Acórdão nº 0825/18.0BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução24 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – RELATÓRIO A……… LDA, com os sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o ato do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito da execução fiscal nº 1457201601008447, por dívidas de IRC e juros compensatórios dos anos de 2011, 2012 e 2013.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «A) - Atento o facto provado no ponto 2. do probatório, verifica-se que a recorrente indicou para efeitos de garantia os bens do ativo imobilizado, não o fazendo quanto aos bens do inventário e justificando que em caso de oneração das embarcações detidas para venda não poderá manter a sua atividade, pois não conseguirá comercializar bens onerados.

  1. – A douta sentença incorre em erro de análise, confundindo património e inventário, sendo entendimento da decisão recorrida de que são oneráveis para efeitos de garantia as mercadorias detidas para venda (ou seja, o inventário).

  2. – Tal solução implicaria que toda a mercadoria da Recorrente (até perfazer o montante da garantia) estivesse na disponibilidade do credor hipotecário, sempre que houvesse uma proposta de venda, o que na realidade constrange efetivamente a atividade regular da recorrente.

  3. – Com efeito, decorre das regras de experiência comum que não é normal, nem usualmente praticado, em qualquer atividade comercial, a venda de bens onerados.

  4. – Logo, a afirmação contida na sentença recorrida de que a ora recorrente não demonstrou como é que a constituição de garantia sobre a mercadoria a impediria de continuar a exercer a sua atividade, é infundada e não corresponde a um juízo de senso comum assente na realidade comercial da empresa.

  5. – Não é verdade que a recorrente se dedique a outras atividades para além da venda das embarcações, e como este facto não foi levado a probatório, o douto Tribunal “a quo” não poderia assentar a sua convicção em factos não provados ou não admitidos por acordo.

  6. – A afirmação contida na douta sentença recorrida de que a oneração das mercadorias não impede que a recorrente desenvolva a atividade a que se dedica é um juízo meramente teórico, sem aderência à prática e atividade empresarial, e da própria realidade procedimental da AT.

  7. – De facto, em teoria, nada impede a oneração de barcos detidos para venda, mas ao fazê-lo a recorrente sabe que dificilmente conseguirá vender os bens em condições normais de negócio, o que é também percetível para uma pessoa média, colocada perante os factos e a realidade concreta.

  8. – Porém, na prática comercial, o expectável e habitual é que, perante essa informação prestada a possível comprador, o interessado desistiria do negócio.

  9. – Mas, admitindo que, não ocorria desistência imediata por parte do interessado, e sendo pedido ao credor hipotecário autorização para venda ou substituição, esbarramos no que são os procedimentos da AT no que toca a demora na apreciação e decisão na avaliação e substituição de garantias, que não é compatível com as intenções ou decisões comerciais dos clientes.

  10. – Acresce que, perante informação prestada a potenciais compradores da existência de ónus sobre a mercadoria, os termos negociais alterar-se-iam com séria probabilidade de o comprador, sabedor da existência de dívidas fiscais, ficaria numa posição de vantagem económica que poderia usar para forçar a redução de preço.

  11. – Ademais, é expectável que a AT/OEF condicionasse a libertação da garantia mediante a entrega do preço, o que também ocasionaria graves dificuldades económicas para a recorrente, porque a recorrente seria forçada a pagar a dívida exequenda ao credor hipotecário, quando a dívida em causa é suscetível de ser apenas garantida face à existência de processo contencioso.

  12. – Por outro lado, ainda que o produto da venda ficasse constituído em garantia, implicaria de igual forma constrangimentos económicos e financeiros graves à recorrente, pois é através do produto das suas vendas que a recorrente adquire nova mercadoria e paga aos seus demais fornecedores, donde sem a disponibilidade do produto das vendas a recorrente enfrentaria prejuízos graves e incalculáveis.

  13. – Assim, resulta das constatações da experiência comum e do ponto de vista do homem mediano, que se impunha um juízo que considerasse demonstrado que a oneração de mercadoria detida para venda é incompatível com a atividade de venda de barcos a que se dedica a recorrente e causa-lhe, por isso, prejuízo grave e irreparável.

