Acórdão nº 0846/09.4BELLE-A 0293/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA, A……. e B……, já devidamente identificados nos autos, interpuseram dois recursos de revista, independentes, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 09.11.2017, que negou provimento às duas apelações por eles interpostas da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [TAF], datada de 19.01.2016, a qual, no âmbito de uma execução de julgado, promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, ordenou a demolição de uma moradia e impôs uma sanção pecuniária compulsória ao Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Albufeira.

    1. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA [MA] formulou, na sua revista, estas conclusões: I. Quanto aos pressupostos de admissibilidade do «recurso de revista»: 1- O presente recurso excepcional de revista vem interposto do douto acórdão da 1ª Secção do 2º Juízo do TCAS, que julgou improcedentes os recursos de apelação interpostos da sentença proferida pelo TAF de Loulé, e determinou a demolição, em 3 meses, da moradia dos contra-interessados A…. e marido, e impôs a todos os membros da vereação do recorrente sanção pecuniária compulsória pelo eventual atraso naquela demolição; 2- Apoia-se este recurso, quanto aos pressupostos de admissibilidade, na relevância jurídica e social das questões de importância fundamental a decidir; 3- A relevância jurídica das questões a decidir radica na circunstância de, na interpretação que faz das normas aplicáveis ao caso, designadamente da salvaguarda dos direitos de terceiros de boa-fé perante a declaração de nulidade de acto administrativo, expressa, para o que ao caso importa, no nº3 do artigo 162º do CPA - salvaguarda essa que a sentença exequenda, de resto, havia abordado e consignado de modo expresso - o acórdão recorrido vir subscrever o entendimento propugnado pela 1ª instância, de que os direitos emergentes de hipoteca registada sobre prédio rústico, mas destinada - pelo momento e com o conteúdo em que foi constituída - a servir de garantia a financiamento para a construção de um edifício nesse mesmo imóvel, não saem prejudicados com a sua manutenção apenas sobre o terreno, despojado do edifício; 4- Isto em consequência de sentença [a executiva, apelada] que viria a decretar a demolição desse edifício cerca de doze anos após a prolação dos actos de licenciamento emitidas pela autoridade administrativa competente; 5- Esta tese, que o recorrente respeitosamente crê repugnar ao Direito, faz tábua rasa de circunstâncias ponderosas, que merecem a tutela dos princípios da protecção da confiança e da boa-fé, nomeadamente de terceiros em relação ao acto administrativo, mas também dos sujeitos, individuais e empresas, que confiam na legalidade dos actos da Administração para a partir dela se obrigarem em operações de crédito muitas vezes de significativa amplitude, directamente relacionadas com o financiamento da edificação; 6- Pelas razões aduzidas em alegações, que em economia de meios nos permitimos dar por reproduzidas, o entendimento do tribunal a quo, neste contexto específico, viola o disposto no artigo 162º, nº3, acima referido, e no artigo 10º, ambos do CPA, e no nº2 do artigo 266º da Lei Fundamental; 7- Tal interpretação, a vingar, propiciará, com grande margem de segurança, grave impacto negativo, e de magnitude dificilmente quantificável, na estrutura económica e social do nosso país, pois nem os particulares directamente interessados em operações urbanísticas [pessoas singulares e empresas] nem o sistema bancário, que as mais das vezes fornece os meios financeiros que permitem a sua realização, poderão confiar em actos administrativos de teor permissivo, emitidos por quem detém competência legal para os proferir, quando os efeitos produzidos no mundo real ao seu amparo, ao cabo de uma década ou mais, podem ser totalmente destruídos por opção tomada quanto à medida ou extensão das consequências de ulterior declaração de nulidade daqueles actos; 8- A insegurança daqui resultante para a sociedade impõe, pelo exposto, e como boamente se crê e defendemos, que a interpretação que o acórdão recorrido faz do nº3 