Acórdão nº 037/16.8BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.
A……….
, devidamente identificada nos autos, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul [«TCA/S»], datado de 28.06.2018, proferido no âmbito de ação administrativa instaurada contra “IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCA, IP” [doravante «IFAP»] que, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto, revogou a sentença recorrida e julgou totalmente improcedente a pretensão deduzida na ação [anulação do despacho de 23.12.2015 do Presidente daquele Instituto que procedeu à rescisão unilateral do contrato e que determinou a devolução da totalidade dos pagamentos a título de subsídio, prémio de manutenção e prémio por perda de rendimento, no montante total de 60.876,06 €], veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do art. 152.º do CPTA, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 456 e segs.
- paginação «SITAF» tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: «…
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O acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul entendeu julgar a ação totalmente improcedente, revogando-a, porquanto “(…) O cumprimento apenas parcial do contrato acarreta para o beneficiário a sanção determinada pelo ato impugnado (…) A ora recorrida estava obrigada à manutenção dos povoamentos florestais instalados por um período mínimo de 10 anos (não de um ano, nem de qualquer outro período temporal inferior), o que não se verificou, gerando um incumprimento da prestação contratual a que estava obrigada”.
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Ora, salvo melhor opinião, ao contrário do vertido no Acórdão impugnado, dos autos constam elementos demonstrativos de que a Autora não podia adotar conduta diferente e não lhe podia ser exigível maior diligência, colocando em crise o princípio da boa-fé e da confiança.
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A Autora deu cumprimento a todas as recomendações que lhe foram feitas pelos técnicos do IFAP e deu pleno cumprimento a todas as obrigações contratuais. Como resulta dos factos provados, a Autora demonstrou que nas visitas de acompanhamento e validação do projeto foi sempre constatada a coexistência de povoamentos das espécies abrangidas pelo projeto (Castanheiro e Sobreiro) com outras espécies (Pinheiro Bravo, Carvalho e Medronheiro) resultantes da regeneração natural.
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Por outro lado, a Autora demonstrou também que solicitou ao IFAP que fossem incluídas no projeto as espécies de Pinheiro Bravo, Carvalho e Medronheiro, fundamentando o seu pedido na regeneração natural. De acordo com o artigo 11.º do Decreto-lei n.º 31/94, para que possa efetuar-se a alteração das espécies previstas no projeto é necessária a obtenção de autorização do ICN (atual ICNF, I.P.), uma vez que os terrenos onde o projeto de arborização foi executado se insere na reserva natural da Serra da Malcata, autorização que a Autora solicitou e obteve.
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A Autora sempre atuou de boa-fé e com a diligência que lhe era exigível, tanto mais que, após a visita de 20/09/2013, deu conhecimento à demandada que ainda não tinha logrado executar o plano orientador de gestão (POG), admitindo essa não realização nos exatos termos programados.
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A rescisão unilateral do contrato é adotada como medida desadequada, face à matéria provada, uma vez que nem o ICN, nem a Reserva Natural da Serra da Malcata se opuseram. Antes permitiram a alteração das espécies relativamente àquelas que constavam do projeto aprovado.
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A Autora arborizou as superfícies agrícolas com castanheiro e sobreiro, que manteve e preservou entre 2001 e 2007, ato que permitiu o pagamento dos apoios que lhe foram sendo concedidos.
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De acordo com a prova produzida e dada como provada, as equipas de fiscalização constatam que a execução do projeto, entre 2001 e 2007, se encontrava regular e, por tal razão, a entidade demandada efetuou o pagamento dos subsídios.
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Nesta medida, a confiança entre as partes contratuais e a boa-fé na execução do contrato determinam que em nada justifica a rescisão e determinação de devolução das quantias recebidas, uma vez que a entidade demandada constatou o cumprimento das obrigações por parte da Autora.
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A mesma violação dos princípios da boa-fé e da confiança também ocorreu relativamente ao período posterior a 2007, ou seja, relativamente ao período entre 2008 e 2012. Neste particular, é de realçar que, como resulta da matéria de facto dada como provada, a Autora entregou nos serviços da entidade demandada o documento designado por “Declaração de Manutenção das Condições de Atribuição do Prémio Por Perda de Rendimento”, nas quais declarou o cumprimento da obrigação de “Manutenção e proteção dos povoamentos florestais instalados e das infraestruturas existentes” em relação aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2012 [cf. fls. 229, 256, 265, 272, do processo administrativo] e contra este facto nada foi contraposto pela demandada e não resulta dos autos que o teor documento tenha sido contrariado.
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Uma decisão que contraria frontalmente o douto acórdão impugnado (indo ao encontro do entendimento perfilhado pela Autora), é o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 05631/09, de 10/01/2013, disponível in www.dgsi.pt, onde se refere o seguinte: “(…) Ora, o incumprimento de obrigação, para existir, tem de ser imputável ao devedor, ao titular dessa situação jurídica passiva. Se o devedor não tiver agido com culpa, não é responsável pelo prejuízo...
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