  14. – Conclui-se assim, que a solução preconizada pela douta sentença recorrida embora no plano teórico seja aplicável, é, na verdade, e na prática, impeditiva da continuação regular da atividade comercial da recorrente.

  15. – A douta decisão recorrida incorre em errónea de análise e conclusão, no que toca ao prejuízo irreparável que constitui a oneração da mercadoria para venda, porquanto a existência de ónus é motivo de grave constrangimento negocial nos termos acima descritos.

  16. – Donde a decisão recorrida violou o disposto no n.º 4 do art.º 52º da LGT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a anulação do despacho do OEF que indeferiu o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia.» Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público a fls. 181 dos autos emitiu parecer com o seguinte conteúdo: «A recorrente, convidada a apresentar novas conclusões, nomeadamente, menos complexas, veio a invocar a aplicação de regras de experiência, nomeadamente, nas conclusões sob as alíneas D) e O), pretendendo que seja formulado um juízo sobre a oneração da mercadoria detida para venda e a sua atividade exercida, de venda de barcos.

Conforme decidido no acórdão do STA de 19-11-14, proferido no proc. 0967/14, é de concluir não estar em causa apenas matéria de direito ainda que por referência a um conceito como é o de ser provocado "prejuízo irreparável, previsto no art. 52.º n.º 4 da L.G.T., como requisito da dispensa de garantia.

Entendo, pois, ser de excecionar a incompetência em função da matéria e hierarquia, nos termos do previsto no art. 280.º n.º 1 do C.P.P.T., cometendo-se a competência para apreciar o recurso ao TCA Sul, ao qual o processo é de remeter, caso tal seja requerido, nos termos do art. 18.º n.º 2 do mesmo diploma.» 2 - Fundamentação O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto: 1. Em 21.02.2016, foi instaurado pelo serviço de finanças de Porto de Mós, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal [PEF] n.º 1457201601008447 [cfr. autuação e certidões de dívida fls. 1-4 do PEF e informação de fls. 17-21, sempre com referência ao processo físico].

  1. Em 21.03.2015, a Reclamante remeteu ao serviço de finanças de Porto de Mós um requerimento de suspensão da execução com dispensa da parcial de prestação de garantia no PEF n.º 1457201601008447 e aps., manifestando a intenção de impugnação dos referidos actos tributários, identificando bens que integram o inventário susceptíveis de penhora e junta declarações de duas instituições de crédito de não aprovação de proposta de crédito sob a forma de garantia bancária [cfr. vinheta dos CTT aposta no envelope de fls. 6 e requerimento de fls. 7-8], referindo, além do mais o seguinte: “(…) A executada não possui bens imóveis.

    A executada não tem possibilidade de apresentar garantia bancária, muito por força de não conseguir prestar á entidade bancária contra garantias, designadamente hipoteca sobre imóveis. Com efeito, a executada solicitou junto das duas entidades bancárias com as quais trabalha (CCAM de Porto de Mós e CGD) a emissão de garantia bancária, no entanto, ambas não se mostraram disponíveis a tal operação financeira — conforme documentos um e dois que se juntam.

    Contra a executada foram instaurados outros processos de execução para cobrança de liquidações de IVA e JC, decorrentes da mesma inspecção tributária, a saber: 1457201601006070, 1457201601006088, 1457201601007300, 1457201601007319, 1457201601007408, 1457201601007416, 1457201601007432, 1457201601007440, 1457201601007459, 1457201601007467. Foi já pedida a apensação destes processos, e requerida a prestação de garantia parcial através da penhora dos bens do activo da executada e a dispensa de garantia no restante, em que aqueles não sejam suficientes.

    Na verdade, a única garantia que a executada pode prestar é a penhora sobre os poucos bens móveis do activo imobilizado. Porém, os bens do activo fixo já se encontram quase integralmente amortizados, totalizando à data de 31/12/2015, o valor total de € 15.284,86- conforme mapa de depreciações e amortizações do exercício de 2015, que se junta como documento três.

    A executada não possui outros bens ou direitos que possa onerar e indicar em garantia, nem se colocou na situação de insuficiência de...

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