Acórdão nº 065/18.9BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução05 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: 1.A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), inconformada com o acórdão do TCA – Sul que concedeu provimento ao recurso que a “Futebol Clube do Porto – Futebol SAD”, interpusera do acórdão do Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que mantivera as penas de multa que lhe haviam sido aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF, dele interpôs, para este STA, recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 7 de fevereiro de 2019, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multas por comportamento incorreto do público, punidas através dos artigos 127.º e 187.º do RD da LPFP; 2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos – revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o rebentamento de engenhos pirotécnicos e arremesso de objectos por ocasião de jogos de futebol; 6. São deveres dos clubes assegurar que tais objetos não entram nos estádios de futebol e que os seus adeptos não tenham comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da lei e da Constituição; 7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 8. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em catorze processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo, contra apenas três em sentido coincidente; 9. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 50 processos relativos a sanções aplicadas ao FCP por comportamento incorreto dos seus adeptos; 10. Tais números não só demonstram de forma incontestável que a Recorrida nada tem feito ao nível da intervenção junto dos seus adeptos para que não tenham comportamentos incorretos nos estádios, como demonstram que o FCP tem traçado um “plano de ataque” que não verá um fim num futuro próximo; 11. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao contrário do que entendeu o TCA Sul; 12. O FCP não colocou em momento algum em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FCP os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas; 13. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra a fls. … do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do Futebol Clube do Porto, sem deixar qualquer margem para dúvidas; 14. Com base nesta factualidade, o Conselho de Disciplina instaurou os competentes processos sumários ao FCP. Nos termos do artigo 258.º, n.º 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito; 15. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP); 16. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube; 17. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam no seu relatório que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso os Delegados coloquem os seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar; 18. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD’s que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas o FCP; 19. Entende o TCA que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que o FCP violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível; 20. Assim, o Relatório de Jogo, atento o seu conteúdo, é perfeitamente suficiente e adequado para sustentar a punição da Recorrente no caso concreto. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento; 21. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil; 22. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta; 23. Também o FCP nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede; 24. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, o FCP nada refere; 25. Do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o Futebol Clube do Porto incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do Futebol Clube do Porto, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos; 26. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos do FCP e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos delegados, o qual tem presunção de veracidade. Posteriormente, o FCP pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu; 27. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente que “o processo disciplinar que se manda instaurar (…) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)”; 28. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB que dando provimento ao recurso de revista diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu; 29. Ainda que se entenda – o que não se concede – que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir o FCP, a verdade é que o facto (alegado e eventualmente) desconhecido – a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos do FCP e a violação dos respetivos deveres – foi retirado de outros factos conhecidos; 30. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere o FCP e do que parece entender o TCA Sul; 31. A tese sufragada pelo TCA é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência; 32. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, 187.º, n.º 1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.” A “Futebol Clube do Porto –...

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