acórdão fundamento e acórdão recorrido, debruçam-se sobre a mesma operação de reorganização societária, mas vista de dois ângulos distintos.

  1. Estamos perante a mesma operação, à qual o TCA-Norte aplicou as mesmas regras jurídicas, a saber, o artigo 23° do CIRC — que contém a regra sobre a (in)admissibilidade dos custos fiscais — e o então artigo 58.º do CIRC — relativo aos preços de transferência — chegando a conclusões diametralmente opostas, o que coloca em causa o princípio constitucional da confiança e segurança jurídicas.

  2. Um dos primeiros e mais flagrantes erros em que incorre o acórdão recorrido é o de considerar que os encargos (menos-valias) decorrentes da transmissão onerosa de um determinado activo de que a recorrente é titular (participações sociais) emanam de actos que, não obstante a sua empresarialidade, não são próprios da sua actividade comercial, industrial ou produtiva porque extravasam o respectivo fim ou objecto social. Quer dizer, o Tribunal aceita, neste posto, imputar ao artigo 23.º do CIRC uma indexação ao objecto social ou estatutário, com vista a sustentar que todos os actos, mesmo considerados empresariais, que aí não se subsumam expressamente não são dedutíveis.

  3. Ora, esta leitura daquela norma encontra-se em absoluta oposição com a que vem sustentada no acórdão fundamento, para o qual a ligação entre a indispensabilidade e o objecto social não é, nos termos do artigo 23°, uma conditio sine qua non, para que se ache preenchida a condição — essa sim da indispensabilidade dos custos dedutíveis fiscalmente. O interesse da sociedade não se encontra absolutamente refém do literal objecto social, pelo contrário, interesse da sociedade afere-se em função da actividade (legal) efectivamente exercida.

  4. Na base do acórdão fundamento está a ideia de que o legislador fiscal não cuidou, nem no artigo 23.º nem noutra disposição, da relação específica da actividade das empresas com o seu objecto legal e estatutário. E ao não tê-lo feito, naturalmente que nos remetia para a actividade legal e efectivamente exercida ou, pelo menos, reservou esse juízo ou interpretação prévia aos critérios vigentes no domínio do direito das sociedades em geral, de acordo com as disposições conjugadas do art.º 11.º da LGT.

  5. E, sendo assim, a conclusão é só esta, como se sustenta no acórdão fundamento, contra a tese propugnada no acórdão recorrido: custos, contabilizados como tal, que se inscrevem no âmbito da actividade da recorrente, são sempre indispensáveis, e consequentemente, dedutíveis fiscalmente, ainda que lhes subjaza uma operação empresarial insólita, arriscada, anormal ou ruinosa — o que nem sequer é o caso dos presentes autos.

  6. Por outro lado, existe igualmente no acórdão recorrido um raciocínio baseado em censura relativamente ao facto de a recorrente ter agido de um modo dirigido à obtenção de um determinado fim fiscal — a obtenção de um determinado resultado fiscal — O acórdão recorrido desenvolve como única linha argumentativa a tese de que a menos-valia em questão não poderia ser fiscalmente relevada, na medida em que a impugnante, na sua declaração, teria infringido a regra do n.º 1 do artigo 23° do CIRC, segundo a qual apenas se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

  7. Ou seja: a decisão proferida é toda assente na base do alegado desrespeito pelo princípio da independência a que estão obrigadas as entidades especialmente relacionadas (e não na dispensabilidade da perda suportada com a transmissão de participações sociais em causa), mas a norma que se alega ter sido violada nada tem a ver com essa fundamentação, sendo absolutamente imprestável para conformação legal da situação de facto.

    I. Seja como for, a verdade é que, quer se tivesse seguido, congruentemente, uma ou outra linha de argumentação, nunca a situação de facto relevante teria consubstanciado qualquer contravenção legal e seria, portanto, verdadeiramente subsumível ao direito mobilizado.

