Acórdão nº 0852/17.5BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução10 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 852/17.5BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública (a seguir Recorrente) junto do Tribunal Central Administrativo Sul recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão por que aquele Tribunal, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgando procedente a reclamação deduzida pelo ora Recorrido, acima identificado, anulou o despacho do órgão da execução fiscal que indeferiu por intempestividade pedido de anulação de venda de fracção destinada a habitação própria e permanente do Recorrido e filhos menores.

1.2 O Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «a) As questões que se pretendem ver melhor analisadas pelo tribunal “ad quem” no presente recurso, são, por um lado: a de saber se o acto correspondente à venda é um acto materialmente administrativo ou um puro acto de tramitação da execução fiscal, e Por outro lado: b) A de saber qual a lei aplicável ao caso concreto, se o regime da invalidade dos actos administrativos previsto nos arts. 161.º e 162.º do CPA ou se o disposto no art. 257.º n.º 1 al. c) do CPPT; c) No acórdão recorrido entendeu-se que o acto de venda do imóvel é um acto materialmente administrativo e, como tal, susceptível de ser declarado nulo ao abrigo dos arts. 161.º e 162.º do CPA, sendo, tal vício no entendimento que obteve vencimento no acórdão, invocável a todo o tempo; d) Entendendo-se assim [no acórdão recorrido] que, in casu, não se aplica o disposto no art. 257.º n.º 1 do CPPT; e) Já para a FP o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito – em clara violação de lei substantiva –, o que afecta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto de um desacerto ou de um equívoco; f) Assim, entendemos que o acórdão recorrido não deve manter-se, sendo, a admissão deste recurso de revista, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; g) In casu, o presente recurso é absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador da violação de lei substantiva; h) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas; Vejamos: i) Em primeiro lugar e contrariamente ao entendimento sufragado no neste acórdão, entende, a FP, que o acto correspondente à venda não é um acto meramente administrativo. É, sim, à semelhança de outros actos praticados na execução fiscal, um acto de tramitação da execução fiscal não incluído no âmbito do art. 148.º do CPA (anterior art. 120.º do CPA); j) É também este o entendimento da jurisprudência e da doutrina dominante; k) Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 26/05/2010, exarado no processo n.º 0343/10, prevê que: “Ora, em rigor, o acto em causa não se trata de um acto administrativo verdadeiro e próprio.

Pelo contrário, tal acto, como, de resto, outros proferidos pelo órgão de execução fiscal, designadamente, aquele em que se ordena a instauração da execução, a citação dos executados, a penhora dos bens, a venda dos bens penhorados, a anulação da venda, a anulação da dívida e a extinção da execução, ainda que sob controlo jurisdicional pela via da reclamação para o juiz competente, não serão mais que puros actos de trâmite, de tramitação da execução fiscal, não incluídos consequentemente no âmbito do artigo 120.º do CPA” (negritos nossos); l) Também no acórdão do STA de 08/08/2012 [exarado no processo n.º 0803/12] que, apelando à doutrina de Lima Guerreiro, se entendeu que: “Por isso mesmo, concorda-se inteiramente como o comentário que Lima Guerreiro faz ao artigo 103.º da LGT, defendendo que «o processo de execução fiscal não tem, segundo o que a norma do número 1 expressamente declara, natureza meramente administrativa ou mesmo mista, mas é unitária e integralmente um processo judicial. Essa natureza integralmente judicial do processo não prejudica, no entanto, a participação dos órgãos da administração tributária nos actos sem natureza materialmente jurisdicional, ou seja, na prática dos chamados actos materialmente administrativos da execução fiscal. Não é, pois, cindível o processo de execução em uma fase formalmente administrativa e outra administrativa judicial.

Ele é unitariamente um processo de natureza judicial» (cfr. Lei Geral Tributária – Anotada – Editora, Rei dos Livros, 2000, pág. 421 e 422).

