Acórdão nº 0427/11.2BEBJA 0268/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução06 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A A………, S.A. interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 21 de Junho de 2016, que julgou apenas parcialmente procedente a impugnação judicial por si interposta, não admitindo a dedução a título de custos das perdas registadas com a alienação do papel comercial emitido pelas………., apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: § 1. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por esta ter errónea e ilegalmente negado a dedutibilidade em sede de IRC da perda suportada pela A……… aquando da cessão, em 2008, do papel comercial emitido pela ………… e por si subscrito, por ter fixado um valor da causa em clara violação da lei e por ter omitido qualquer pronúncia sobre pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

§ 2. O Tribunal a quo aceitou a perda decorrente da cessão pela A………… do papel comercial emitido pela ……… e a sua dedutibilidade fiscal à luz da regra geral prevista no n.º 1 do artigo 23.° do Código do IRC, prendendo-se a recusa da dedutibilidade da perda unicamente com o facto de o Tribunal a quo ter considerado aplicável a norma excepcional vertida na alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC.

§ 3. Simplesmente, esta norma, relevando apenas para as transmissões onerosas de «partes de capital», nada tem a ver com o caso dos Autos e não pode aqui ter aplicação.

§ 4. Com efeito, da interpretação do conceito de «partes de capital» à luz das regras vertentes da LGT e do Código Civil, resulta que o legislador entende que o conceito de «partes de capital» inclui apenas as «partes de capital social», distinguindo-o até das «restantes componentes do capital próprio».

§ 5. Assim, o papel comercial não constitui — nem nunca constituiu — uma «parte de capital social», consubstanciando, na verdade, valor mobiliário representativo de divida, destinado a financiar défices de tesouraria mediante a emissão de títulos nominativos, livremente negociáveis.

§ 6. O papel comercial representa um direito de crédito de curto prazo do seu subscritor sobre o emitente, permitindo a obtenção de rendimentos de juro a título de remuneração e poderá ser subscrito por qualquer terceiro; sendo que a posição de credor em nada se compara à posição de um accionista que interfere nos destinos da sociedade e tem direito à distribuição de lucros se a ela houver lugar.

§ 7. Concluindo-se que o papel comercial não se confunde com, nem se integra, no conceito de «partes de capital», então a alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC não é aplicável às transmissões de papel comercial, sendo ilegal a sentença dos Autos que assim não o entendeu.

§ 8. Em sede arbitral, e de modo unânime e consistente, foi também sustentado que quando a Lei Fiscal, como seja o Código do IRC ou o EBF, se refere a «partes de capital» se refere a partes de capital social (essencialmente, quotas ou acções) e não quaisquer outras figuras.

§ 9. Por outro lado, não sendo a norma plasmada na alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC aplicável às transmissões de papel comercial, a sua aplicação in casu conduz à violação do n.º 4 do artigo 11.° da LGT que afasta a integração analógica das normas tributárias, verificando-se, por isso, uma violação do princípio da legalidade vertido no artigo 3.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 8.° da LGT.

§ 10. Sem embargo, sendo a norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 23.º do Código do IRC excepcional, a sua aplicação analógica encontra-se também proibida pelo artigo 11.º do Código Civil.

§ 11. Como bem entende o Tribunal a quo, a outra perda sofrida pela Recorrente com a cessão dos demais créditos que detinha sobre a ……….., que foi efectuada através do mesmo instrumento contratual, com a mesma contraparte, nas mesmas condições e com o mesmo enquadramento económico-financeiro que a cessão do papel comercial, mostra-se plenamente dedutível, não havendo qualquer razão, de facto ou de direito, para entender de modo diferente no que respeita à perda atinente ao papel comercial.

§ 12. Não reconhecer a perda fiscal sub judice seria prejudicar duplamente a empresa; primeiro com a perda real e económica resultante da perda do activo (e.g.

créditos) e, em momento posterior, ao impedi-la de reconhecer fiscalmente aquilo que foi efectivamente uma perda e tributando, portanto, o valor de perda como resultado.

§ 13. Se a Recorrente suportou, de facto, a perda com a alienação do papel comercial emitido pela …………., e não está em causa a racionalidade e a justificação das decisões por esta tomadas, então, negar a dedutibilidade daquela perda implica uma tributação que desconsidera a capacidade contributiva da Recorrente no exercício de 2008, i.e.

, o seu lucro real; e § 14. Que, simultaneamente, se afigura desproporcional aos fins tutelados pelo artigo 23.° do Código do IRC e, em particular, da alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC, e que se prendem, exactamente, com a garantia de que os custos e perdas dedutíveis sejam relacionados com os fins empresariais, evitando a verificação de abuso.

§ 15. Em suma — como foi alegado pela Recorrente ante o Tribunal a quo —, a norma do artigo 23.°, n.º 5, alínea a) do Código do IRC, interpretada no sentido da negação da dedutibilidade da perda apurada pela Recorrente com a alienação do papel comercial emitido pela sociedade …………, é, nessa interpretação e aplicação, inconstitucional por violação do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da proporcionalidade, princípios constantes dos artigos 104.º, n.º 2, e 266.° da Constituição da República Portuguesa.

§ 16.Nesta conformidade, a decisão recorrida que negou a dedutibilidade da perda apurada pela Recorrente com a cessão do papel comercial de que esta era titular mostra-se violadora do disposto na própria alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC, na sua melhor interpretação, como ainda atentatória dos mais elementares princípios de Direito Fiscal, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça aquela mesma dedutibilidade e determine a anulação da autoliquidação de IRC de 2008 na parte correspondente.

§ 17. A Recorrente requereu ao Tribunal a quo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porém sobre este pedido o Tribunal não emitiu qualquer pronúncia; assim sendo, a Recorrente argui a nulidade da sentença dos Autos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.° do CPPT e na alínea d), primeira parte, do n.º 1, e no n.º 4 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e) do CPPT, a qual deverá ser, de imediato, suprida pelo Tribunal de primeira instância e não o sendo deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nesse caso directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar e com os fundamentos anteriormente arguidos pela Recorrente.

§ 18. De todo o modo, o Tribunal a quo errou ao fixar o valor da causa no montante que a Recorrente pretendia ver reconhecido como custo dedutível na declaração Modelo 22 de IRC de 2008, na medida em que, nos termos do artigo 97.°-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, o valor da causa deveria ter sido fixado em € 29.721.757,54, que equivale ao montante de IRC indevidamente liquidado e pago cuja anulação se pretende e que decorre justamente de aquela perda não ter sido inicialmente relevada fiscalmente.

§ 19. Donde, por manifesta violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT deve a decisão recorrida ser anulada e ser substituída por outra que fixe o valor da causa em € 29.721.757,54.

§ 20. De outro passo, a aplicação in casu, sem mais, da regra plasmada na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT e dos artigos 6.° e 11.° do Regulamento das Custas Processuais, implica o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo por a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo.

§ 21. Nesta conformidade, a Recorrente entende que estão reunidas as condições para que seja fixado — precisamente para efeito de custas e ao abrigo do artigo 296.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.°, alínea e) do CPPT — um valor da causa inferior ao valor relevante para os restantes fins e que não se prenda, exclusivamente, ao valor da liquidação contestado sub judice.

§ 22. Aliás, as normas que resultam do artigo 97.°-A do CPPT e dos artigos 6.° e 11.º, conjugados com a Tabela I — A anexa do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei...

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