Acórdão nº 0259/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução05 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

“A………, SA”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/L] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 03 e segs. dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste no pagamento à A. de «quantia não inferior a 40.000,00 €» a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

  1. O TAC/L, por sentença de 31.03.2017 [cfr. fls. 198/207], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

  2. A A. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] que, por acórdão de 19.12.2017, negou provimento ao recurso, julgando-o improcedente e mantendo o decidido [cfr. fls. 268/310].

  3. Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], a A., de novo inconformada agora com o acórdão proferido pelo TCA/S interpôs, então, o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 317 e segs.

    ], com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «… 1. A ora Recorrente, instaurou uma ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, invocando a violação, pelo Réu, do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e artigo 6.º da CEDH).

  4. Sucede que, por douta Sentença proferida em 31 de março de 2017, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido, fixou à causa o valor de 40.000,00 € e condenou a Autora nas custas.

  5. Não conformada com a decisão supra referida, a Autora ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, o qual foi admitido, tendo sido proferido o Acórdão ora recorrido, com data de 19 de dezembro de 2017, com a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul o seguinte: I - Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida. II - Condenar a Recorrente nas custas do presente recurso jurisdicional. III - Registe e notifique”.

  6. Daquele Acórdão vem a Recorrente interpor o presente Recurso de Revista.

    (…) 10. Por um lado, em ações de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável a jurisprudência entende que deve ser conhecida, sempre, e primeiramente, a existência de um facto ilícito, o qual será a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável cfr. Acórdão do STA, de 9 de outubro de 2008: “A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável constitui, sem dúvida, violação do direito fundamental a uma tutela judicial efetiva, nos termos dos já citados art. 20.º, n.º 4, da CRP e art. 6.º, n.º 1, da CEDH, mas, em primeiro lugar há que demonstrar essa violação e, portanto, o facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado aqui em causa, o que incumbe aos AA., nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC.

    Só depois de objetivamente provada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral, de que dessa violação resulta um dano moral para o interessado naquela decisão judicial, presunção que, todavia, pode ser ilidida por mera contraprova” (Processo n.º 0319/08, Relator Rosendo José, acórdão disponível em www.dgsi.pt).

  7. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que proferiu sentença no âmbito dos presentes autos deu como provados todos os factos invocados pela Recorrente, donde deveria dar como provada a existência de um facto ilícito, tendo, contudo, eximindo-se de conhecer a existência de um facto ilícito.

  8. Estamos perante uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e que determina a nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA, o que se alegou no Recurso de Apelação.

  9. Nulidade que é extensível ao Acórdão ora recorrido, que, em evidente contradição com a citada jurisprudência deste Supremo Tribunal - e, mais do que isso, ignorando tal jurisprudência! -, reiterou a argumentação tecida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

  10. A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado no respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º da CRP), que se subordina à Constituição e a validade dos seus atos depende da sua conformidade com a Constituição (artigo 3.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, sendo tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático (artigo 9.º, alínea b), da CRP).

  11. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição e as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, da CRP), sendo os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias diretamente aplicáveis às entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da CRP).

  12. Em particular, e com relevância para o caso sub judice, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP).

  13. Nos termos do artigo 22.º, da CRP, “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”, o que é concretizado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

  14. Assim, a violação de um direito fundamental deverá gerar, per si, o direito a uma indemnização, sob pena de se ver esvaziado o sentido e estatuto daquele direito.

  15. Sucede que, a posição assumida pelo Tribunal a quo no que respeita ao pressuposto do dano não é unânime na jurisprudência nacional, e colide com a jurisprudência do TEDH.

  16. O STA, em Acórdão datado de 09 de outubro 2008 - supra citado -, proferido no âmbito do processo no processo 0319/08, defende que o dano decorrente da violação do direito fundamental em apreço gera um dano psicológico e moral comum que constitui um facto notório, e como tal não carecendo, como vimos, de alegação (nem de prova).

  17. Também o TEDH admite uma verdadeira presunção de dano não patrimonial a favor do administrado que decorre de uma justiça morosa, e admite a presunção de que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar (cfr. Acórdão do TEDH, de 29 de março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália - Acórdão que é, de resto, invocado na decisão objeto do presente recurso; e Acórdão do TEDH, de 22 de junho de 2004, caso Bartl c. República Checa, ambos disponíveis em www.europa.eu).

  18. Pelo que se impunha, no caso em apreço, em primeiro lugar aferir da existência de um facto ilícito, para que, concluindo que existe uma violação do direito fundamental à realização da justiça em prazo razoável, retirar daí um dano moral decorrente dessa mesma violação, enquanto facto notório …».

  19. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 339 e segs.

    ] concluindo nos seguintes termos: «… 3.º A não apreciação do pressuposto ilicitude não constitui causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto basta a não verificação de um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual para a improcedência da ação.

    1. No caso em apreço, uma vez que não foi concretizado o dano não patrimonial na P.I. (ou sequer quaisquer outros danos), e não se encontrando demonstrada a sua existência na factualidade provada, o que incumbia à Autora (art. 342.º do C. Civil), não é, sequer, possível concluir pela verificação da ilicitude na atuação do Tribunal de Execuções.

    2. A ilicitude, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não significa a mera violação de uma disposição legal, exigindo a lei que se traduza na violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios e que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados, ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjetivas dos cidadãos, lesão que não foi demonstrada in casu, pelo que inexiste facto ilícito (cf. art. 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12) - Ac. do STA, de 21/05/2015, proc. n.º 072/14 Ac. do STA de 27/10/2004, Proc. 011214/02, Ac. do mesmo Tribunal, de 07/03/1989, Proc. 026525, e do TCA Sul, de 9/11/2017, processo n.º 11 505/14.

    3. Assim, uma vez que o alegado atraso não foi lesivo de quaisquer direitos da ora Recorrente, e dado que, não tendo...

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