do artigo 162º do CPTA é manifestamente ilegal, e, em última análise, inconstitucional, e introduz uma incerteza e disparidade na análise e aplicação das normas jurídicas pelos tribunais, susceptível de afectar profundamente os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos; 9- Tal insegurança para a generalidade dos cidadãos advém também de se manter ilesa a decisão do TAF de Loulé que deferiu o pedido do MP de que a moradia dos contra-interessados fosse demolida, sem outra alternativa, manutenção integral de julgado que decorre do acórdão ora em revista; 10- Aplica-se aqui, sem alteração de realce, quanto se adiantou nas conclusões VII a IX, retro, mas também a circunstância de, consabidamente, e como os tribunais superiores - TCAS incluído - vêm conformando, a demolição de edifícios em virtude da declaração de nulidade dos actos administrativos se arvorar como ultima ratio da reposição da legalidade, e não, como se decidiu na 1ª instância, e o acórdão recorrido confirma, a unica sanctio de entre o catálogo de actos em que se possa consubstanciar a reparação do ordenamento jurídico declarado infringido; 11- Decidir, como faz o acórdão recorrido, que a possibilidade de legalizar a obra tem que ser real e presente ou iminente, ou não existe, é, parece-nos, desprezar o disposto no artigo 167º do RGEU, que exige que aquela seja susceptível, outrossim, de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade; 12- Num quadro em que, como consta dos autos, e o acórdão recorrido refere, se encontra em revisão o PDM que a sentença exequenda considerou violado, conviria à melhor aplicação do direito estabelecer-se que, para efeitos daquele artigo 167º do RGEU, como para os do artigo 102º-A do RJUE, e ainda para os do artigos 173º, nºs 1 e 2, do CPTA, os tribunais devam fixar um prazo razoável para se comprovar que a obra é realmente passível de se tornar conforme com a lei; 13- O que está em causa não é já a qualificação dos actos administrativos como válidos ou inválidos, questão que se encontra dirimida nos presentes autos e no entendimento deste STA, e que confronta o direito aplicável à data daqueles actos administrativos: o que está em causa é impor-se a fortiori a demolição, como única medida capaz de satisfazer o direito, e que, por irreversível, torna inútil qualquer possibilidade de aproveitamento da construção, mesmo que, em reexercício das competências que detém, a Administração reconheça que ela é susceptível de vir a satisfazer os requisitos exigidos por lei, como esclareceu este Supremo Tribunal no AC de 30.09.2009 [processo nº0210/09]; 14- Como erradica tal possibilidade ao abrigo de nova lei que, num quadro temporal necessária e racionalmente definido, crie as condições jurídicas de conformidade da obra, à luz desse mesmo reexercício de competências; 15- A questão que se coloca é, pois, a da bondade e juridicidade de se estabelecer, como fez a sentença executiva, e pontuou o acórdão recorrido, que a única solução que agrada ao direito é a demolição e num prazo objectivamente curto - 3 meses - para criar uma situação de irreversibilidade que, a confirmar-se, constituirá óbice intransponível a que qualquer daquelas possibilidades possa revelar-se exequível; 16- Por fim, o acórdão recorrido, conquanto aponte no relatório para uma via de exculpação do presidente da câmara municipal, enquanto membro do órgão encarregado de dar cumprimento à decisão judicial executiva, confirma apesar disso, ao manter integralmente o julgado da 1ª instância, que, ainda que legalmente impedido de participar no procedimento em que se substancie aquele cumprimento, aquele titular do órgão fica em todo o caso sujeito à sanção pecuniária compulsória prevista para o incumprimento; 17- Tal interpretação do disposto no nº4 do artigo 169º é incompatível com a manutenção pura e simples do julgado executivo apelado, importando estabelecer, para melhor aplicação do direito, que, ao contrário do decidido pela 1ª instância, os titulares do órgão da Administração incumbente de dar cumprimento ao julgado executivo mas que se encontrem em situação de impedimento já declarada...

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