  8. Por outro lado, no acórdão recorrido não se chega verdadeiramente a colocar em causa, de modo consequente, a adequação das condições do negócio celebrado (preço e termos), do que se devia poder inferir que, do seu ponto de vista, não teria sido um possível ajustamento daquele valor à medida da menos-valia desejada que permitiu que esta viesse a ser efectivamente apurada.

  9. Contudo, por se tratar de uma operação entre entidades relacionadas, não se estranharia que a fundamentado impugnada pretendesse demonstrar que a perda experimentada pela recorrente seria o resultado de uma subavaliação — inadmissível numa relação at arm’s length — do valor das participações sociais transmitidas e, que, portanto, para o corrigir fiscalmente, invocasse a regra do artigo 58° do CIRC, de acordo com a qual entre entidades sujeiras a relações especiais “devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites ou praticados entre entidades independentes em operações comparáveis L. Não obstante, a verdade é que, nos autos em que foi proferido o acórdão recorrido, não foi a desadequação dos preços praticados o fundamento escolhido pela Administração fiscal para suportar a legalidade dos actos impugnados — o que, de resto bem se compreende, na medida em que os preços praticados foram indiscutivelmente os preços de mercado: o preço de mercado das participações sociais de sociedades cotadas em bolsa é, invariavelmente e por definição, o valor da sua cotação bolsista em cada momento. Sendo assim, não poderia ser este também o pressuposto em que o acórdão recorrido deveria ter fundado a solução jurídica da causa.

  10. Antes teria sido necessário, como no acórdão fundamento, percorrendo o caminho da relação at arm’s lengfh, tê-lo expressamente invocado, com todas as exigências indiciárias e de demonstração inerentes à utilização deste recurso.

  11. Ao invés, o Tribunal preferiu, no acórdão recorrido, lançar mão do artigo 23° do CIRC, mesmo sabendo que, para tal, todos os elementos mobilizados, indícios recolhidos e suspeitas levantadas apenas à utilização do artigo 58° e relações especiais respeitavam.

  12. A evidente contradição entre fundamentos de facto e os fundamentos legais utilizados no acórdão recorrido é mais do que contrariada e combatida no acórdão fundamento, que expressamente se posiciona num sentido de franca oposição com aquela opção.

  13. E, de resto, seja qual for o método pelo qual a Administração fiscal julga que a recorrente terá cumprido a intenção que aquela tanto lhe quer imputar (a produção de um determinado resultado fiscal através de um conjunto de operações com empresas do seu grupo económico, pré-ordenadas a esse fim) — seja através dos preços praticados ou pela forma como foram satisfeitas as obrigações decorrentes daquelas operações — é inegável que, ainda que essa intenção existisse, o respectivo efeito fiscal jamais poderia ser desconsiderado com fundamento no artigo 23° do CIRC.

  14. Justamente, a regra de que as menos-valias, enquanto perdas suportadas pelo sujeito passivo de imposto, concorrem negativamente para a determinação da matéria colectável é expressamente acolhida pela alínea i) desse preceito — nos termos da referida norma, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente as menos valias realizadas.

  15. Ora, de acordo com a formulação do artigo 23° do CIRC, a regra, bem ao invés do que pretende demonstrar o acórdão recorrido — contra o que vinha defendido no acórdão fundamento —, é a de que as menos-valias realizadas (isto é, as que não são meramente latentes) são custos fiscalmente dedutíveis — muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado: não lhe assiste qualquer margem de livre apreciação, nem lhe cabe formular juízos de oportunidade.

  16. Da mesma forma, por se tratar de determinar o significado do conceito, não está em causa qualquer especial saber técnico, juízo de mediação ou valoração pessoal; trata-se antes de um juízo de tipo cognoscitivo — rigorosamente controlável pelo tribunal —, o qual se há-de basear exclusivamente no quadro factual que consta do procedimento.

  17. É exactamente por ser assim que o artigo 23° do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos actos de gestão das empresas; num ordenamento jurídico que reconheça expressamente a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode...

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