Acórdão nº 02950/14.8BEBRG 0456/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução03 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2950/14.8BEBRG 1. RELATÓRIO 1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) relativa ao ano de 2014.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, e a Recorrente apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «1. Nos termos da Portaria n.º 215/2012, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora; 2. No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012); 3. Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento; 4. O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art. 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos termos do n.º 2 do art. 9.º pela DGAE; 5. Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art. 4.º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art. 5.º; 6. O processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o mencionado procedimento; 7. Existiu, pois, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da Liquidação.

8. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n.º 215/2012 e no art. 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012.

Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso, Deve revogar-se a sentença considerando-se improcedente a impugnação com o que farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA».

1.3 A Recorrida contra-alegou, com conclusões do seguinte teor: «A- O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.

B- O entendimento da Fazenda Pública segundo o qual era dispensável a audiência prévia à liquidação porque a Recorrida não forneceu os dados referentes à área do estabelecimento é, no mínimo, enviesada, por olvidar os princípios enformadores do procedimento tributário, designadamente os princípios do inquisitório e da participação, não sendo a liquidação dotada de certeza sobre a realidade tributária.

C- No entanto, ao contrário do que pretende fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não torna dispensável a participação do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.

D- A actuação da Recorrente ofende cada um dos princípios contidos no artigo 55.º da Geral Tributária e, em especial, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida; e, mesmo que não tivesse diligenciado neste sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.

E- É inadmissível que a DGAV, enquanto entidade pública, entenda como dispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre uma realidade tributária que esta desconhece, preferindo, ao invés, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder à verdade, o que é mais grave quando é cristalino que os factos concretos estão ao alcance da Recorrida.

F- A DGAV ao recorrer à aplicação do critério de quantificação previsto na Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio, nos termos do artigo 5.º, n.º 5, da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, está a estabelecer uma presunção da área de comércio dos produtos alimentares, área essa sobre a qual incide o tributo em causa.

G- A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267.º, n.º 5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

H- Aqui chegados, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc. n.º 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267.º da CRP e 60.º da LGT). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.

I- Ora, do exposto supra resulta que a decisão final do procedimento de liquidação teria sido diferente se à Recorrida for conferida a hipótese de se pronunciar claramente em momento prévio ao da liquidação.

J- De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.

K- In casu, o procedimento tributário tendente à liquidação é composto por um ofício de notificação e uma factura que consubstanciam a liquidação em sentido técnico.

L- Como indica, e bem a sentença recorrida, “a nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo”.

M- A taxa de segurança alimentar mais, de acordo com o artigo 54.º da Lei Geral Tributária, está dependente de um procedimento prévio, isto é, da sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários, sendo tal potenciado pela incerteza permanente que se vive quanto à sua natureza.

N- Seja como for, entende a sentença recorrida que se está perante uma contribuição especial e não perante uma mera taxa, pelo que se impõe um procedimento prévio à liquidação, de forma a serem respeitadas as garantias dos sujeitos passivos, levando ao procedimento as suas razões, que deverão necessariamente ponderadas pela Administração. Sucede que nada disto foi observado pela DGAV, que se limitou a fazer tábua rasa dos mais elementares direitos da Recorrida.

O- Assim, a taxa de segurança alimentar mais é composta pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo, detendo este, em todo o momento, as ferramentas necessárias para conhecer da área de venda de produtos alimentares.

P- Tão ou mais importante é considerar que as isenções do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 119/2012, também obrigam à participação e colaboração do sujeito passivo para que se obtenha certeza jurídica sobre aquilo que deve – ou não – ser tributado.

Q- Mais importante que tudo será considerar que a liquidação não é o resultado aritmético de meros cálculos matemáticos, mas antes um regime complexo na determinação da base tributável, devendo ser considerada a existência de um...

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