” (negrito nosso); m) Em segundo lugar, não pode, a FP, conformar-se com a aplicação – a um pedido de anulação da venda – do regime da invalidade dos actos administrativos/nulidade, previsto nos arts. 161.º e 162.º do CPA; n) Desta forma não poderá – como decidido no acórdão recorrido – ser pedida a declaração de nulidade da venda a todo o tempo; o) Os prazos para pedir a anulação da venda judicial encontram-se previstos no artigo 257.º CPPT, bem como, nos artigos 838.º e 839.º do Código de Processo Civil (CPC), in casu, o pedido de anulação de venda será susceptível de integrar a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT; p) Nestes termos, o requerimento de anulação de venda teria de ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da data da venda [art. 257.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPPT], uma vez que, como o próprio Reclamante reconhece, este foi legal e devidamente notificado para aquele efeito; q) Neste sentido veja-se, entre muitos, o acórdão do TCA Norte de 12-04-2013, exarado no processo n.º 00653/11.4BEPRT que, no seu sumário, explica que: “1- Nas situações de anulação da venda derivada de nulidades processuais cometidas no processo de execução fiscal, o prazo para requerer a anulação da venda é de quinze dias – alínea c) do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo Civil e alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (o art. 909.º do CPC corresponde ao actual art. 839.º do mesmo código); r) Em suma e salvo o devido respeito, poderemos afirmar que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, em clara violação de lei substantiva, tanto mais que assentou e foi fruto de um desacerto ou de um equívoco, razão pela qual, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, o presente recurso, absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito.

Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o acórdão recorrido, com todas as legais consequências […]».

1.3 O Recorrido não contra-alegou.

1.4 Por acórdão de 20 de Fevereiro de 2019 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, a revista foi admitida (Acórdão disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2c21840d5c117909802583ac003e9000.

), com a seguinte fundamentação: «[…] O acórdão negou provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do TAF de Sintra que julgara procedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrido do despacho de indeferimento – por intempestividade –, do pedido de anulação de venda por ele formulado ao órgão de execução fiscal, pedido este que tinha por fundamento a nulidade da venda decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, que deu nova redacção aos artigos 219.º, n.º 2 e 244.º n.ºs 2, 4 e 5 do CPPT.

O TCA-Sul, no acórdão em causa nos presentes autos, confirmou o entendimento de 1.ª instância, julgando que o pedido de declaração de nulidade da venda, que não de mera anulação desta, por este concreto motivo, poderia ser apresentado a todo o tempo e pelo reclamante, com fundamento na alteração promovida pela Lei n.º 13/2016, de 23/05, ao art. 244.º n.º 2 do CPPT, desde que reunidos os pressupostos de tal regime de proibição de venda, pois viola o conteúdo fundamental do direito à habitação constitucionalmente protegido, não se lhe aplicando o disposto no art. 257.º, n.º 1 do CPPT, em especial os prazos nele contidos, uma vez que, como resulta da sua epígrafe, aquele preceito legal aplica-se tão-somente aos casos de “anulação da venda” – cfr. acórdão, a fls. 201 dos autos.

Invoca a recorrente que a posição perfilhada no acórdão sindicado, que sustenta o seu entendimento na qualificação da venda realizada em execução fiscal como “acto materialmente administrativo” e lhe aplica o regime dos actos nulos prevista no CPA ao invés do disposto no artigo 257.º do CPPT, para além de ostensivamente errada, é contrária à jurisprudência deste STA e do TCA-Norte.

Não perfilhamos tal entendimento.

O acórdão pode até ter incorrido em erro de julgamento, mas a posição que adopta nem é ostensivamente errada, nem juridicamente insustentável. Encontra-se sustentada, na lei e na doutrina, em termos com os quais se pode ou não concordar, mas que de todo não constituem um manifesto erro de julgamento.

E no que respeita aos acórdãos deste STA e o do TCA-Norte invocados pela recorrente, alegadamente contrariados pelo entendimento adoptado no acórdão recorrido, cumpre...

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