Acórdão nº 02575/10.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Município do Porto recorre de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão do TCAN de 21.12.2018 que negou provimento ao recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto de 07.12.2011, mantendo, assim, a decisão recorrida que condena o ora Recorrente, Município do Porto, a pagar ao Recorrido, “os vencimentos referentes ao período de suspensão executado, acrescidos dos juros legais, desde a data da execução da pena até integral pagamento, bem como reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado”.

As alegações apresentadas para o efeito comportam conclusões do seguinte teor: A. A presente Revista é admissível, nos termos do artigo 150.º do CPTA, por ser claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e, por outro lado, por estar em causa uma questão — a contagem do prazo prescrisional em matéria disciplinar - cuja relevância jurídica se assume de importância fundamental, até pela virtualidade de aplicação futura a uma infinidade de casos; B. O Acórdão ora posto em crise, proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Porto, opondo-se, claramente, à jurisprudência já unânime do próprio Tribunal Central Administrativo e, conforme se viu, deste Supremo Tribunal Administrativo, sobre os mesmos factos, sobre a mesma questão jurídica - e inclusivamente sobre o mesmo procedimento disciplinar - gera incerteza e instabilidade, colocando em causa a certeza e segurança jurídicas, revelando-se, pois, imprescindível a intervenção do “órgão de cúpula da justiça administrativa” (veja-se a este respeito, a título meramente exemplificativo, o acórdão adiante junto); C. Esta oposição à jurisprudência administrativa, operada pelo Tribunal a quo, é tanto mais preocupante quando está em causa o julgamento dos mesmos factos (porque o procedimento disciplinar foi apenas um, apesar dos inúmeros arguidos envolvidos, pelo que o prazo de prescrição foi o mesmo) e análise das mesmas questões de Direito, imperando, portanto, conforme se vê, a necessidade de uma melhor aplicação do Direito, nos termos do disposto no artigo 150º, nº 1, do CPTA a fim de evitar contradição de julgados; D. No acórdão ora posto em crise, o Tribunal a quo procedeu, salvo o devido respeito por melhor opinião, a uma análise equivocada da matéria factual que envolve os presentes autos, o que conduziu a uma errónea interpretação aplicação do direito ao caso em concreto; E. À data da instauração do processo disciplinar, os factos de que o Recorrido vinha acusado eram suscetíveis de aplicação da pena de demissão. Cabia assim ao Recorrente o poder disciplinar sobre o Recorrido; F. No ano de 2005 tudo quanto se detetou foi uma elevada despesa com cuidados de saúde, sendo parte dessa despesa sustentada em recibos emitidos pela Clínica Dentária B……….. — o que estava longe de poder ser configurado como uma falta disciplinar, tal como preceituava o artigo 4.°, n.° 2 do anterior ED; G. Em 2005, os SMAS (pertencentes ao Recorrente) desconheciam: (i) se os recibos entregues nos serviços e emitidos por aquela Clínica eram verdadeiros ou falsos, (ii) quais eram verdadeiros e quais eram falsos, (iii) quais os funcionários que eram pacientes naquela clínica e, nestes casos, que tratamentos haviam realizado, (iv) quais os preços praticados pela clínica pelos tratamentos que realizasse, (v) quem emitia os recibos, quem os entregava nos serviços, (vi) quanto era pago à Clínica ou se algo era pago de todo, (vii) se os recibos emitidos tinham subjacente algum tratamento médico efetivamente realizado, do colaborador ou de terceiro, etc. — ou seja, tudo circunstâncias fundamentais para se apurar se existia ou não alguma falta, quem a tinha praticado, como, quando e de que forma, e quais as consequências da mesma; H. Na denúncia apresentada ao Ministério Público os SMAS dão efetivamente conta das dúvidas existentes quanto aos recibos, sendo que da lista àquela junta constavam todos os colaboradores que apresentaram recibos da Clínica B………… nesse ano, sendo que só parte deles vieram a ser constituídos arguidos (criminal e disciplinarmente), porque somente parte deles tinham apresentados recibos falsos; I. O prazo de prescrição previsto no artigo 4.°, n,° 2 do anterior ED só começou a correr a partir do momento em que o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto tomou conhecimento da acusação crime deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos - data em que os factos foram conhecidos com todos os elementos bastantes para se saber o que efetivamente havia ocorrido, de que forma e com que extensão e quem eram os seus agentes, assim se podendo finalmente configurar os factos como uma falta disciplinar; J. O “conhecimento da “falta” a que se referia o artigo 4.°, n.° 2 do anterior ED não se confunde com “conhecimento de indícios” ou sequer com o “conhecimento de fortes indícios”, pois que uma coisa é a falta e outra coisa são os indícios; K. Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que o conhecimento pelo dirigente máximo do serviço referido no n.° 2 do artigo 4.° do ED/84 se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação de modo a poder efetuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não o poder sancionador — cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 23 de Setembro de 2010 (processo n.°01599/07.6BEPRT); L. Como é jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores (designadamente do TCAN e do STA), não basta, para esse efeito, o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se torna necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível ao dirigente máximo do serviço, o seu enquadramento como ilícito disciplinar. Aliás, a própria lei fala em conhecimento da falta e não dos factos, o que supõe a possibilidade de fazer um juízo fundado sobre a relevância disciplinar de todos aqueles factos e não só de parte deles cfr. acórdão do STA de 9 de Setembro de 2009 (processo n.° 0180/09), e ainda, no mesmo sentido, e a título exemplificativo os acórdãos deste último Tribunal de 22 de Junho de 2006 (processo n.° 02054/02), de 23 de Janeiro de 2007 (processo n.° 021/03), de 19 de Junho de 2007 (processo n.° 01058/06), de 9 de Setembro de 2009 (processo n.° 0180/09), de 14/10/2003 (processo n.º 0586/03), de 20/03/2003 (processo n.° 02017/02), de 10/11/2004 (processo n.° 0957/02), de 16/03/2006 (processo 0141/06), de 29/03/2006 (processo n.° 144/05), de 23/05/2006 (processo n.° 0957/02), de 13/02/2007 (processo n.º 0135/06), de 1/03/2007 (processo 0205/06) e de 14/05/2009 (processo n.° 01012/08); M. O Acórdão ora colocado em crise afirma, por um lado, que os SMAS tomaram conhecimento da falta em finais de 2005 e, por outro lado, que deveriam ter instaurado um processo de inquérito ou de averiguações para apuramento dos factos que desconheciam - o que se traduz num entendimento contraditório em si mesmo, pois que ou se conhece ou não se conhece a falta; N. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações é uma faculdade e não um ónus da Administração, sendo que a sua não instauração tem como única consequência a não suspensão do prazo de prescrição mais longo (previsto no artigo 4.°, n.° 1 do anterior ED), não afetando o prazo de prescrição mais curto (previsto no artigo 4.°, n.º 2 do anterior ED), uma vez que este último só inicia a sua contagem a partir do momento em que a falta é conhecida; O. Não são sequer comparáveis os poderes e capacidades investigatórias legalmente conferidas a um inquiridor nomeado no âmbito de um processo de averiguações ou de inquérito, por um lado, e a entidades como o Ministério Público e a Polícia Judiciária, por outro; P. Os SMAS tinham consciência que não tinham forma de apurar, através da instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, a existência de qualquer falta, uma vez que seria necessário: (a) Fazer buscas à Clínica para recolha das fichas médicas (protegidas pela Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro); (b) Fazer o levantamento de sigilo bancário em relação às contas dos colaboradores, Clínica e seus sócios gerentes (todas protegidas pelo artigo 78.° do Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro); (c) Chamar a depor pessoas externas ao SMAS, deontologicamente obrigadas a sigilo profissional (como é o caso dos médicos da Clínica, obrigados a sigilo nos termos dos artigos 85.° e ss. do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.° 14/2009, de 13 de Janeiro), Sendo tudo diligências de prova só ao alcance do Ministério Público e Policia Judiciária, e nos estritos termos previstos nos artigos 135.º, 174.°, n.° 2, n.° 3, e nº 4 e 177.º, n.° 5 do Código de Processo Penal, como de facto veio a acontecer; Q. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, não estando estes cobertos por segredo de justiça, comportava ainda o risco de prejudicar ou inviabilizar a investigação em curso, uma vez que algumas das pessoas diretamente envolvidas nos esquemas poderiam, em abstrato, eliminar ou provas, preparar depoimentos, fazer desaparecer qualquer elemento que os pudesse vir a incriminar ou combinar reações concertadas face à investigação; R. A Administração não deve lançar mão de processos de inquérito ou de averiguações que se revelem, desde logo, insuscetíveis de investigar ou descobrir o que quer que seja, como aconteceu no caso em apreço; S. Com o acórdão ora posto em crise o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 4.° e 85.° e seguintes do ED, bem como da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, do Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, do Regulamento n.° 14/2009, de 13 de Janeiro e dos artigos 135.°, 174.°, n.° 2, n.° 3, e 4 e 177.°, n.° 5 do Código de Processo Penal.

Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT